[Ao preencher o formulário abaixo, declaro que concordo com o manifesto contra a redução de orçamento das Assessorias Técnicas Independentes.]
16 de março de 2023
MANIFESTO PÚBLICO
O INSTITUTO GUAICUY, entidade da sociedade civil sem fins lucrativos, dotada de título de utilidade pública, inscrita no CNPJ sob o nº 04.518.749/0001-86, eleita como Assessoria Técnica Independente dos atingidos e atingidas das Regiões 4 e 5 estabelecidas em decisão judicial prolatada aos 20.02.2019 (processo nº 5010709-36.2019.8.13.0024), diante do grave cenário que se impõe a partir do corte orçamentário da ordem de 48% imposto pelas Instituições de Justiça de Minas Gerais às 03 Assessorias Técnicas que atuam no caso Paraopeba, vem a público tecer as seguintes considerações.
Em brevíssima recapitulação, temos que:
- ATI é um direito adquirido pelas pessoas atingidas e previsto na Lei Estadual a lei 23.795 de 15 de janeiro de 2021 (PEAB).
- Para assegurar às pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem da Vale S.A. em Brumadinho, as áreas atingidas da Bacia do Rio Paraopeba e do Lago de Três Marias foram divididas em cinco regiões e foram contratadas pelas Instituições de Justiça três entidades para Assessoria Técnica Independente (ATI): Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy, eleitas pelas pessoas atingidas em cada região.
- Conforme a divisão realizada pelas Instituições de Justiça, cada região tem características próprias e muito específicas. Há grande variação em questões como densidade demográfica (número de habitantes por município, por comunidade) e extensão territorial.
Além disso, cada ATI desenvolveu, desde 2019, metodologias específicas voltadas para atender a população atingida especificamente de cada região.
Como é amplamente conhecido, o processo de reparação teve início com uma ação judicial e depois se desdobrou no Acordo Judicial firmado entre a empresa-ré Vale S.A, o Estado de Minas Gerais e as Instituições de Justiça (Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública do Estado/MG), em fevereiro de 2021.
A atuação das ATIs é então construída a partir das diversas demandas da população atingida, das Instituições de Justiça (IJs), do que foi determinado pelo Acordo e de decisões judiciais. E também é pautada pelos Planos de Trabalho elaborados ao longo dos últimos anos.
O orçamento das ATIs e os critérios de divisão de recursos a partir do que foi definido como verba no Acordo sofreu variações ao longo de 2021 e 2022, mas sempre dentro do parâmetro previamente indicado
Em novembro/2022, as ATIs apresentaram Plano de Trabalho referente às atividades do Acordo, com base em atividades e orçamento previamente alinhados com a CAMF-Lataci (Coordenação Metodológica) e, conforme orientação das Instituições de Justiça, foi prevista redução orçamentária gradual, bem como redução de atividades relacionadas ao Acordo, além de um Plano de Desmobilização de funcionários para os próximos 3 anos.
A partir de um Parecer da CAMF, que trazia ressalvas e indicava a necessidade de ajustes nos Planos de Trabalho (mas, NADA indicando nenhum corte drástico de orçamento ou atividades), os Planos de Trabalho foram aprovados.
Todavia, para total surpresa das 3 ATIs, em documentos dos últimos dias 1° e 08 de março, as Instituições de Justiça comunicaram que, para o 1º semestre de de 2023, estava definido um corte orçamentário da ordem de 48% em relação ao orçamento previsto nos Planos de Trabalho. Este corte, informado já em março, é indicado como válido retroativamente, desde o mês de janeiro. Ou seja, DEPOIS que as ATIs já pagaram todas as suas obrigações dos primeiros meses do ano (contratos, aluguéis, salários etc), foram informadas que, na verdade, só poderiam ter gasto metade do que já gastaram.
Essa decisão traz consequências muito sérias para a organização e o trabalho das ATIs. No caso do Instituto do Guaicuy, estamos falando de, subitamente, ser obrigado a demitir todos os seus 229 funcionários, para todas as regiões 4 e 5. Além da imposição de rescisões contratuais não programadas, com pagamento de multas.
Infelizmente somos obrigados a reconhecer que estamos falando da iminente desestruturação das ATIs que atuam nos territórios atingidos, com risco imediato de paralisação integral de suas atividades.
Ao falarmos da desestruturação das atividades das ATIs, no fim nos referimos a um impacto direto nos direitos das pessoas atingidas à assessoria técnica e à reparação integral, efetivação da participação informada e acesso a informações que podem afetá-las diretamente.
Caso no 2º semestre seja mantido o teto orçamentário ora indicado, as ATIs teriam que recontratar parte dos profissionais, para retomar as atividades, mas de forma completamente diferente da atual. Seria necessário reconstruir, em conjunto com as pessoas atingidas, o Plano de Trabalho, com a priorização de algumas atividades, em detrimento de outras, que não mais caberão no orçamento.
Em termos de gestão do recurso do Acordo, que é recurso das pessoas atingidas, essa situação não parece nada razoável.
Informamos ainda que as ATIs têm levado este cenário às Instituições de Justiça, no intuito de buscar um caminho que não leve a esse desmonte imediato da estrutura das ATIs e sério prejuízo ao trabalho que vem sendo desenvolvido junto às pessoas atingidas.
Em brevíssimo resumo exemplificativo, lembramos que na Região 4 o Guaicuy ampliou o atendimento em termos de comunidade atendidas em 250%, saindo de nove comunidades mapeadas pelo MP para 23 atendidas atualmente e na Região 5 ampliou o atendimento em termos de comunidade atendidas em mais de 300%, saindo de 23 comunidades mapeadas pelo MP para 86 atendidas atualmente.
Podemos sintetizar algumas ações da Assessoria Técnica, que já consumiram muito tempo de trabalho das equipes e dedicação das pessoas atingidas, mas que ainda estão em andamento, a saber:
. Apoio na organização social e territorial das pessoas atingidas; visibilidade para Povos e Comunidades Tradicionais;
. identificação de problemas relacionados ao PTR (poligonais, documentação) e busca de soluções;
. organização da Consulta Popular do Anexo 1.3 e permanente busca de informações sobre os projetos;
. apoio na construção do entendimento sobre a Governança do Anexo 1.1;
. levantamento e identificação de danos individuais e coletivos;
. informações e formações sobre o Plano de Reparação Ambiental;
. acompanhamento e identificação de problemas nos Estudos de Risco à Saúde;
. análises de águas e peixes.
Por todo o exposto, vimos, por meio do presente Manifesto, reivindicar uma solução para a continuidade das ATIs do Paraopeba, ressaltando que já foi feito um Plano de Desmobilização gradual que garante o atendimento às pessoas atingidas. Esse plano pode ser revisto e intensificado, mas qualquer ação neste sentido requer tempo e condições de planejamento da gestão das ATIs e planejamento das consequências no trabalho em conjunto com as pessoas atingidas.