MÉDICOS FORMADOS PELA UFC EM 1971
1. Recordo bem do contentamento de nosso pai e de toda a família, quando você foi aprovado entre os primeiros lugares no vestibular da Universidade Federal do Ceará Como você descreve a sua chegada na Faculdade de Medicina, após o exame vestibular?
Paulo: No início do ano letivo de 1966, selecionados pelo exame vestibular da Universidade Federal do Ceará (UFC) de dezembro de 65, estávamos reunidos em um auditório da Faculdade de Medicina para a aula inaugural de nosso curso de graduação. Éramos cem alunos, em maior parte nascidos no Ceará, jovens e com a predominância numérica do gênero masculino. Começávamos ali a dar os primeiros passos de um projeto comum que nos conduziria à profissão médica.
2. Comumente, as turmas de Medicina da UFC recebem o nome de uma personalidade médica, em evidência à época da formatura (e.g. Christian Barnard), ou prestam homenagem a um docente da própria faculdade, a quem os colegas mais se identificaram, em especial por sua dedicação ao ensino (e.g. José Carlos Ribeiro, Dalgimar Beserra de Meneses, Haroldo Juaçaba). Como ocorreu a escolha da homenagem a Andreas Vesalius, na sua turma?
Paulo: Em nossos tempos iniciais na Faculdade, escolhemos os representantes da turma para as várias cadeiras do primeiro ano e, obviamente, o nome pelo qual a nossa turma seria turma designada. Por aclamação, foi escolhido o nome de Andreas Vesalius, o médico belga que é considerado o “pai da anatomia moderna”. Vesalius foi o autor do "De Humani Corporis Fabrica", um atlas de anatomia publicado em 1543. Sobre a escolha de seu nome para a designação da turma, aparentemente pesou a circunstância de ser a Anatomia, dentre as cadeiras do primeiro ano, a que mais nos empolgava. E Andreas Vesalius foi, sem dúvida, merecedor de nossa homenagem.
3. Quando ingressei na UFC, em 1972, a famigerada Reforma Universitária fora implantada, introduzindo-se o regime semestral e substituindo-se a denominação das cadeiras por disciplinas, dentre outras mudanças. Quais foram as suas primeiras cadeiras no seu curso médico?
Paulo: A propósito das cadeiras, além da Anatomia, estudaríamos ao longo do primeiro ano: Histologia e Embriologia, Bioquímica e Estatística; e, durante o segundo ano: Fisiologia, Psicologia, Bioquímica II, Biofísica e Medicina Preventiva. Eram todas essas cadeiras anuais.
4. Ao entrar na UFC, estávamos sob o tacão militar, e a Reforma Universitária, fora uma experiência pioneira, para servir de modelo a outras universidades públicas, concebida no bojo do Acordo Mec-Usaid, e, segundo os seus críticos, ela visava a desestruturar as turmas, quebrando a solidariedade entre os alunos, com a introdução do sistema de créditos e da oferta de muitas disciplinas optativas, encerrando o regime seriado e fechando os diretórios acadêmicos. Você, que entrou antes da reforma citada, como era a convivência do alunado no seu tempo?
Paulo: A partir do terceiro ano letivo, e prolongando-se a situação até o quinto ano, a nossa turma foi dividida por ordem alfabética em duas subturmas. Uma divisão que se fazia para atender ao caráter semestral das cadeiras (que passariam a ser trocadas, entre os dois grupos, no meio de cada ano). Bem, não há como negar que essa partição, imposta pela configuração da grade curricular, não tenha de algum modo afetado o grau de convivência entre nós.
5. Após um inusitado e malogrado Ciclo Básico que cumpri na UFC, e realizado fora do campus do Porangabuçu, foi que pude estudar as disciplinas básicas da medicina, como anatomia, histologia etc., e daí seguir para um ciclo clínico repleto de disciplinas optativas. No seu caso, o que você cursou depois das cadeiras básicas?
Paulo: Foram muitas as cadeiras por que passamos na Faculdade. Na terceira série: Clínica Médica I, Psiquiatria I, Anatomia e Fisiologia Patológicas, Parasitologia, Microbiologia e Imunologia, Medicina Preventiva, Farmacologia e Terapêutica Experimental. Na quarta série: Clínica Médica II, Dermatologia, Doenças Infecciosas e Parasitárias, Clínica Radiológica, Psiquiatria II, Cirurgia Geral I, Otorrinolaringologia, Oftalmologia e Puericultura. Na quinta série: Cirurgia Geral II, Urologia, Traumatologia e Ortopedia, Medicina Legal e Deontologia, Organização e Administração de Saúde, Clínica Médica III, Neurologia, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia.
6. Depois dessas cadeiras, naturalmente, veio o Internato, não foi? Quando fiz o meu Internato, em 1977, tínhamos que escolher entre o Hospital Universitário Walter Cantídio, e dois outros hospitais públicos (Hospital Geral de Fortaleza e Hospital Geral Dr. César Cals). A sua turma também já tinha essas opções?
Paulo: Sim. Em 1971, as duas subturmas foram reagrupadas e, a seguir, divididas em três subturmas. Para que cumpríssemos o ano de internato, o qual se estendeu de janeiro a dezembro, nas vagas de estágios disponibilizadas por três instituições: Hospital das Clínicas (com a Maternidade Escola Assis Chateaubriand), Hospital Geral de Fortaleza e Hospital Geral Dr. César Cals.
7. Noto que você falou Hospital das Clínicas, e não Hospital Universitário Walter Cantídio. Essa denominação, em franco desrespeito à lei vigente, que proibia a denominação de pessoas vivas às instituições e prédios públicos, foi aprovada pela UFC nos meus tempos de acadêmico. Como funcionava o Internato, à época da sua conclusão do curso?
Paulo: Neste último ano de Faculdade, não fazíamos mais provas parciais de conhecimento nem trabalhos individuais; recebíamos conceitos. Conforme o desempenho que apresentávamos em estágios por quatro setores: Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Clínica Pediátrica e Clínica Obstétrica. Cabia a cada interno escolher a clínica de sua preferência, na qual passaria um período de seis meses, ficando reservado o tempo restante do internato para os estágios de dois meses nas outras três clínicas. A mais, havia a nos atazanar, com suas palestras e visitas a instituições, a extemporânea cadeira de Estudos de Problemas Brasileiros (Moral e Cívica): uma imposição do regime autoritário do país à Universidade.
8. O Internato de 1977 era muito semelhante ao seu; também durava um ano, com a diferença da destinação de um mês para o estágio rural (o Crutac), incrustado no estágio de maior duração. Estudos de Problemas Brasileiros, uma invenção do regime militar brasileiro, com intenção doutrinária, era uma disciplina obrigatória feita antes do Internato. A minha turma original passou por sérios problemas, como a Reforma Universitária, o Ciclo Básico sob concorrência, o excesso de transferidos, a dificuldade em obter os créditos etc. que levaram a ter muitas perdas, ao longo dos seis anos de trajetória escolar. E quanto à sua turma? A Andreas Vesalius, você diria que ela passou incólume a tais vicissitudes.
Paulo: Creio que não tanto quanto à sua turma, Marcelo. Ao longo de nossa graduação, tivemos perdas de alguns colegas. Nenhuma delas, felizmente, por infortúnio que ceifasse vida. Foram colegas que deixaram a turma por motivos particulares, transferência e insuficiência no rendimento acadêmico. Um destes colegas, registre-se aqui, foi o nosso queridíssimo colega Francisco das Chagas Dias Monteiro, o Chico Passeata, que teve de interromper o curso por perseguição ideológica. Em contrapartida, outros colegas se juntaram a nós por transferência, reabertura de matrícula e repetição de ano acadêmico.
9. A minha turma de origem foi a do vestibular de janeiro de 1972, com a oferta de noventa vagas; porém, a opção por Medicina, obtida no exame vestibular, teria que ser avalizada no Ciclo Básico, na dependência do rendimento escolar, e vários colegas não lograram escores suficientes para se manter no curso de primeira escolha. O represamento de muitos alunos transferidos de outras escolas médicas, brasileiras e portuguesas, ajudou a completar a balbúrdia. De sorte que, por esses e outros motivos, a coorte de ingresso em 1972, da Medicina da UFC, ficou bem diferente da coorte de egressos de 1977.
Paulo: De fato, não enfrentamos tantos dissabores. Feitas as contas de saída, somamos 96 formandos em nossa colação de grau a 18 de dezembro de 1971. Os ínclitos professores João Barbosa Pires de Paula Pessoa e Raimundo Porfírio Sampaio Neto foram respectivamente o patrono e o paraninfo da Turma Andreas Vesalius, a 19ª turma de medicina da Universidade Federal do Ceará - a nossa turma!
9. Por fim, decorridos quarenta anos, um número tão cabalístico, que mensagem você daria agora aos seus colegas da Turma Andreas Vesalius?
Paulo: De nossa formatura até os dias atuais, já se vão 40 anos. Quatro décadas no exercício da difícil arte de aliviar e curar! Vários colegas nossos já partiram (estão encantados, no poético dizer de Guimarães Rosa). E, ao evocarmo-los, dá-se que somos assolados por um imenso sentimento de saudade. Não, não há como retornamos às passadas águas do rio de Heráclito. Continuemos, pois, a honrá-los com nosso trabalho e durante nossas vidas.
Entrevista conduzida por Marcelo Gurgel Carlos da Silva
A TURMA ANDREAS VESALIUS
ADRIANA COSTA E FORTI
ALINE MARIA BARBOSA CAVALCANTE
ANA MARIA DE ANDRADE LIRA
ANTENOR FERNANDES MENDES
ANTÔNIO ANGLADA CASANOVAS
ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES PORTELA
ANTÔNIO NEWTON SOARES TIMBÓ
ANTÔNIO VIEIRA DE ARAÚJO
ARTHUR PEREIRA E SILVA
ARTUR WAGNER VASCONCELOS NERY
ARY SILVÉRIO REIS DE SOUZA
CARLOS ALBERTO SOARES
CARLOS MAURÍCIO DE CASTRO COSTA
CECÍLIA BRAGA DE AZEVEDO
CÉSAR AUGUSTO DE LIMA E FORTI
CLÓVIS RODRIGUES VIANA FILHO
DIANA DE SÁ PEREIRA BARREIRA
EDSON MENEZES DA NÓBREGA
ELEONORA PIRES DE ALMEIDA
ELENITA MARIA PINHEIRO DA FONSECA
EMANUEL PONTE FROTA NEVES
ERCÍLIO GUIMARÃES DO NASCIMENTO
FERNANDO ANTÔNIO DA ROCHA CARVALHO
FRANCISCO AFRÂNIO GOMES PEREIRA
FRANCISCO ÁLVARO DE ANDRADE NETO
FRANCISCO DE ASSIS BRANDÃO MEIRELES
FRANCISCO DE ASSIS MARTINS
FRANCISCO DE ASSIS NEGREIROS COLARES
FRANCISCO DANIEL NETO
FRANCISCO JOSÉ BATISTA DA SILVA
FRANCISCO SISVILAN MORAIS COIMBRA
FRANCISCO VALDENOR BARBOSA
FREDERICO AUGUSTO DE LIMA E SILVA
GETÚLIO NUNES DO RÊGO
HAROLDO HEITOR RIBEIRO
HUGO LOPES DE MENDONÇA JÚNIOR
IMEUDA MARIA DE ALMEIDA CARVALHO
JORGE WASHINGTON REBOUÇAS CHAGAS
JOSÉ GILBERT ANGELIM DA ROCHA
JOSÉ HILDEBRANDO GUEDES MONTENEGRO
JOSÉ JOAQUIM OLIVEIRA MONTE
JOSÉ LEITE GONDIM CAVALCANTE
JOSÉ LUIZ DA PAZ
JOSÉ LUSTOSA ELVAS PARENTE
JOSÉ MARIA DE VASCONCELOS
JOSÉ NILO DOURADO
JOSÉ PEREIRA DOS SANTOS
JOSÉ ROCÉLIO DE LIMA
JOSÉ ROOSEVELT NORÕES LUNA
JOSÉ TARCÍSIO DINIZ
JOSÉ TOCANTINS VIANA
JOSÉ VILEIMAR GONÇALVES
JOSÉ WILSON ROCHA
JUCIONOU COELHO E SILVA
LÚCIA MARIA ALCÂNTARA DE ALBUQUERQUE
LUCIANO ALVES FAÇANHA
LUIZ ARNALDO RODRIGUES DOS SANTOS
MARIA ALICE PESSOA DE MAGALHÃES
MARIA AUXILIADORA BEZERRA
MARIA CÉLIA CIARLINI TEIXEIRA
MARIA DE FÁTIMA VASCONCELOS SOUZA
MARIA JOSÉ SALES CALADO
MARIA LENI DO MONTE
MARIA LERY SOARES
MARIA REGINA SARAIVA TEIXEIRA
MARIA DO SOCORRO BEZERRA BARBOSA
MARIA DO SOCORRO TÁVORA SOARES
MARIA TEREZA DE MELO CERQUEIRA
MARIA DO SOCORRO MADEIRO COUTO
MÁRIO MAMEDE FILHO
MAURA MARIA ARAÚJO BEZERRA
MAUREEN SCHWARTZ
MELKON FERMANIAN
MIGUEL NILTON DE OLIVEIRA
NELSON JOSÉ CUNHA
NEUSA DE MELO FERREIRA DOS SANTOS
NILCE DE MATOS NUNES
NOELMA PESSOA DE MAGALHÃES
NÚBIA MARTINS (DE SOUSA TORRES)
OTAVIANO BENEVIDES DE ALENCAR ARARIPE
OTONI CARDOSO DO VALE
PAULO CID TORRES DA SILVA
PAULO GURGEL CARLOS DA SILVA
RAIMUNDA MARGARETE DE OLIVEIRA FICHERA
RAIMUNDO OZILDO ROCHA DE ARAGÃO
RAIMUNDO PEREIRA DE QUEIROZ FILHO
REGINA ALICE FREIRE COUTINHO
ROBERTO BARRETO MARQUES
ROBERTO BRUNO FILHO
ROBERTO MISICI
SHEILA ROLIM FIGUEIREDO
SILVIO ROBERTO AGUIAR DO NASCIMENTO
SÔNIA MARIA CARNEIRO DE MESQUITA LÔBO
VERA LÚCIA BENEVIDES LEITE
VILANI OLIVEIRA SIQUEIRA
ZÉLIA OLIVEIRA RODRIGUES
Martins, JM. FACULDADE DE MEDICINA DA UFC - Professores e Médicos Graduados. EDIÇÃO DO CINQUENTENÁRIO. Imprensa Universitária da UFC. 3: 18 - 34, 2000.