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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional,

Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

Marise Soares Diniz

O autor da obra é professor universitário no Canadá e suas pesquisas

abrangem

vários países, inclusive o Brasil, onde já realizou palestras e encontros com

professores. É conhecedor da obra de Paulo Freire, enaltecendoa

no que tange à

valorização do papel do professor como agente de mudanças, como intelectual

engajado.

As bases teóricas de Tardif são várias, vão desde os filósofos gregos aos

contemporâneos, buscando neles reflexões sobre a racionalidade. Recorre a

sociólogos, como Weber e a questão da interação social como aprendizagem;

a pesquisadores como Bourdieu, refletindo sobre os conteúdos curriculares e

sua dependência com a história de uma sociedade e o educador americano

Schön, que desenvolveu seu arcabouço teórico na formação do professor

reflexivo.

O livro de Tardif é composto de oito ensaios subdivididos em duas partes: o

saber dos professores em seu trabalho e o saber dos professores em sua

formação. Os ensaios, frutos de pesquisa de doze anos, muito dos quais

publicados anteriormente, buscam entender que saberes alicerçam o trabalho e

a formação dos professores das escolas do Ensino Fundamental e Médio.

A metodologia usada por Tardif é a pesquisa empírica realizada junto aos

professores e às questões teóricas sobre a natureza dos saberes que são

mobilizados e utilizados por estes em seu trabalho diário. Ele se baseia em

pesquisas realizadas por outros autores como Dubar, refletindo sobre o

trabalho, que não é exclusivamente transformar um objeto ou situação numa

outra coisa, mas, é também transformar a si mesmo no e pelo trabalho, idéia

que endossa a importância da aprendizagem através das experiências do

professor. Baseia se também em Gauthier sobre a importância da incorporação

das experiências dos professores nos programas de formação.

Tardif defende que o saber não se reduz, exclusiva ou principalmente, a

processos mentais, cujo suporte é a atividade cognitiva dos indivíduos, mas é

também um saber social que se manifesta nas relações complexas entre

professores e alunos.

Há que “situar o saber do professor na interface entre o individual e o social,

entre o ator e o sistema, a fim de captar a sua natureza social e individual como

um todo”

(TARDIF, 2002, p.16).

Uma das inovações do trabalho e das pesquisas de Tardif é compreender o

saber do professor como saberes que têm como objeto de trabalho seres

humanos e advém de várias instâncias: da família, da escola que o formou, da

cultura pessoal, da universidade, provêm dos pares, dos cursos da formação

continuada; é plural, heterogêneo, é temporal pois se constrói durante a vida e

o decurso da carreira, portanto, é personalizado, situado. Essa concepção da

amplitude de saberes que forma o saber do professor é fundamental para

entender a atuação de cada um no processo de trabalho coletivo desenvolvido

pela escola. Cada professor insere sua individualidade na construção do

projeto pedagógico, o que traz a diversidade de

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olhares contribuindo para a ampliação das possibilidades e construção de

outros novos saberes.

Refletindo sobre o processo de formação de professores, Tardif argumenta que

se deve levar em conta o conhecimento do trabalho dos professores, seus

saberes cotidianos. Tal postura desconstrói a idéia tradicional de que os

professores são apenas transmissores de saberes produzidos por outros

grupos. O autor convoca os educadores e os pesquisadores, o corpo docente e

a comunidade científica a unir pesquisa e ensino. Sua proposta é que a

pesquisa universitária pare de ver os professores de profissão como objetos de

pesquisa e que passem a ser considerados como sujeitos do conhecimento,

como colaboradores, como copesquisadores.

Uma postura importante para as pesquisas a serem desenvolvidas

pelas Universidades do Brasil, que possa valorizar os professores de profissão

ao mesmo tempo que promova sua formação continuada, buscando a

construção de conhecimentos e valorização de sua prática educativa; promova

um repensar de caminhos engajados na realidade, conseqüentemente, um

repensar da própria formação acadêmica.

As escolas tornamse, assim, lugares de formação, de inovação, de experiência

e de desenvolvimento profissional, mas também, lugares de pesquisa e de

reflexão crítica.

Para Tardif, o saber docente é um saber plural, oriundo da formação

profissional (o conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação

de professores); de saberes disciplinares (saberes que correspondem ao

diverso campo do conhecimento e emergem da tradição cultural); curriculares

(programas escolares) e experienciais (do trabalho cotidiano). O que exige do

professor capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto

condição para sua prática.

A expressão utilizada por Tardif, ‘mobilização de saberes’, transmite uma idéia

de movimento, de construção, de constante renovação, de valorização de

todos os saberes e não somente do cognitivo; revela a intenção da visão da

totalidade do ser professor.

Outro posicionamento importante de Tardif é de ser contra a idéia tradicional da

relação teoria e prática: o saber está somente do lado da teoria, ao passo que

a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso saber baseado,

por exemplo, em crenças, ideologias, idéias preconcebidas. O autor é contra a

idéia que o saber é produzido fora da prática e, portanto, sua relação com a

prática só pode ser uma relação de aplicação. Afirma que hoje, sabemos que

aquilo que chamamos de “teoria”, de “saber” ou de “conhecimentos” só existe

em um sistema de práticas e de atores que as produzem e as assumem. Isso

representa a afirmação da idéia de que pelo trabalho o homem modifica a si

mesmo, as suas relações e busca transformação de sua própria situação e a

do coletivo a que pertence. Uma ressalva está no ensaio três, em que Tardif

afirma que uma boa maneira de compreender a natureza do trabalho dos

professores é comparálo com o trabalho industrial e, ao faze-lo, apresenta

quadros comparativos que setorizam a explanação e não permite uma visão de

totalidade, colocando o trabalho como técnica, como atividade instrumental,

apresentando uma visão conteudística da formação, sem direção no trabalho

docente e com tarefas de acordo com o surgimento de necessidade. A indústria

avalia como medida e não se compara com o processo educativo.

Contudo, o livro de Tardif é de fundamental importância para os estudantes

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universitários dos cursos de formação de professores e pedagogos e também

recomendado para os professores de profissão, denominação do próprio autor

aos professores de Ensino Fundamental e Médio e igualmente importante para

professores universitários, como apoio para rever suas linhas de pesquisa e

atuar na formação continuada dos professores com o envolvimento e a

colaboração de atores que atuam na prática cotidiana escolar.