"Senhora"
Aurélia passava agora as noites solitárias.
Raras vezes aparecia Fernando, que arranjava uma desculpa qualquer para
justificar sua ausência. A menina que não pensava em interrogá-lo, também não
contestava esses fúteis inventos. Ao contrário buscava afastar da conversa o tema
desagradável.
Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe seu amor; mas a altivez de coração
não lhe consentia queixar-se. Além de que, ela tinha sobre o amor ideias singulares,
talvez inspiradas pela posição especial em que se achara ao fazer-se moça.
Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas; e pois toda
a afeição que lhe tivesse, muita ou pouca, era graça que dele recebia. Quando se
lembrava que esse amor a poupara à degradação de um casamento de
conveniência, nome com que se decora o mercado matrimonial, tinha impulsos de
adorar a Seixas, como seu Deus e redentor.
Parecerá estranha essa paixão veemente, rica de heróica dedicação, que
entretanto assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe
retribuía o homem amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem
fazer um esforço para reter a ventura que foge.
Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos
abstemos; porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o
caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir
nesses limbos.