Recuos nos direitos das pessoas migrantes - não aceitamos, não calamos!

As pessoas migrantes têm sido gravemente penalizadas pelo incumprimento do Estado. Continuamos a assistir a uma flagrante violação da lei da imigração, mediante o incumprimento dos prazos máximos de resposta estipulados no que concerne ao processo de regularização, e a imposição de burocracias infindáveis. 

Esta situação, que atenta contra os direitos humanos, condena os trabalhadores migrantes a todo o tipo de esquemas fraudulentos e abusos laborais, e condiciona o seu acesso a bens e serviços essenciais. Se os migrantes são as primeiras vítimas de um sistema que continua a criminalizá-los e persegui-los, certo é que esta situação, inaceitável num Estado democrático e de Direito, é prejudicial para o erário público, muitas vezes privado das preciosas contribuições para a Segurança Social destes trabalhadores. Como também é prejudicial para a economia portuguesa, mediante a proliferação de um setor paralelo e informal, isento de impostos e que concorre de forma desleal com outras atividades económicas, e para os direitos dos trabalhadores em geral, sempre nivelados por baixo.

A decisão por parte da presidente da Junta de Freguesia de Arroios, no sentido da obrigatoriedade de apresentação de um título de residência válido para a emissão de um atestado de residência, merece, por isso, o nosso frontal repúdio

O edital emitido por Madalena Natividade, datado de 9 de fevereiro, não só agudiza este caminho perigoso da criminalização da imigração como se torna, efetivamente, obstaculizante para o processo de regularização dos migrantes, o usufruto dos seus direitos e o cumprimento das suas obrigações legais. 

O atestado de residência, um documento meramente administrativo que faz o que o nome o propõe - atestar que determinada pessoa reside em determinado local - tem sido usado desde há muito para intrincar a teia burocrática a que as pessoas migrantes estão sujeitas, dando azo à discricionariedade e desigualdade de tratamento. Este documento, que é emitido pelas Juntas de Freguesia, é exigido para coisas tão essenciais como a obtenção de uma autorização de residência, a inscrição no Serviço Nacional de Saúde, na Escola ou até nas Finanças.

Por essa razão, a lei estipula que as Juntas de Freguesia podem pedir para emitir o atestado recorrendo a um qualquer documento de identificação, como é o caso do passaporte, e um comprovativo de morada, que pode pela lei ir desde um recibo de renda ou contas, ao testemunho de duas pessoas recenseadas na freguesia ou até uma declaração de honra da própria pessoa que requer o documento.

Ora, até 2021 a Junta de Freguesia de Arroios, a freguesia com maior representatividade de pessoas de diferentes nacionalidades, consciente do exemplo que teria de dar por ser o órgão de poder local, mais próximo da comunidade, prestava este serviço às pessoas da sua freguesia a título gratuito e sob compromisso de honra da própria pessoa. 

Após essa data, não só o serviço passou a ter custos associados, como deu os primeiros passos para obstaculizar um direito das pessoas, retirando a declaração de honra da própria requerente do leque de possibilidades para comprovar a sua morada.

No edital agora publicado, ao ultrapassar as competências que este ato administrativo conferia às Juntas de Freguesia, fazendo-o depender de um título de residência válido, o executivo liderado por Madalena Natividade da coligação Novos Tempos do PSD-CDS, agudiza a situação e mostra as suas verdadeiras intenções de estigmatização da migração, como aliás é reforçado pelo discurso recente do ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, associando o aumento da imigração ao aumento (inexistente e já desmentido) de criminalidade.

Sendo esta uma questão administrativo-legal, sobre a qual a Provedoria de Justiça já se pronunciou anteriormente na Recomendação nº 9-A/2007, de 9 de abril, e que esclarece que para o processo de regularização e respetiva fiscalização a Junta de Freguesia “é absolutamente incompetente (...) para a prossecução destes fins, que cabem exclusivamente ao Estado”, esta é acima de tudo uma questão de dignidade e de diretos humanos, como a própria recomendação do, à data, Provedor de Justiça nos diz: “a apresentação de atestado de residência, a emitir nos moldes legalmente exigidos e acima apontados, determinará a potencial viciação dos circuitos vivenciais dos requerentes, uma vez que, ao não verem emitido, a seu favor, o atestado de residência solicitado, não dispõem de forma válida de quebrar a lógica de clandestinidade a que se encontram votados”.

Estando Madalena Natividade à frente de um serviço público de proximidade, na linha da frente do atendimento aos fregueses de Arroios, esta decisão é particularmente dramática e desastrosa. Acresce que a mesma contrasta, inclusive, com a preocupação expressada pela autarca perante as “situações de ilegalidade” com que a Junta, alegadamente, se tem confrontado. Na realidade, a sua decisão não faz mais do que condenar as pessoas migrantes a situações irregulares à face da lei, e a atirá-las para os esquemas fraudulentos que nos espoliam, e que todos queremos combater. Ou que, pelo menos, anunciamos querer combater. 

Convém também assinalar que a preocupação e homenagem à interculturalidade da Freguesia de Arroios, que os Novos Tempos do PSD-CDS não se coibiram de ostentar no passado, não pode ser usada quando a mesma não serve os interesses de todas as pessoas que aqui habitam. À hipocrisia e ao recuo nos direitos das pessoas migrantes respondemos que não aceitamos e não calamos!
Casa do Brasil
Consciência Negra
DJASS – Associação de Afrodescendentes   
Grupo Teatro do Oprimido (GTO) 
Humans before Borders (HuBB)
Kilombo - Plataforma de Intervenção Anti-racista 
Olho Vivo
Renovar a Mouraria
Solidariedade Imigrante - Associação para a defesa dos direitos dos imigrantes (SOLIM)
SOS Racismo
Vida Justa
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