Ministro de Estado da Saúde
Ministério da Saúde – Brasília/DF
Nós, ativistas do movimento social negro, de mulheres negras, lideranças de religiões de matriz africana, quilombolas, trabalhadores(as) e profissionais da saúde, estudantes e pesquisadores(as), compromissados com o enfrentamento ao racismo e promoção da equidade, vimos por meio desta reafirmar nosso compromisso com o Sistema Único de Saúde (SUS) e com a efetiva implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), instituída pela Portaria nº 992/Gabinete do Ministro do Ministério da Saúde(MS), de 13 de maio de 2009.
Esta política, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em 2006 (mais tarde transformada em aparato legal por meio do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010), é fruto de uma longa e árdua luta dos movimentos sociais negros, que desde a década de 1970 denunciam o racismo como importante determinante/determinação social da saúde, que atinge de forma desproporcional a população negra brasileira quando comparadas às demais, conforme nos dizem os diferentes estudos, pesquisas e dados oficiais deste país, inclusive produzidos pelo Ministério da Saúde.
A formulação e a implantação da PNSIPN, considerando a necessidade de resposta concreta ao nível de morbimortalidade geradas pelo racismo institucional, é resultado de uma intensa articulação entre o movimento social, entidades científicas e setores progressistas do próprio SUS. Representa, portanto, uma conquista coletiva, profundamente alinhada com os princípios do direito à saúde, da equidade e da justiça social.
A PNSIPN não é apenas uma diretriz técnica, é o reconhecimento oficial de que o racismo, em suas dimensões estruturais, compromete a saúde da população negra, adoece e mata, e por essa razão precisa ser enfrentado de forma sistêmica, estratégica e estruturante. Para tanto, sua gestão - em todos os níveis de atenção e - sob a alçada do Gabinete do Ministério da Saúde é indispensável para garantir articulação intersetorial, capilaridade nas ações e prioridade na agenda institucional do governo federal.
Tal como em outros momentos importantes da recente história desse país, em 2022, o Manifesto Nacional em Defesa do SUS, por nós conduzido - reunindo assinaturas em todo o território nacional - nos apontava que era preciso uma outra resposta institucional em meio à inexistência de ações efetivas em atenção à saúde da população negra nos três níveis de gestão, mas hoje, em 2025, o Brasil ainda carece de metas concretas em saúde para a população negra que partam das iniquidades demonstradas pelos dados desagregados por raça/cor em todas as suas esferas; de ações efetivas para o reconhecimento dos Terreiros como espaços de promoção da saúde, de atenção às comunidades quilombolas e as pessoas com Doença Falciforme e seus familiares, além do compromisso político com a mudança na gestão e continuidade da formação de profissionais e gestore(a)s do SUS para o enfrentamento ao racismo, e mais do que isso, de uma postura firme por parte deste Ministério, sendo capaz de enfim, realizar as mudanças estruturais necessárias para que o governo federal possa entregar ao povo brasileiro, uma saúde pública, digna, de qualidade e com equidade.
Nossa atuação em defesa do SUS inclui as contribuições enviadas à transição do governo, em 2022, cujo documento - oriundo do Encontro de Saúde da População Negra organizado por diferentes organizações e redes do movimento negro brasileiro com atuação no campo da saúde, ao longo da 13a edição do Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão) - indicava, por exemplo, que: a definição da estrutura institucional responsável pela PNSIPN, designação da autoridade sanitária federal que se responsabilizaria por sua gestão e inclusão de orçamento específico para a PNSIPN no PPA (Plano Plurianual), são pontos centrais para o avanço da referida política, o que foi atendido pelo Ministério da Saúde em 2023.
Tais propostas, seguiram em meio à recente Conferência Nacional Livre de Saúde da População Negra - em meio à 17a Conferência Nacional de Saúde, em maio de 2023 - que reuniu centenas de lideranças e ativistas de todo o país, em um movimento amplo de escuta, proposição e mobilização social. Tal Conferência, é mais uma demonstração viva da potência do movimento negro na formulação de políticas públicas, por isso apontou como prioridade a valorização da estrutura institucional da política.
Nesse contexto, ressaltamos o papel fundamental das lideranças do movimento social negro, e de mulheres negras, articulados em torno da defesa da PNSIPN, da equidade e do controle social, compreendendo que a invisibilidade da saúde da população negra comprometeria não apenas o legado da luta histórica dos movimentos sociais, mas também o compromisso assumido do Governo Federal com o enfrentamento ao racismo como determinação social da saúde.
A invisibilização da política compromete sua governabilidade, articulação e monitoramento, questões centrais para as quais, esse movimento tem nome qualificado - com expertise e capacidade técnica, além de perfil de diálogo com movimentos sociais, academia e gestão - a oferecer, para a gestão política das ações em âmbito ministerial.
Assim, solicitamos a Vossa Excelência:
1. Entendemos que, como apresentado na reunião com o Ministro, a direção da Política de Saúde da População Negra sob responsabilidade da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde é uma possibilidade de demonstrar a transversalidade da pauta. Entretanto, é necessário que a PNSIPN esteja de forma articulada à gestão das políticas do Ministério da Saúde, mas não coordenada no conjunto das populações vulnerabilizadas sob um guarda-chuva de diversidades. A condução da PNSIPN deve estar destacada por ser promotora da equidade racial e étnica, conforme é preconizado pelo capítulo de Saúde da Lei Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial;
2. A valorização técnica e política do cargo que conduzirá a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, de forma a ter condições reais de articulação com todas as Secretarias do MS e instâncias interfederativas, contando com equipe, orçamento e condições de trabalho que permitam o exercício dessa função;
3. O compromisso irrestrito com a pactuação de ações efetivas nos três níveis de gestão do SUS, com apoio técnico e político aos estados e municípios à implementação da política, como ocorre nos demais casos;
4. De igual forma defendemos os espaços de controle social das políticas públicas de saúde, para além dos Conselhos de Saúde - espaços de avaliação das políticas públicas de saúde em todo o sistema - pois, a sociedade atual reúne outros esforços e formatos de participação e articulação política. É fundamental que a transparência da gestão política de tais ações alcance tais espaços e avance no que se refere à escuta, avaliação e mudança de rumos quando necessários, considerando o fato de que é preciso ampliar o debate em defesa do SUS. Esse universo deve ainda considerar a importância das contribuições de Comitês Técnicos e os demais atores institucionais relacionados à condução das ações;
5. Entendemos ainda que, é fundamental avançar também no que se refere à aprovação, regulamentação e implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola.
Nessa segunda fase do Lula 03, é urgente, que questões que se colocam como desafios imediatos para o SUS, sejam também, racializadas, por meio do detalhamento em raça/cor das filas de espera e das coberturas vacinais, para que a desejada ampliação do acesso à consultas com especialistas, cirurgias e procedimentos no SUS, assim como o fortalecimento do Programa Nacional de Imunização (PNI) não ocorram de forma a ampliar iniquidades como as já vistas na redução da mortalidade materna, especialmente no que concerne ao aumento da proporção de mortes de mulheres e recém nascidos negros e indígenas, mesmo a despeito da redução geral proporcionada por políticas públicas.
Do mesmo modo, devem ser racializadas as ações da Atenção Primária e Vigilância em Saúde, usando indicadores raça/cor que apontem territórios prioritários para a revisão do quantitativo determinado na PNAB de usuários por ESF e dos indicadores relacionados a efetivação dos programas de promoção e prevenção aos agravos transmissíveis e não transmissíveis assim como nas demais prioridades do Ministério da Saúde.
Somos cidadãs e cidadãos plenos de direitos, portanto, contamos com o compromisso do Ministro da Saúde de assumir definitivamente a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, não como pauta de nicho ou identitária, mas como expressão concreta do direito à vida, à dignidade e à justiça social. O cumprimento da Lei Federal do Estatuto da Igualdade Racial passa pela garantia não só da permanência da PNSIPN em um lugar destacado, mas com visibilidade e capacidade de impactar na transformação real das condições de saúde da maioria da população brasileira.
Reforçamos que o intuito desta Carta aberta é o fortalecimento da direção da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, visando a ampliação do diálogo, na busca por medidas efetivas que corrijam as desigualdades e iniquidades que marcam a história da população negra na busca por saúde, e do apagamento, igualmente histórico, das necessidades específicas de saúde dessa parcela da população, para alcançarmos de fato, a universalidade e a equidade no SUS.
Assinam essa carta as organizações e pessoas abaixo listadas:
Criola - Organização de Mulheres Negras
Aliança Pró-Saúde da População Negra
Fórum Paulista de Saúde da População Negra
ACMUN - Organização de Mulheres Negras
GELEDÉS - Instituto da Mulher Negra
Instituto de Mulheres Negras Candaces
RENAFRO/Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
AMNB - Articulação de Mulheres Negras Brasileiras
MNU - Movimento Negro Unificado
CONAQ - Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
IANB - Instituto da Advocacia Negra Brasileira
Rede de Mulheres Negras de Pernambuco
Articulação Nacional de Enfermagem Negra - ANEN
Ação de Mulheres pela Equidade - AME
Rede Nacional Lai Lai Apejo