Humanos não estão preparados para uma pandemia de infecções por fungos
As mudanças no ambiente e no clima, bem como o uso excessivo de fungicidas na agricultura, levaram a um aumento de fungos capazes de infectar pessoas e escapar dos poucos medicamentos projetados para combatê-los. Apenas cerca de 120 mil de aproximadamente cinco milhões de espécies de fungos foram identificadas – desse número, só algumas centenas são conhecidas por prejudicar os seres humanos.
Embora as bactérias resistentes a medicamentos tenham atraído mais atenção, os fungos estão evoluindo rapidamente, desenvolvendo resistência aos poucos antifúngicos disponíveis, o que representa uma ameaça crescente à saúde global.
por Fórmula Geo
fONTE: https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2022/08/humanos-nao-estao-preparados-para-uma-pandemia-de-infeccoes-por-fungos
O crescente perigo das infecções fúngicas
Casos clínicos em aumento
Fungos como o Aspergillus e Candida auris têm surgido com mais frequência em ambientes clínicos, causando infecções invasivas muitas vezes fatais.
Alta mortalidade
Algumas estimativas postulam uma taxa de mortalidade por infecções fúngicas invasivas de até 50%, o que se traduz, globalmente, em 1,6 milhão de mortes por ano.
Impacto econômico
Os custos médicos relacionados a infecções fúngicas chegam a 7,2 bilhões de dólares anualmente, embora esses números sejam provavelmente subestimados.
A rápida evolução dos fungos
Adaptação genética
Fungos podem adquirir resistência a medicamentos em questão de dias, como no caso de um paciente com câncer cuja infecção por Candida glabrata desenvolveu resistência à equinocandina rapidamente.
Mutações estratégicas
Os fungos resistentes alteram a forma da enzima-alvo para que o medicamento não a reconheça mais e aumentam a produção dessa enzima para garantir sua sobrevivência.
Mecanismos de defesa
Muitos fungos resistentes fabricam bombas de efluxo – proteínas que expulsam substâncias tóxicas das células fúngicas antes que possam causar danos.
A conexão entre fungicidas agrícolas e resistência
Uso excessivo na agricultura
A aplicação de azóis, uma classe comum de fungicida, quadruplicou nos últimos 10 anos. Semelhante ao uso de antibióticos na pecuária, os produtores promovem fungicidas como forma de aumentar o rendimento das colheitas.
Os patógenos fúngicos representam até 80% de todas as doenças que afetam as plantas, destruindo um terço do rendimento global das culturas por ano.
Resistência cruzada
Quando os fungos se tornam imunes a um fungicida agrícola, eles também desenvolvem resistência aos antifúngicos médicos que empregam estratégias semelhantes.
Pesquisadores provaram essa conexão testando amostras de Aspergillus fumigatus de pacientes que eram resistentes tanto a azóis médicos quanto a fungicidas exclusivamente agrícolas.
Ciclo de vida e reprodução: vantagens evolutivas
Ciclo de vida curto
Gerações de fungos aumentam e diminuem em questão de horas, permitindo rápido acúmulo de mutações
Reprodução sexual
Permite reunir diferentes resistências de indivíduos distintos em uma única progênie
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Reprodução assexuada
Espalha rapidamente esporos resistentes pelo ambiente após mutações benéficas
Amplificação genética
Genes com mutações vantajosas podem ser duplicados várias vezes, aumentando a resistência
Os fungos que podem se reproduzir tanto sexualmente quanto assexuadamente têm o maior potencial evolutivo, pois combinam diferentes resistências através da reprodução sexual e depois as espalham rapidamente via reprodução assexuada.
Mudanças climáticas e adaptação dos fungos
Barreira térmica natural
Mais de 90% das espécies de fungos não sobrevivem a temperaturas próximas a 37ºC
Eventos de seleção
Dias extremamente quentes criam pressão evolutiva para adaptação ao calor
Novos patógenos emergentes
Fungos adaptados ao calor podem infectar humanos mais facilmente
Arturo Casadevall, microbiologista do Johns Hopkins, afirma que Candida auris é o primeiro exemplo de um patógeno fúngico anteriormente desconhecido a surgir como resultado direto das mudanças climáticas. A partir de 2012, este fungo se materializou quase simultaneamente em três continentes – já resistente a antifúngicos.
O caso alarmante da Candida auris
Surgimento global
Apareceu quase simultaneamente em três continentes a partir de 2012
Resistência inata
Já surgiu resistente a múltiplos antifúngicos
Persistência ambiental
Capaz de colonizar superfícies hospitalares por meses
Adaptação térmica
Adquiriu capacidade de sobreviver em temperaturas mais altas
O mecanismo de adaptação ao calor da Candida auris ainda é desconhecido, mas especialistas acreditam que envolve mudanças maciças, incluindo edições genéticas, ajustes nos níveis de proteína e alterações nas estratégias metabólicas, não apenas mutações pontuais.
Desafios no desenvolvimento de antifúngicos
Poucos medicamentos disponíveis
Apenas três classes principais de antifúngicos para uso médico
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Similaridade biológica
Humanos e fungos compartilham muitos genes e processos celulares
Alto custo de desenvolvimento
Processo demorado e caro para criar novos medicamentos
O desenvolvimento de drogas que matam fungos enquanto deixam o corpo humano intacto é um grande desafio científico. A similaridade biológica entre fungos e humanos significa que substâncias tóxicas para os fungos frequentemente também afetam células humanas, limitando as opções terapêuticas e tornando o desenvolvimento de novos antifúngicos particularmente difícil.
Populações vulneráveis e riscos futuros
Imunocomprometidos
Pacientes com sistema imunológico enfraquecido, como transplantados ou em tratamento de câncer, são particularmente suscetíveis a infecções fúngicas oportunistas.
Idosos
O envelhecimento natural do sistema imunológico torna os idosos mais vulneráveis a patógenos fúngicos, especialmente em ambientes de cuidados de longa duração.
Pacientes com COVID-19
Na Índia, casos de lesões do trato respiratório, tratamentos com esteroides e diabetes descontrolada aumentaram infecções fúngicas invasivas em pacientes com COVID-19.
Risco futuro para população saudável
"Os fungos estão em constante evolução para explorar novos nichos. Um patógeno pode aparecer e acabar com uma população de pessoas aparentemente saudáveis", alerta Johanna Rhodes.
Próximos passos e soluções propostas
Em 2018, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA estabeleceram a rede de laboratórios de resistência antimicrobiana, conectando recursos de saúde locais e nacionais para identificar e conter surtos multirresistentes. Várias vacinas fúngicas estão atualmente em ensaios clínicos, e pesquisadores desenvolveram testes de diagnóstico rápido usando anticorpos monoclonais.
Os especialistas enfatizam que devemos abordar o uso de fungicidas de forma mais ponderada: "Use-os apenas quando precisar deles e use-os de forma eficaz", em vez de pulverizá-los indiscriminadamente. A coexistência, e não a erradicação dos fungos, deve ser o objetivo, considerando seu papel vital no ecossistema.