Aprendizagem e Desenvolvimento: O que vem primeiro?
MARIA APPARECIDA MAMEDE‐NEVES
O objetivo principal deste pequeno texto é analisar a contribuição de alguns autores interessados na articulação entre os conceitos de desenvolvimento e aprendizagem. Deste modo, tem o compromisso de trazer, da forma mais didática possível, algumas reflexões sobre a contribuição que alguns desses autores já realizaram (1).
Os teóricos em apreço são Piaget e Vygotsky, considerados, talvez, os estudiosos que mais têm influenciado, hoje, o campo pedagógico. É bom lembrarmos que ambos são estruturalistas construtivistas; ambos, preocupados com a construção do conhecimento por parte do sujeito.
Sem sombra de dúvida, no mundo atual e especificamente no Brasil, a matriz de pensamento estruturalista tem‐se destacado como a mais adequada à revisão crítica do ato de aprender/ensinar, firmemente marcado, até década de 80, pela influência da corrente elementarista behavorista, que foi responsável pela grande ênfase dada ao condicionamento e no campo pedagógico, à tecnologia de ensino Instrução programada. A partir dessa época, surge a primazia das correntes estruturalistas e, dentre elas, inegavelmente, o construtivismo ganhou um lugar de destaque.
É sempre bom lembrar que o construtivismo não é uma teoria de ensino; é uma matriz específica de pensamento científico, na qual se sustenta a tese de que a teoria do conhecimento deve lidar com o que é essencial no conhecimento para que o sujeito adquira uma real experiência e não com a oposição entre a realidade e o conhecimento. Para a teoria construtivista, o conhecimento é ativamente construído pelo sujeito cognoscente e não passivamente recebido por ele do meio ambiente.
Dentre os autores que adotam essa posição, tanto Piaget como Vygostsky são considerados fundamentais em suas colocações, para a compreensão das relações entre aprendizagem e desenvolvimento. É certo que, para a eficiência no quotidiano escolar, as contribuições de ambos, convenientemente articuladas, são essenciais. Portanto, vale a pena (re) pensá‐las.
Em primeiro lugar, é sempre bom relembrar que ambos os autores são teóricos de desenvolvimento e não formularam nenhuma teoria de aprendizagem. Piaget foi um epistemólogo, preocupado com a gênese e o desenvolvimento humano e, por conseqüência, pela gênese do conhecimento. Quanto a Vygotsky, ele é um autor que teve sua obra escrita no início do século XX, mas que, desde o final de século XX, vem recebendo uma re‐leitura e se impõe no cenário das discussões sobre desenvolvimento‐ aprendizagem e ensino‐aprendizagem.
Para Piaget, o aprendente é o autor de seu conhecimento e ninguém poderá fazer isto por ele, mas, ainda segundo ele, é a aprendizagem que depende do desenvolvimento, ou seja, ela vai depender do nível de desenvolvimento em que o sujeito se encontra. A atividade do ser humano, os exercícios que lhe são oferecidos, a problematização de situações, enfim, todos esses fatores são considerados por Piaget de extrema importância para quem está aprendendo e, certamente, contribuem decisivamente para o desenvolvimento das estruturas mentais; entretanto, não têm o poder de estabelecê‐las, sem levar em conta as condições prévias do sujeito.
É certo que Piaget coloca uma grande ênfase na atividade do sujeito, mas, segundo ele, é a partir dos mecanismos epistêmicos de como pensa que ele pode formular e reformular as idéias que o mundo adulto lhe oferece (2).
Não negando a condição do sujeito como construtor ativo de sua aprendizagem, Vygotsky, entretanto, põe no centro de suas formulações teóricas o como a cultura se faz subjetiva no aprendente, admitindo ser isso somente possível pela intermediação do adulto. Para ele, grande parte do conhecimento da escola não pode ser aprendida pelo sujeito sem ajuda de um docente que lhe oferece a oportunidade de lidar com os signos, procedimentos e valores, que são da ordem do social e que transcendem e preexistem a ambos. Na visão de Vygotsky, o que move o sujeito a constituir subjetivamente o mundo real são os elementos da cultura. Todavia, falta clarificação quanto à maneira como esses sujeitos se apropriam dos instrumentos para conhecer o mundo, e isto Piaget fez.
Pensamos, ainda, que é possível afirmar‐se que, para ambos os autores, a escola não é um lugar onde o desenvolvimento se produz espontaneamente.
Concordamos com Lino de Macedo (3) quando afirma que Piaget deu uma grande contribuição ao “fazer escolar” a partir do momento que ele analisou as relações entre a aprendizagem strictu sensu e aprendizagem latu sensu, ou seja, no primeiro caso,
aprender procedimentos particulares como, por exemplo, uma conduta social ou de um procedimento de aritmética, e, no segundo, aprender, dominar o esquema operatório que subjaz em qualquer um desses procedimentos. À escola interessa esses dois tipos de aprendizagem; tanto aquela que é específica de um determinado campo do conhecimento, quanto aquela que é da ordem do geral como, por exemplo, do aprender a pensar, classificar, organizar, relacionar.
Vygotsky (4), por seu turno, aponta, com bastante clareza, para o fato de que não podemos falar de um só conceito de desenvolvimento humano, mas sim de diferentes tipos de desenvolvimento. Assim sendo, quando formula Zona de Desenvolvimento Proximal (5), ele enfatiza a diferença entre o desenvolvimento que está sujeito às leis biológicas da maturação (que são o resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados) e o desenvolvimento mental, que tem como base exatamente a aprendizagem que a criança realiza no cotidiano de sua vida, portanto, construído da relação da criança com o contexto social. Nesse ponto, é essencial a importância que Vygotstky dá aos mediadores do conhecimento, sejam eles pessoas adultas ou companheiros de mesma idade. E, como conseqüência, a escola e, dentro dela, a figura do professor, são elementos privilegiados para a construção do conhecimento.
Para Vygotsky, e pensamos que, pelo menos em parte, para Piaget também, o professor não se restringe a ser somente um facilitador do desenvolvimento das estruturas operatórias; ele é responsável pela transmissão da cultura e mediador social para a sua apropriação, por parte dos alunos. Portanto, na sala de aula, é preciso não só despertar‐ lhes o desejo de aprender, senão também transmitir‐lhes o saber, pelo qual ele, professor, é o responsável.
É imprescindível que os professores sintam a necessidade de buscar meios de compreender o que se passa na sala de aula, os procedimentos das crianças, as concepções que elas têm, para terem condições de planejar e propor problemas ou desafios adequados e pertinentes. Conhecer nossos alunos torna‐se, portanto, fundamental para a didática atual. É somente através desse conhecimento que o professor pode ajudar seus alunos a construírem seus conhecimentos, atuando na Zona de Desenvolvimento Proximal “onde o aluno tem conhecimentos frágeis, mas já
presentes e implícitos” 6
E, em relação à questão que deu ensejo ao artigo, é claro que ambos os autores têm razão; se estamos falando de desenvolvimento maturacional, parece que ele é ponto de partida para a aprendizagem; se estamos falando de outras formas de desenvolvimento, fica muito evidente que a aprendizagem é mola mestra para o desenvolvimento do ser humano. Notas
(1) Os textos que serviram de base para esta reflexão foram: Desenvolvimento e aprendizagem, retirado do capítulo 14 da obra de Lino de Macedo. Ensaios construtivistas, São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994 e Interação entre aprendizado e desenvolvimento, capítulo 6 da obra de Vygotsky. A formação social da mente, São Paulo: Martins Fontes, 1988.
(2) MACEDO, L. ‐ Ensaios construtivistas, São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994, p. 131‐
135.
(3) MACEDO, L. ‐ Ensaios construtivistas, São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994, p. 131‐
135.
(4) Vygotsky, l. S. ‐ A formação social da mente, São Paulo: Martins Fontes, 1988. (5) Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de
desenvolvimento real, que se costuma determinar através de solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de solução de problemas sob a direção de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Vygotsky, L. S., 1998, p. 97.
(6) Vygotsky, l. S. ‐ A formação social da mente, São Paulo: Martins Fontes, 1988.