Educação de Jovens, Adultos e Idosos - Compromissos e Propostas
Este documento foi elaborado com o objetivo de apresentar as reivindicações dos trabalhadores da Prefeitura Municipal de Florianópolis, aprovada em Assembleia Geral do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal – SINTRASEM, no dia 18/10/2012, sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Florianópolis organizadas no âmbito da Rede Municipal de Ensino (RME) da Secretaria Municipal de Educação (SME) desta cidade.
Um documento sem pretensões de ser considerado como marco referencial teórico mas uma compreensão do processo histórico que, por mais de dez anos, vem construindo coletivamente uma proposta político-pedagógica da EJA nesta cidade. Retrata um entendimento do estágio atual da proposta e de como ela pode se reafirmar como contra-ponto e alternativa necessária-suficiente ao que vem sendo produzido, nestes dois últimos meses, pelas instâncias governamentais do município como um "Plano" para a EJA-2012, que, diga-se de passagem, foi rejeitado bravamente em sua íntegra pelo coletivo de professores em reunião próxima passada.[1]
1 Contextualizando a EJA na SME de Florianópolis
A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade da Educação Básica e é um dos eixos do que se entende e se propõe como Educação Continuada tanto em documentos internacionais e nacionais. Na legislação brasileira, a EJA, é direito subjetivo de todos aqueles que não completaram a Educação Básica, podendo qualquer cidadão e o devido Ministério Público acionar juridicamente a autoridade competente para que seja cumprido este direito.
Com base na legislação, relacionada à EJA, é dever dos governos recensear a população que não possui Educação Básica, fazer chamada pública regularmente em órgãos de comunicação de massa, ofertar curso com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, executar programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e saúde, devendo viabilizar o acesso e a permanência do trabalhador mediante ações integradas e complementares entre si.[2]
1.1 Movimento sócio-histórico: 2000 - 2011
A EJA de Florianópolis, em seu modelo atual, origina-se de um movimento que teve início em fevereiro de 2000 na gestão da professora Monica da Luz Moreira, então chefe do Departamento de Ensino da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis. Desde este ano vem se construindo um processo pedagógico tendo como um de seus pilares a pesquisa como princípio educativo. Inicialmente em dois núcleos, Centro e Rio Tavares, o processo aos poucos foi se expandindo para os demais núcleos. Deste movimento, algumas importantes transformações do fazer pedagógico foram sendo alcançadas. Pode-se citar, dentre estas: a implantação do planejamento coletivo com todos os educadores a partir da realização das horas atividades nos locais de trabalho; a priorização da organização pedagógica através de pesquisas advindas de problemáticas de interesse de grupos de estudantes em diálogo permanente com o corpo docente; a compreensão do conhecimento como intrinsicamente interrelacionado a partir de uma estrutura não hierárquica nem disciplinar; uma forma de avaliar sem a realização de provas e que privilegia o olhar para cada estudante, seu ritmo e suas realizações; um currículo sem conteúdos mínimos em que se enfatiza a ampliação e articulação de diversas dimensões do conhecimento.
O quadro docente foi sempre constituído, na sua maioria, de professores contratados em caráter temporário impondo ao grupo de profissionais uma especificidade de temporariedade e provisoriedade. Independentemente do tipo de edital de contratação a permanência dos educadores de um ano para outro manteve-se numa média em torno de 37%. Presente até o ano de 2001, a área de Educação Física foi retirada do processo e hoje se constitui em uma das políticas do município de Florianópolis que viola a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n.9394/06.
As condições de trabalho nunca foram as ideais pois sempre se encontrou muita dificuldade para que todos espaços das unidades educativas estivessem disponíveis assim como seus equipamentos. A EJA e seus sujeitos sempre receberam um tipo de consideração distinto daquele se dedica ao estudante do Ensino Fundamental e Educação Infantil. Um dos aspectos que mais configura esta situação é a ainda insuficiente e inadequada alimentação escolar que é oferecida aos estudantes em nada semelhante ao que se oferece aos demais estudantes da RME.
1.2 Papel atual da EJA no município de Florianópolis
Atualmente o município de Florianópolis, com uma população de 421.240 habitantes, registra, pelo IBGE, um contingente de aproximadamente 8.000 pessoas que não sabem ler e escrever, número este que se soma aos 11.000 eleitores que são considerados pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina como pessoas que apenas sabem, minimamente, ler e escrever. Dos dados deste mesmo Tribunal pode-se constatar que de um total aproximado de 313.000 eleitores 22,5% não possui certificação de Ensino Fundamental e 52,1% de Ensino Médio (ver gráfico a seguir).
Por estes dados, que demonstram uma demanda potencial de mais de 60.000 pessoas, e se considerando que o atendimento da RME tem conseguido realizar com êxito uma média de 500 certificações por ano, pode-se perceber que a tarefa está bem longe de se caracterizar como um processo a ser resolvido em curto espaço de tempo.[3]
Urge, portanto, sair do quadro atual em que a EJA se realiza através de poucos núcleos (treze atualmente) a partir de um quadro de profissionais majoritariamente temporário e se assumir a responsabilidade de política pública de tratar esta modalidade sem o caráter temporário que a acompanha historicamente.
No nosso entendimento a EJA deve exercer três funções: reparadora, equalizadora e qualificadora. Sem muitos detalhes, trata-se de reparar os danos que a perversa história brasileira fez ao deixar às margens da cultura escolar aqueles que contribuiram com sua força de trabalho para construir a riqueza deste país, de equalizar as oportunidades de acesso aos bens econômicos e culturais assim como de qualificar os sujeitos não apenas para o trabalho mas, necessariamente, para fazer perceber seu processo de humanização, enquanto ser social que é, como um processo de educação continuada, de educação ao longa da vida.
A EJA de Florianópolis está organizada em cursos oferecidos em dois segmentos. O I segmento atende necessidades de alfabetização inicial e alcança equivalência às séries iniciais do Ensino Fundamental. O II segmento certifica equivalentemente às séries finais do Ensino Fundamental. Tanto a matrícula como a certificação podem ser realizadas a qualquer tempo do ano letivo. Seu modelo pedagógico não seriado, nem linear, permite a inserção do novo estudante em qualquer etapa do processo.
2 Propostas emergentes
As propostas decorrem do que está apresentado no documento intitulado “Estrutura, Funcionamento, Fundamentação e Prática na Educação de Jovens e Adultos EJA - 2008” [4], também conhecido como “Caderno do Professor”, documento este que, desde o ano 2006, vem sendo produzido a partir das experiências adquiridas no processo e distribuído a todos os professores.
2.1 Princípios político-pedagógicos
A Educação de Jovens e Adultos da rede municipal de ensino de Florianópolis tem como objetivo geral mediar ações educativas, reunindo cidadãos em contínua transformação, em um ambiente de respeito e fraternidade, em prol da construção coletiva de um mundo justo para todos.
A proposta político-pedagógica tem como princípios educativos a relação interpessoal, o aprender, o diálogo, o respeito, a solidariedade, a pesquisa, o trabalho, a autonomia, a responsabilidade, o compromisso social, a socialização do conhecimento, a politicidade, a dialética, a complexidade, as singularidades, as multiplicidades, o paradoxal, a sustentabilidade do planeta e a não fragmentação do conhecimento.
Realiza-se diariamente ações para aperfeiçoar o ler, o escrever, o ouvir, o falar, o debater e o fazer trabalhos em função dos objetivos planejados coletivamente.
Em função da analise do contexto mundial, nacional, municipal, local, dos alunos e dos profissionais, que demonstra a necessidade de formação para adaptação crítica em uma sociedade em contínua e acelerada mudança; em função do estudo dos principais autores e textos que versam sobre a Educação de Jovens e Adultos e tendo em vista a necessidade de contribuir para uma sociedade justa para todos, priorizou-se os saberes abaixo relacionados que emanam do processo de problematização da pesquisa enquanto princípio educativo. Estes saberes são considerados como os principais conteúdos orientadores de todas as atividades educativas propostas.
- Saber identificar e avaliar necessidades de conhecimento atuais buscando soluções;
- Saber identificar, avaliar, valorizar e exercer direitos e deveres como cidadão;
- Saber ler e se expressar com clareza, concisão, coerência, autonomia e fundamentação nas diversas formas de expressão humana;
- Saber formar e conduzir projetos de pesquisa individualmente ou em grupo;
- Saber analisar situações e relações da vida real com autonomia, buscando as causas e soluções de forma ampla, interligada e sustentável;
- Saber polemizar e teorizar verbalmente e por escrito;
- Saber cooperar, participar de uma atividade coletiva e compartilhar liderança;
- Saber construir e estimular organizações do tipo democrático;
- Saber conviver criticamente com regras, questioná-las e elaborá-las;
- Saber buscar e receber criticamente os meios de comunicação;
Em síntese, procura-se promover com os alunos um ambiente em que eles sejam sempre estimulados a pensar na vida e na realidade; a formular perguntas; a saber pesquisar; a ouvir; a falar; a debater; a produzir sempre; a ter iniciativa; a trabalhar em grupo, a escrever a partir de seus próprios pensamentos; a socializar o que aprendeu; a sentir-se também responsável pelo seu presente e futuro.
Decidiu-se optar pela proposta político-pedagógica tendo a pesquisa como princípio educativo como o eixo principal das atividades, por ela proporcionar o desenvolvimento cotidiano da grande maioria, senão a totalidade, dos objetivos, princípios e saberes citados. Estas pesquisas originam-se a partir de perguntas / problemáticas do interesse e necessidade dos alunos em diálogo permente com o coletivo dos professores. Suas etapas estarão descritas e exemplificadas em um texto complementar. Isto não significa que todo o trabalho da EJA se resuma na orientação de pesquisas. O planejamento coletivo realizado pelo núcleo duas vezes semanalmente deverá propor intervenções, visando a aprendizagem significativa dos alunos, a partir de diversas estratégias diferentes tais como: oficinas, palestras por professores e pela comunidade, cursos, confraternizações, saídas pedagógicas, estudos dirigidos, atividades esportivas etc.
A avaliação é feita para a melhoria de todo o processo educacional. Isto quer dizer que ela é processual, permanente, dialógica e registrada de várias formas todos os dias. As análises são realizadas para que o trabalho seja sempre o melhor possível.
Avaliam-se os trabalhos apresentados nos diários individuais; nos portfólios individuais; nos cadernos pessoais; nos cadernos de assessoramento das pesquisas; nos cadernos de turma; nas produções textuais das aulas e dos projetos; nas socializações parciais e finais dos trabalhos, nos pareceres descritivos dos professores, nas auto-avaliações, nas atas das assembléias deliberativas, nas reuniões e encontros pedagógicos; durante os assessoramentos dos professores nos pequenos grupos de pesquisa, nas oficinas e em outros diversos instrumentos de avaliação criados conforme os interesses e necessidades do núcleo.
A intervenção dos professores nesta avaliação é fundamental para a reorientação e o redimensionamento do processo. Os professores procuram perceber as dificuldades e ajudar efetivamente na superação delas, seja com orientações individuais ou em grupo, seja com palestras para a toda a classe.
2.2 Nossas reivindicações sobre as Diretrizes de Estrutura, Funcionamento e P.P.P
O debate sobre Projeto Político Pedagógico não pode deixar à margem as discussões sobre a estrutura e funcionamento da EJA pois as questões são interrelacionadas. Assim entende-se que há necessidade de tempo necessário para a implantação de reformas nesta modalidade.
- O respeito à identidade da EJA enquanto Educação Continuada e não como setor vinculado ao Ensino Fundamental;
- A promoção do acesso e permanência com qualidade para a demanda potencial por EJA no município com a obrigatória chamada pública na mídia no mínimo, semestralmente como rege o Plano Municipal de Educação em vigor;
- A composição de um quadro de professores efetivos para diminuir substancialmente o seu caráter de provisoriedade e temporariedade;
- A realização de planejamento da EJA com todos os profissionais que nela atuam em uma condição de efetiva participação que se configura através de tempo amplo o suficiente para a realização de análise, discussão com profundidade em núcleos e no grande grupo;
- O atendimento dos sujeitos da EJA através de programas de alimentação e transportes escolares adequados às suas necessidades enquanto trabalhadores, além de outros programas que se façam necessários para diminuir o efeito, sobre a permanência escolar, do impacto das adversas condições sociais (econômicas, trabalho formal-informal etc), que caracterizam a maioria dos seus trabalhadores-estudantes estudantes-trabalhadores ;
- A melhoria das condições de trabalho nos núcleos através de atenção aos quesitos de segurança do ambiente (vigilância) e disponibilidade de todos espaços e equipamentos, a manutenção da carga horária mínima de trinta horas para os professores de II segmento e a fixação da atuação em, no máximo, duas localidades. Deve ser mantida as 30 horas para professor de II segmento em função da necessidade de se cumprir os 200 dias letivos e de se fazer o planejamento coletivo requerido pelo princípio pedagógico da pesquisa educativa. De outra forma, os professores com 20 horas não terão possibilidade compatibilizar as necessidades de atendimento em todas as turmas, participar do planejamento coletivo com todos os demais e ainda realizar as atividades diárias do processo como, por exemplo, responder aos diários individuais dos estudantes. Sendo que, pela possibilidade concreta de ter que trabalhar em mais de uma localidade, o cumprimento de todas as funções docentes, na perspectiva proposta da pesquisa, se torna completamente inviável fisicamente;
- Aumento para 30 horas também para os professores de I segmento pois estes não têm tempo para se reunirem nem com seus pares nem com os professores do núcleo. Em função disto o I segmento tem ficado sempre com uma debilidade estrutural de planejamento coletivo irreparável;
- Deve haver, no mínimo, dois auxiliares de ensino por núcleo;
- Deve ter professores de todas as áreas do conhecimento, inclusive Educação Física (retirada desde 2001 e obrigatória pela LDB - art. 26 parágrafo 3º desde dezembro de 2003 - Lei 10.793/03);
- Criação de 5 Unidades Educativas de EJA, regionalizadas;
- Garantia da lotação dos professores e especialistas em assuntos educacionais nas Unidades de Educativas de EJA;
- Alimentação adequada ao jovem, adulto e idoso trabalhador;
- Eleições diretas para diretores de EJA, acabando com a figura do coordenador;
- Concurso público para EJA para o início do ano de 2012. No período de 2006 a 2009, dos 289 professores que trabalharam na EJA de Florianópolis apenas 1,7% eram efetivos. Ou seja 98,3% contratados em caráter temporário de onze meses.(nenhum da área de educação física). A média anual de retorno dos professores que atuaram no ano anterior é de 36,9%. Portanto, praticamente dois terços não retornam à EJA no ano seguinte e isto tem se repetido anualmente conforme nossa pesquisa;
- A necessária articulação da EJA de Florianópolis com os movimentos sociais para planejamento e realização de seus objetivos.
2.4 Proposta de cronograma para elaboração do P.P.P.
O debate sobre PPP não pode deixar à margem as discussões sobre a estrutura e funcionamento da EJA, pois as questões são interrelacionadas. Assim entende-se que há necessidade de tempo necessário para a implantação de reformas nesta modalidade.
20/10 a 25/10 - Formação específica para todos educadores dos núcleos para reelaboração de um documento P.P.P. para a EJA-2012;
27/10 a 10/11 - Reuniões de Planejamento dos núcleos voltadas para reelaboração do documento P.P.P. para a EJA-2012;
14/11 a 21/11 - Reuniões de coordenadores de nucleos e DEJA: compartilhar e analisar os resultados das reuniões dos núcleo e propor alterações;
22/11 a 01/12 - Reuniões conjunta de todos os educadores da EJA para apreciação, sistematização, aprovação do documento P.P.P. para a EJA-2012.
[1] Para conhecimento dos documentos colocados em discussão pelo Departamento de Educação Continuada ver no site da SME: http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/educa/index.php?cms=educacao+de+jovens+e+adultos+++eja&menu=9
[2] Para aprofundamento das questões legais sugere-se a leitura do texto da professora, mestre e doutoranda Neura Maria Weber Maron disponível em: http://uncme-pr.blogspot.com/2011/10/o-atendimento-da-demanda-de-eja-em.html?spref=fb . Um outra referência essencial é o Plano Municipal de Educação de Florianópolis em vigor com Diretrizes e Metas muito pertinentes e atuais. Disponível em http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/16_09_2010_9.28.18.8290f2b42afcefc446de3761c17366e1.pdf
[3] Dados para elaboração do gráfico foram acessados em 08 de setembro de 2011 no site do TRE-SC. Disponível em
[4] O texto relativo aos princípios educativos que se segue foram extraídos do documento “Estrutura, Funcionamento, Fundamentação e Prática na Educação de Jovens e Adultos EJA - 2008” disponível em: http://fejafloripa.org.br/caderno_do_professor_2009.pdf