Assine a carta de apoio ao Projeto Memórias Carandiru (íntegra abaixo)
São Paulo, março de 2024
Excelentíssima(o),
Cumprimentando-a(o), servimo-nos do presente para prestar apoio ao Projeto Memórias Carandiru, bem como encaminhar documentos e recomendações de suporte ao desenvolvimento e consolidação do direito à Memória, Verdade, Justiça e Reparação das pessoas atingidas pelo Massacre do Carandiru.
As recomendações e os documentos anexados a esta carta são resultado dos trabalhos desenvolvidos por alunas, pesquisadoras e professoras da Escola de Direito da FGV-SP, em especial da Clínica de Acesso à Justiça e Advocacia de Interesse Público da FGV Direito SP, em articulação com sobreviventes do Massacre do Carandiru e com os Núcleos Especializados de Situação Carcerária e de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Dessa forma, anexam-se a esta carta o relatório “Reparação Integral e Direito à Memória no Massacre do Carandiru” produzido pela Clínica de Acesso à Justiça e Advocacia de Interesse Público da FGV Direito SP (anexo I) e o “Relatório de Visita Técnica ao Espaço Memória Carandiru” realizada em 30 de maio de 2023 por representantes do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública (anexo II).
A partir desses documentos estabelecemos as seguintes premissas:
1) A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por meio do Relatório de Mérito n. 34/003, reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela violação dos artigos 4 (direito à vida) e 5 (direito à integridade pessoal), em virtude da morte de 111 pessoas e de um número indeterminado de feridos, todos eles detidos sob a sua custódia no Complexo Penitenciário do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, pela ação de agentes da Polícia Militar de São Paulo. Igualmente, reconheceu a violação dos artigos 8 e 25 (garantias e proteção judicial) em conformidade com o artigo 1.1 da Convenção Americana, pela falta de investigação, processamento e punição séria e eficaz dos responsáveis e pela falta de indenização efetiva das vítimas dessas violações e seus familiares;
2) A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou à República Federativa do Brasil, entre outras medidas, a identificação das vítimas de violações de direitos no Complexo do Carandiru para adoção de medidas de reparação, bem como o desenvolvimento de políticas e estratégias destinadas a reabilitação e reinserção social em acordo com as normas nacionais para as pessoas em situação de cárcere;
3) Apesar das obrigações estabelecidas pelo órgão internacional, observa-se que não foi realizada uma política de reparação efetiva por parte do Estado, seja pela insuficiência de indenizações dos familiares das vítimas letais e da inexistência de compensações financeiras para vítimas de lesões, seja pela escassez de projetos de memória voltados a preservação dos espaços e das histórias de vida das pessoas atingidas pelo Massacre de 02 de outubro de 1992.
Diante dessas premissas, compreendemos que o apoio ao desenvolvimento de políticas públicas de memória e memorialização do Massacre do Carandiru, dos espaços urbanos e das pessoas relacionadas a esse evento pode contribuir para reparação coletiva, para a desestigmatização de sobreviventes do sistema prisional e seus familiares e para a desnaturalização da violência de Estado.
Nesse sentido, considerando que o Decreto Estadual n. 52.112, de 30 de agosto de 2007, instituiu o Espaço Memória do Carandiru no Parque da Juventude de São Paulo, com a finalidade de “oferecer ao público em geral informações de caráter histórico, social e cultural sobre o Carandiru, organizadas em exposição permanente e em exposições temporárias”, assim como “desenvolver trabalho educativo junto à população em geral” (artigo 1, incisos I e III). E que o Complexo Penitenciário do Carandiru foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (SMC/CONPRESP N. 38 de 19 de março de 2018), sendo considerado local “fundamental para a preservação da história prisional no Brasil”.
Declaramos o nosso apoio ao trabalho desenvolvido pelo Projeto Memórias Carandiru, capitaneado pelos educadores e sobreviventes do cárcere Maurício Monteiro e Helen Baum e pela educadora e técnica em museologia Nádia Lima. O projeto que desenvolvem no Espaço Memória Carandiru inclui atividades educativas realizadas de forma gratuita e abarca rodas de conversa, palestras e roteiros de memória realizados não só no espaço museológico, mas também na Biblioteca de São Paulo e nas áreas do entorno que compreendem o Parque da Juventude e o bairro de Santana.
Diante de todo o exposto, e considerando os documentos anexados, recomendamos ao Poder Público que:
1. Reconheça o Espaço Memória Carandiru como parte de um lugar de memória e verdade da cidade de São Paulo e como dispositivo de reparação integral às vítimas do Massacre do Carandiru, seus familiares e toda a sociedade;
2. Garanta a existência do Espaço Memória Carandiru por meio do repasse permanente e contínuo de verbas públicas, inclusive por meio de parcerias com organizações da sociedade civil para o desenvolvimento de ações de educação em direitos no espaço;
3. Garanta a contratação e a continuidade do trabalho desenvolvido por educadores- sobreviventes do sistema prisional no Espaço Memória Carandiru, como forma de fomentar programas de inserção de pessoas egressas no trabalho, bem como reduzir os estigmas associados ao contato com o sistema de justiça criminal;
4. Revise a linha do tempo/cronologia do Espaço Memória Carandiru para incluir as graves violações de direitos humanos perpetradas em 02 de outubro de 1992, bem como outros massacres e violências sistemáticas ocorridas na Casa de Detenção de São Paulo, inclusive para atender as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos previstas no Relatório de Mérito 34/00;
5. Revise o Painel e a linha do tempo do Museu Penitenciário Paulista sobre o Complexo do Carandiru, a fim de reconhecer as graves violações de direitos humanos perpetradas em 02 de outubro de 1992, bem como outros massacres e violências sistemáticas ocorridas no espaço prisional, inclusive para atender as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos previstas no Relatório de Mérito 34/00;
6. Inclua maiores de informações escritas e em formatos audiovisuais no Espaço Memória sobre o Massacre do Carandiru, priorizando-se as narrativas produzidas por sobreviventes e seus familiares;
7. Destine recursos para o desenvolvimento de um Museu Digital do Espaço Memória Carandiru;
8. Amplie a realização de eventos, rodas de conversa e atividades educativas mediadas por educadores sobreviventes do cárcere com vistas a denunciar graves violações de direitos humanos, compartilhar memórias de resistências nas prisões brasileiras e reduzir estigmas sociais sobre a população carcerária.
9. Seja criado via IBRAM o Museu do Território do Carandiru e que este seja gerido e protagonizado por sobreviventes e familiares dos massacres prisionais do passado e em curso.
Nesta oportunidade reiteramos os votos de estima e consideração.
Atenciosamente,
Assinaturas