No dia 21 de janeiro de 2024, durante uma ação de retomada de uma área demarcada originalmente como parte da Reserva Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, Maria de Fátima Muniz, a Pajé Nega Pataxó Hãhãhãe, liderança espiritual e comunitária do nosso povo, foi covardemente assassinada por integrantes de um movimento denominado “Invasão Zero”. De caráter nacional, com atuação em pelo menos 12 estados, o movimento é liderado por ruralistas e políticos ligados ao agronegócio que organizam, por conta própria e de forma ilegal, ações de “reintegração de posse” em áreas ocupadas por indígenas, quilombolas e trabalhadores sem-terra, sem ordem judicial, formando um grupo paramilitar com atuação de milícia armada. Como agravante, o grupo de mais de 200 participantes do ataque que culminou com o assassinato de Nega contou com o apoio de agentes das forças de segurança pública do estado da Bahia que acompanhavam a ação e permitiram a aproximação do grupo que assassinou a pajé e alvejou seu irmão, Cacique Nailton, alvejou o Cacique Aritanan, ferindo também vários parentes, entre eles mulheres grávidas, crianças e idosos. Além de ser conivente, a PM da Bahia negou socorro imediato, deixando as lideranças feridas no local.
Em abril, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, em nota técnica, alertou que “o método empregado pelo Invasão Zero se assemelha às tentativas de “reintegração de posse” ilegais que ocorrem em diversos estados do país, com ameaças, disparos de armas de fogo, utilização do expediente criminoso de advocacia administrativa, de estruturas do Poder Público e das próprias forças de segurança pública fora das hipóteses legais, podendo culminar em lesões corporais graves e homicídio, como no caso de Nega Pataxó”[1].
Reconhecendo a gravidade da situação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado Brasileiro amplie as medidas de proteção, adotando as ações necessárias e culturalmente adequadas para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do Povo Indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe[2]. As iniciativas tomadas pelo Estado até agora não têm sido suficientes para mitigar os riscos a que estamos diariamente submetidos no território diante da escalada dos conflitos, ameaças, difamação, campanhas de desinformação, criminalização e todo tipo de ataque ao nosso povo. Em abril deste ano a relatora de direitos humanos da ONU, Mary Lawlor, veio ao Brasil em visita oficial e alertou que a questão fundiária e os conflitos decorrente da luta em defesa da terra e do território protagonizada por indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e demais povos tradicionais é central para se entender o contexto alarmante de violência e violação dos direitos humanos que acontece hoje no país: “A discriminação histórica e a desapropriação que sofreram no Brasil continuam até hoje e, por sua luta contra isso, estão sendo assassinados”[3].
Cerca de um ano depois da violência ocorrida em nosso território temos poucas respostas efetivas sobre encaminhamentos que assegurem que o homicídio da Pajé Nega e a tentativa de homicídio de nossos caciques e lideranças não caiam no esquecimento e na impunidade. Como agravante, no dia 22 de agosto de 2024, 7 meses depois do ocorrido, recebemos a notícia da soltura do jovem que assassinou nossa líder espiritual após pagamento de fiança. A simples identificação do responsável pelo assassinato não cessa o nosso pedido de Justiça: sabemos que a mão que apertou o gatilho não estava só e segue amparada pelas instituições que garantem privilégios para aqueles que seguem reproduzindo uma maneira de ser e estar no mundo que é colonialista, racista e se articula para exterminar os modos de vida das populações originárias.
Estamos aqui para fazer ecoar nosso pedido de Justiça por Nega Pataxó Hã hã hãe e por todas as lideranças dos povos da terra e do território cujas vidas foram ceifadas na luta pela Terra e pela vida. O dano que nos fizeram é irreparável, nosso povo e nossas famílias merecem respeito, justiça e responsabilização por esses crimes. Chega de impunidade em nosso país!! Queremos que os verdadeiros responsáveis por esse movimento criminoso sejam punidos. Queremos a anulação por inconstitucionalidade da Lei 14.701 e que nossos territórios sejam devidamente demarcados e reconhecidos pelo Estado brasileiro. Queremos a garantia de segurança e proteção para as lideranças que seguem com as suas vidas ameaçadas no território. Esse sangue não se derrama em vão, quando uma liderança espiritual é tombada, muitas outras se levantam! Nega é resistência, Nega é semente, e sua força vive em nós!
Não nos calaremos.
Queremos justiça para Nega!
Demarcação já!
Nega Pataxó Hã hã hãe, presente!!!
[1] NOTA
TÉCNICA PFDC nº 3/2024
[2] COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS RESOLUÇÃO 38/2024
[3] Direito
à terra é a chave para proteção de defensores de direitos humanos, aponta
Relatora da ONU