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EFEITOS RELATIVÍSTICOS NA INFLUÊNCIA DE FENÔMENOS DE
ABSORÇÃO E ESPALHAMENTO EM METAIS.
Everton Bonturim, M.Sc.
Universidade de São Paulo – USP
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, IPEN-CNEN/SP
Av. Professor Lineu Prestes, 2242, Cid. Universitária, São Paulo/SP – Brasil,
05508-000
RESUMO
Os mecanismos envolvidos na interação da radiação eletromagnética com a matéria
determinam as propriedades óticas dos materiais. Os fenômenos que determinam a absorção e
emissão de radiação estão relacionados com as estruturas eletrônicas dos metais, sendo assim, a
configuração de orbitais atômicos e moleculares influenciam diretamente na disponibilidade de
transições eletrônicas interbandas, responsáveis pela absorção e/ou reflexão de radiação no
material. Os metais de transição com orbitais d semipreenchidos promovem transição eletrônica,
favorecendo a reflexão da radiação incidida, em contrapartida, elementos com orbitais d completos
e elétrons desemparelhados sofrem influência de efeitos relativísticos responsáveis pela
compressão da camada de valência do átomo, favorecendo o efeito de absorção. Metais com a
característica de absorção e pouca transição eletrônica de alta energia apresentam cor
característica. Dentre os metais conhecidos, apenas o cobre, o ouro e a prata apresentam
coloração.
Palavra-chave: Metal; cor; transição eletrônica; orbitais; radiação.
ABSTRACT
The mechanisms involved in the interaction of electromagnetic radiation with matter
determine the optical properties of materials. The phenomena which determine the radiation
absorption and emission are related to the electronic structure of the metal, so the configuration of
atomic and molecular orbitals directly influence the availability of bands electronic transitions
responsible for the absorption and / or reflection of radiation in the material. The transition metals
with half-filled d orbitals promote electronic transition, favoring the reflection of radiation, elements
with orbitals (d) complete and unpaired electrons are influenced by relativistic effects responsible for
compression of the valence shell of the atom, favoring the absorption effect. Metals with low
absorption feature and the high-energy electronic transition feature characteristic color. Among the
known metals, only copper, gold and silver are colorful.
Keywords: Metal color; electronic transition; orbitals; radiation.
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Introdução
As propriedades dos materiais
definem como os mesmos podem ser
utilizados e como estes se comportam
frente a determinadas situações às
quais os mesmos são submetidos.
Dentre as propriedades mais
estudadas, temos: propriedades
térmicas, propriedades magnéticas,
propriedades óticas e propriedades
estruturais.
(1)
A importância de se conhecer
as propriedades dos materiais vem da
necessidade de entender como a
estrutura atômica/molecular da matéria
em questão pode responder aos
estímulos externos do meio onde o
componente está desempenhando sua
função. Nesse sentido, a propriedade
que envolve a interação da matéria
com a luz, em particular a radiação
eletromagnética (fig. 1) na faixa do
espectro visível, é conhecida como
propriedade ótica.
(1)
Figura 1 – Esquema representando a variação de frequência e comprimento de onda da radiação
eletromagnética.
(2)
Tratando-se de propriedades
óticas, a interação da radiação com a
matéria é um tema de elevada
importância, fato este que leva ao
entendimento das estruturas atômicas
responsáveis por tal interação. Dentro
da história dos estudos sobre modelos
atômicos, o modelo de Bohr
representa o início das descobertas
dos fenômenos de transição
eletrônica, responsáveis pela absorção
e emissão de radiação da matéria.
Dentro da classe dos materiais
metálicos, sabemos que sua
organização e interações interatômicas
promovem alta mobilidade de elétrons
na estrutura do material, essa
característica se deve a configurações
específicas de posicionamento e
preenchimento de níveis de energia
em orbitais.(3)
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Estrutura atômica
Sabe-se que o modelo de Bohr
propunha a existência de níveis
energéticos para cada grupo de
elétrons, já postos em órbita no
modelo atômico proposto e estudado
por Rutherford.(3) Essa distribuição
espacial e energética dos elétrons
possibilitou o entendimento dos níveis
(K, L, M, N, O, P, Q) e subníveis (s, p,
d, f) de energia, tais como
conhecemos atualmente. Contudo, o
desenvolvimento de propostas da
mecânica quântica, e suas
ferramentas para o estudo de sistemas
em escala atômica, trouxeram a ideia
de distribuição probabilística.
(3,4) As
propostas estudadas por Erwin Rudolf
Josef Alexander Schrödinger
marcaram a história pela contribuição
dada ao estudo de partículas
movendo-se em três dimensões que
possam ser tratadas como ondas, ao
que se atribuiu a equação da função
de onda a seguir:
(3,4)
( )
A busca por melhorias nas
definições dadas por equações
complexas fez com que a tal
necessidade de aproximações da
função de onda de Schrödinger
passassem a não satisfazer os
preceitos tidos como fundamentais
para representações de sistemas
multi-eletrônicos, já que tal função
representava apenas um sistema de
um estado.(4)
Com essa limitação, os estudos
de Paul Adrien Maurice Dirac
mostraram a viabilidade de se
trabalhar com sistemas de mais de
uma partícula, em condições
relativísticas, por meio de equações de
primeira ordem que descrevem as
interações entre partículas próximas
do núcleo com as partículas mais
afastadas.(4) A equação de Dirac é
definida em função de coordenadas
espaciais e temporal:
( ∑
) ( )
( )
Pelas teorias da mecânica
quântica surgiram conceitos
importantes de distribuição de
elétrons, temos então: os orbitais
atômicos (OAs), regiões nas quais, em
função de seus movimentos
rotacionais “spins”, os elétrons podem
assumir movimentos translacionais
específicos em torno do núcleo
atômico e, orbitais moleculares (OMs),
formados pela sobreposição dos OAs
para dar origem à moléculas.(3)
Cada orbital molecular
apresenta situações possíveis de
acomodação eletrônica, os orbitais
podem assumir a configuração de
orbital ligante, de menor energia,
orbital antiligante, de maior energia, e
orbital não-ligante, de energia
intermediária ao ligante e antiligante.
Os elétrons são distribuídos primeiro
em orbitais de menor energia, sendo
possível alocar apenas 2 elétrons, de
spins opostos, em cada orbital.
(3)
A existência de orbitais
atômicos semipreenchidos, como o
caso dos elementos de transição e
seus orbitais d, assim como para os
demais metais, a falta de elétrons para
tornar o sistema estável (na condição
eletrônica de gás nobre) possibilita aos
OAs a formação de ligações adicionais
na vizinhança, o que promove a
formação de clusters de átomos, onde
cada átomo compartilha elétrons com
átomos vizinhos.(1,3)
Devido a grande quantidade de
elétrons das ligações na estrutura dos
metais, os orbitais moleculares
apresentam níveis energéticos baixos
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e consequentemente muito próximos,
o que dá origem às bandas. Tais
bandas se distribuem por todo espaço
sobre os átomos, dando mobilidade
aos elétrons de valência. Todo metal
tem como base a presença de
sobreposição entre as bandas
preenchidas (de valência) e sua
respectiva banda não preenchida (de
condução), fenômeno conhecido como
overlapped zone.
(3)
Interação da radiação
eletromagnética com a matéria
A interação de um material com
a radiação eletromagnética envolve
possível transferência de energia,
conhecidos como mecanismos de
absorção, excitação e emissão.(7) O
processo é basicamente promovido
pela absorção de energia da radiação
incidida, por um elétron da estrutura
atômica do material (fig. 2), o mesmo é
promovido para outro estado
energético de maior valor (estado
excitado) e então podem ocorrer dois
fenômenos, ou o elétron retorna a sua
posição de energia inicial (estado
fundamental), ou retorna em uma
posição diferente, ainda com energia
superior ao do estado fundamental. No
primeiro caso, temos o fenômeno de
decaimento radiativo, que envolve
emissão de fótons (radiação
eletromagnética). No segundo caso,
há apenas emissão de fônons, que
corresponde à liberação de energia
sem emissão de fótons, na forma de
calor.
(5,6,7)
Figura 2 – Diagrama de estado energético
para absorção e emissão de radiação.(5)
O interesse na cor que
podemos ver envolve justamente a
existência de fenômenos de
decaimento radiativo, onde a parte da
energia incidente absorvida pelo
elétron é posteriormente liberada na
forma de fótons de energia
característica ao nível em que esse
elétron foi excitado, ou seja,
dependente diretamente do átomo em
questão.
(1,3,5-7)
Observar um objeto de
coloração avermelhada envolvem mais
conceitos de interação da radiação
com a matéria do que podemos
imaginar. Uma superfície só apresenta
cor se a mesma for atingida por
alguma radiação que possa promover
fenômenos de absorção e emissão, a
luz branca (soma das frequências de
radiação eletromagnética no espectro
visível) que incide sobre uma
superfície de cor vermelha absorverá a
radiação nas diversas frequências que
a compõe e emitirá a radiação
correspondente a frequência da cor
vermelha. Lembrando que superfícies
escuras (preto) tendem a absorver
mais do que emitir e superfícies claras
(branco) tendem a absorver e emitir
quase toda radiação.(1,3,5-7)
Absorção e emissão em metais
No caso dos metais de
superfície lisa, a alta densidade
eletrônica facilita a absorção de
radiação por parte dos elétrons,
consequente transição para níveis
mais excitados e posterior emissão
dos mesmos. A forte intensidade com
que ocorre esse fenômeno determina
a reflexão (espalhamento) da radiação,
levando em conta que o conceito de
reflexão está diretamente relacionado
com o fato do ângulo no qual a
radiação incidiu ser o mesmo da
radiação emitida.(3,8)
Temos dois casos a serem
observados no que diz respeito à
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estrutura eletrônica dos metais em
relação ao seu comportamento frente
à absorção e espalhamento de
radiação. No primeiro caso temos os
metais com bandas de valência
semipreenchidas, que são os
elementos de transição com orbitais
atômicos d incompletos, sendo assim,
como mencionado anteriormente, a
existência de orbitais incompletos gera
uma aproximação dos respectivos
orbitais moleculares e consequente
diminuição de energia entre eles, o
que facilita a transição interbandas
(banda de valência e banda de
condução), propiciando assim o
fenômeno da reflexão (absorção e total
emissão dos fótons incididos).(3,8)
No caso dos metais que já
possuem os orbitais d preenchidos, a
presença de elétrons em orbitais mais
externos (6s, por exemplo) promove
efeitos relativísticos no elétron, por
conta da sua velocidade, próxima da
velocidade da luz. Consequentemente,
seu comportamento é definido como
se sua massa tivesse valores maiores,
a fim de anular a força de atração do
núcleo atômico, reduzindo assim o
orbital do respectivo elétron para
manter seu momento angular em
comparação com os elétrons de menor
velocidade. Em situações onde há
contração de camada devido a efeitos
relativísticos, existe menor
probabilidade de transição de níveis
eletrônicos (interbandas) para altos
valores de energia, sendo assim, os
elétrons absorvem mais energia e o
material passa a ter cor
complementar.(3,8)
Em se tratando de distribuição
eletrônica dos orbitais dos elementos,
podemos ver na tabela 1 a
configuração de alguns metais de
transição:
Tabela 1 – Configuração eletrônica de metais de transição.
Z Elemento Configuração eletrônica
24 Cr [Ar]3d5
4s1
28 Ni [Ar]3d8
4s2
29 Cu [Ar]3d104s1
40 Zr [Kr]4d2
5s2
44 Ru [Kr]4d7
5s1
47 Ag [Kr]4d105s1
79 Au [Xe]4f145d106s1
80 Hg [Xe]4f145d106s2
Usando de referência os
elementos apresentados acima,
podemos observar que o crômio e o
rutênio apresentam orbitais d
incompletos, assim como o orbital de
valência s. O níquel e o zircônio
apresentam apenas orbital d
incompleto. Estes casos contam com a
facilidade de transição de elétrons
interbandas, facilitando e promovendo
a reflexão. Alguns metais reflexivos
podem ser vistos na figura 3.
Figura 3 – Metais de reflexivos.
Os elementos cobre, prata e
ouro contam com orbitais d completos,
contudo seus orbitais mais externos
estão semipreenchidos, ou seja,
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contam com um elétron
desemparelhado que sofrerá a ação
da contração devido a fenômenos
relativísticos que diminuem seus
estados energéticos e
consequentemente dificultam as
transições interbandas em altas
energias. Sendo assim, com um valor
alto para o nível de Fermi, as
transições para banda de condução
não ocorrem, favorecendo assim a
absorção de radiação e dificultando a
reflexão total da mesma. Tal efeito é
responsável pela leve coloração
amarelada da prata e pela cor
avermelhada do cobre e amarela do
ouro (fig. 4), únicos metais que
apresentam cor.
(8)
Figura 4 – Metais que apresentam cor: prata,
ouro e cobre.
Referências
[1] CALLISTER, W. D. Ciência e engenharia de materiais: uma introdução. 5a
ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2002.
[2] Sociedade Criacionista brasileira. Nossa visão das coisas e o Espectro
eletromagnético. Disponível em: <http://www.scb.org.br/fc/FC58_19.htm> Acesso
em: 19 de nov. de 2012.
[3] LEE, J.D. Química inorgânica não tão concisa. 5a ed. São Paulo: Blucher,
1999.
[4] UNESP, Instituto de Química. Considerações finais sobre o átomo de
hidrogênio. Disponível em:
http://inorgan221.iq.unesp.br/quimgeral/quanticos/consideracoes.html, Acessado
em: 18 de nov. de 2012.
[5] LUCENA, P. R. de, Fotoluminescência em materiais com desordem estrutural.
Cerâmica, v.50, n.314, 2004.
[6] SANTOS, C. C. L. dos, Efeito do teor de cobalto na cor de Espinélios Zn2-
xCoxTiO4. Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Paraíba, João
Pessoa/PB, 2008.
[7] TOLENTINO, M.; ROCHA-FILHO, R.C. O átomo e a tecnologia. Química Nova
na Escola, n. 3, maio, 1996.
[8] ZAMARION, V. de M. Funcionalização de partículas plasmônicas para o
desenvolvimento de sensores SERS. Tese de doutorado, Universidade de São
Paulo: Instituto de Química, São Paulo, 2012.