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VERA ANDRADE CRIMINOLOGIA CRITICA HOMENAGEM A ALESSANDRO BARATTA.pdf
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FRAGMENTOS DE UMA GRANDIOSA NARRATIVA – HOMENAGEM

AO PEREGRINO DO HUMANISMO ALESSANDRO BARATTA

“¿Es quimera pensar en una sociedad que reconcilie al poema y al acto, que sea palabra viva y palabra vivida, creación de la comunidad y comunidad creadora?”

Los signos en rotación. Octávio Paz

1.1 A UNIDADE E A COERÊNCIA HOMEM-OBRA

Nenhuma iniciativa me pareceu tão oportuna, no atual estágio

civilizatório e acadêmico, quanto a presente homenagem a Alessandro

Baratta: muitas vozes nela se reconhecerão.1

As razões são cumulativas. Primeiro, e indubitavelmente, pela

significação de sua obra e pela importância ímpar de seu contributo

1 Este artigo começou a ser escrito quando Alessandro Baratta estava vivo, para publicação em uma obra que, por minha iniciativa, organizei no Brasil em sua homenagem. Entretanto, concluído após sua morte, em maio de 2002, foi publicado como homenagem póstuma e com pequenas alterações internas, com os títulos e nas obras que seguem: (1) Fragmentos de uma grandiosa narrativa: homenagem ao peregrino do Humanismo (Alessandro Baratta). In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. (Org.) Verso e reverso do controle penal: (des)aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis, Boiteux, 2002. v. 1. p. 197-216; (2) Fragmentos de uma grandiosa narrativa: homenagem ao andarilho do humanismo. Il Diritto e la differenza – scritti in onore di Alessandro Baratta a cura di Raffaele De Giorgi. Lecce, Multimedia, 2003. v. II. p. 33-54; (3) Fragmentos de uma grandiosa narrativa: homenagem ao peregrino do Humanismo, Alessandro Baratta. In: SANCHEZ RÚBIO, David; HERRERA FLORES, Joaquim; CARVALHO, Salo de. (Coords.). Direitos humanos e globalização: fundamentos e possibilidades desde a teoria crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 555-579. Foi objeto, ainda, das seguintes resenhas, de minha autoria: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Verso e reverso do Controle Penal: (des)aprisionando a sociedade da cultura punitiva [Resenha]. Revista Seqüência. Florianópolis, Fundação Boiteux n. 44, p. 201-203, julho 2002; ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Verso e reverso do Controle Penal: (des)aprisionando a sociedade da cultura punitiva [Resenha]. Revista Discursos Sediciosos. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia/Revan, n. 12, p. 411-412, 2o sem. 2002.



científico e militante para as Ciências Sociais e Humanas no Ocidente,

em particular, para a história das Ciências Criminais, com seu

protagonismo cosmopolita, na construção da Criminologia crítica e na

revisão disciplinar da Dogmática penal e da Política criminal que, desde

o interior daquela, está a se desenvolver, em um processo com

riquíssimas consequências epistemológicas, sociais e políticas.

Segundo, e de modo especial, pela singularidade do homem. Além de

sua notável e notória excelência intelectual e criadora, Alessandro

Baratta foi um ser humano verdadeiro, simples, afetivo, solidário, ético

e, desta forma, profundamente comprometido com os outros, sejam

povos ou pessoas, próximos ou anônimos. Derradeiramente, porque em

sua obra há uma radical coerência entre teoria e prática, entre discurso

e vivência, entre “palavra viva” e “palavra vivida”, e o vigor desta práxis

não é outro senão o vigor da unidade homem-obra: o vigor de uma

totalidade em movimento, coerentemente, nos espaços privado e público

da vida, no cotidiano da casa e da rua, no mundo da vida e no mundo

do sistema. E, nesse viçoso ethos de totalidade, encontro o ancoradouro

para a escritura do poeta que, talvez pela fecunda simplicidade, tenha

conquistado, entre outros, a sua preferência.

Eis os motivos pelos quais, perante a homenagem proposta,

encontro-me polarizada entre a honra e a angústia da responsabilidade:

como homenagear Alessandro Baratta nos estritos limites escriturais de

um artigo? Como expressar essa unidade incomum sem incidir em

lugares-comuns? Mas como não tentar expressá-la, recusando o signo

do que deve constituir precisamente o centro da minha homenagem? E

como metabolizar a angústia de tal responsabilidade?

Uma vez optando por um escrito que se compromete a trazer

essa totalidade incomum para o centro, a premissa indeclinável foi a da

impossibilidade: impossibilidade de capturá-la integralmente, em

qualquer síntese objetivada, por mais iluminada ou fidedigna que

pretendesse ser, pois esta é uma tarefa que somente a história pode

realizar.



Esse, portanto, é o primeiro e necessário reconhecimento dos

limites escriturais de um artigo, capaz de, a um só tempo, evitar o

lugar-comum e fazer metabolizar a angústia. Daí a opção por,

mantendo o foco na unidade homem-obra, continuar tecendo esta

homenagem com o fio do fragmento, ainda que de fragmentos

retratados pela seletividade de uma lupa, pois é precisamente no

instante fotográfico que o fragmento, paradoxalmente, é capaz de se

eternizar.

1.2 CIRCUNSCREVENDO A TRAVESSIA CRIMINOLÓGICA:

CONTRIBUTO CIENTÍFICO E MILITANTE

A obra teórica de Alessandro Baratta se desenvolveu em um

universo disciplinar complexo e fecundo que, incluindo desde a História

e a Ética, a Teoria e a Economia política, centra-se na Filosofia, na

Ciência (Dogmática) e na Sociologia do direito e do Direito penal, e

especialmente na Criminologia e na Política criminal.

Nessa direção, ilustrativamente, seguiram seu bacharelado e

seu doutoramento em Filosofia do direito, pela Universidade “La

Sapienza” de Roma, seu magistério nas cátedras de Filosofia do direito,

Doutrina do Estado e Direito constitucional, na Universidade de

Camerino, ainda na Itália. Desde 1971, sua docência em Sociologia do

direito e Filosofia social, na Universidade de Saarland, em Saarbrücken,

e direção do Instituto de Filosofia Jurídica e Social, na mesma

universidade, na República Federal da Alemanha.

Meu olhar pretende, doravante, circunscrever e retratar

fragmentos de sua travessia criminológica, cujos aportes teóricos

extraiu da Filosofia (valendo lembrar sua tese de doutoramento sobre

Gustav Radbruch) e da Sociologia. Essa base jusfilosófica e sociológica

marcará o criminólogo Alessandro Baratta, então protagonista, desde a



década de 1970, da construção de uma Criminologia crítica, concebida

como uma Sociologia do Direito penal, cujo significado convém precisar.

É sabido como a mudança do paradigma etiológico para o

paradigma da reação ou controle social (ou da definição), dinamizada

sobretudo pela introdução do labelling approach (sob a influência do

interacionismo simbólico e da etnometodologia) na Sociologia norte-

americana do desvio e do controle social - e considerada uma revolução

de paradigmas2 - condicionou o terreno para o surgimento da

Criminologia crítica, em duplo sentido: (a) da inovação representada

pelo novo paradigma em face do velho e pelos seus resultados, e (b) das

suas limitações.

A Criminologia crítica se desenvolverá, pois, na esteira da

Criminologia radical e da nova Criminologia3, por dentro do paradigma

da reação social e, para além dele, partindo tanto do reconhecimento da

irreversibilidade dos seus resultados sobre a operacionalidade do

2 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia jurídico-penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997. p. 210-211; BARATTA, Alessandro. Criminología y dogmática penal: pasado y futuro del modelo integral de la ciencia penal. In: PUIG, Santiago Mir et al. (Org.). Política criminal y reforma del derecho penal. Bogotá: Themis, 1982. p. 28-63. O autor e a literatura especializada em geral reconhecem que estamos diante de um verdadeiro salto qualitativo - uma revolução de paradigmas no sentido kuhneano -, consubstanciado na passagem de um paradigma baseado na investigação das causas da criminalidade, que caracterizou o estatuto da Criminologia desde o século XIX como um paradigma baseado na investigação das condições da criminalização (reação social formal e informal). O objeto se desloca, portanto, da pessoa do criminoso e seu meio para a estrutura, a operacionalidade e as funções do sistema penal, passando a ocupar um lugar cada vez mais central no interior do objeto da investigação criminológica. 3 MUNÕZ, Gonzalez Luiz. La criminologia "radical", la "nueva" y la criminologia "critica": matizaciones y precisiones en torno a sus nombres. Eguskilore. San Sebastian, n. 2, p. 267-282, 1989. A chamada Criminologia radical, que teve como contextos geográfico e histórico de referência os Estados Unidos da América, desenvolveu-se, sobretudo a partir da Escola de Criminologia de Berkeley (com os Schwendinger e Tony Platt), na Califórnia, entre os anos de 1968 e 1976. Criou a sua organização, a Union of Radical Criminologists (URC), fundada em 1972, e a Revista “Crime and Social Justice”, fundada em 1974, subtitulada, até 1976, como “A Journal of Radical Criminology”. A chamada nova Criminologia se organizou, por sua vez, na Inglaterra, em torno da National Deviance of Conference (NDC), fundada em 1968, e encabeçada por Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young, autores do já clássico The new criminology: for a social theory of deviance, de 1973.



sistema penal quanto de suas limitações analíticas macrossociológicas e

mesmo causais.4

Nessa perspectiva, se a utilização do paradigma da reação

social é uma condição necessária, não é condição suficiente para

qualificar como crítica uma Criminologia. É que, nas palavras de

Alessandro Baratta5:

Sobre a base do novo paradigma, a investigação criminológica tem a tendência a deslocar-se das causas do comportamento criminoso para as condições a partir das quais, em uma sociedade dada, as etiquetas de criminalidade e o status de criminoso são atribuídos a certos comportamentos e a certos sujeitos, assim como para o funcionamento da reação social informal e institucional (processo de criminalização). Mesmo em sua estrutura mais elementar, o novo paradigma implica uma análise do processo de definição e de reação social, que se estende à distribuição deste poder e aos conflitos de interesses que estão na origem deste processo. Quando, junto à ‘dimensão da definição’, a ‘dimensão do poder’ aparece suficientemente desenvolvida na construção de uma teoria, estamos na presença do mínimo denominador comum de toda esta perspectiva que podemos ordenar sob a denominação de ‘Criminologia crítica’.

Numerosos são os aportes teóricos recebidos pela

Criminologia crítica que, indo por dentro do paradigma da reação social

e para além dele, desenvolve a dimensão do poder - considerada

deficitária no labelling – em uma perspectiva materialista, certamente

não ortodoxa, cujo nível de abstração macrossociológica mostra as

relações de propriedade e de poder em que se estrutura conflitivamente

a sociedade capitalista.

Inicialmente caracterizada, na obra de Alessandro Baratta,

como uma “teoria materialista do desvio, dos comportamentos

socialmente negativos e da criminalização”, a Criminologia crítica foi

4 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 214 et seq. 5 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia jurídico-penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997. p. 211.



concebida, desde o início, como uma construção processual.6 Tanto é

assim que, não obstante ter passado a se ocupar fundamentalmente da

análise dos sistemas penais vigentes, que vieram a ocupar um lugar

cada vez mais central no interior do objeto da investigação

criminológica7, a delimitação do seu objeto de investigação foi uma

preocupação constante e continuamente revisada na obra do

criminólogo, seja na “dimensão da definição” e na “dimensão do poder”

(relativas à criminalização), seja na “dimensão comportamental”

(relativa aos comportamentos socialmente negativos), sendo ambos os

conceitos, criminalização e comportamentos, socialmente negativos,

introduzidos desde o paradigma da reação social e da própria

Criminologia crítica, em superação paradigmática ao conceito de

criminalidade da Criminologia etiológica e seus pressupostos

epistemológicos positivistas e deterministas.8

1.3 BASE VITAL E DIMENSIONAMENTO IDEOLÓGICO: HUMANISMO

EMANCIPATÓRIO

É de fundamental importância compreender o contributo de

Alessandro Baratta para a história da Criminologia crítica, como uma

contribuição simultaneamente científica e militante. Pois não se trata

unicamente de coparticipar de uma nova teorização criminológica, mas

sim de um processo de comunicação social que contém, em si, uma

expressiva dimensão pedagógica, seja pelo humanismo que lhe serve de

base e condiciona, seja pelo modo inteiramente novo de fazer

6 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia jurídico-penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997. p. 208. 7 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia jurídico-penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997. 8 BARATTA, Alessandro. Defesa dos direitos humanos e política criminal. Revista Discursos Sediciosos. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia/Revan, n. 3, p. 57-69, 1997. p. 60-63.



Criminologia e das rupturas-diferenciações que por meio dela se

instauram no saber e no tecido social.

Quem dialoga com a obra de Alessandro Baratta conhece

tanto o seu vigor epistemológico e analítico, quanto suas preocupações

emancipatórias. E é a parceria destes aspectos que faz dela uma

presença decisiva para a Criminologia crítica.

Com efeito, penso que para compreender aquela militância

científica, o caminho mais fidedigno é constatar, antes de mais nada,

que o grande e permanente objeto da Criminologia crítica, na obra de

Baratta, é o homem, e a emancipação humana, o projeto e o processo

utópicos perseguidos. Essa foi, pois, a base ideológica que lhe permitiu

caracterizar a Criminologia crítica como “um programa de defesa dos

direitos humanos, em contraste com as posições conservadoras

dedicadas à legitimação do status quo.9

Mas o homem deve aqui ser entendido como referencial e

sentido porque, evitando a tríplice atitude de tomá-lo como coisa

(coisificando-o), abstração (universalizando-o) ou dado (imutável), é

assumido em sua subjetividade, contextualização e devir. O homem é o

ser humano de um tempo e lugar, e tem história. É o homem concreto,

material e existencialmente situado e ressituado na dinâmica das

relações humanas e sociais. Tanto é assim que, na obra de Baratta, o

próprio sentido do sujeito está a se redefinir, holisticamente, na trama

da vida e dos reencontros das unidades separadas (em classe, gênero,

raça etc.) pela violência socioepistemicida da modernidade.

Em seus primeiros escritos criminológicos, vinculados tanto à

delimitação epistemológica do objeto e alcance da Criminologia crítica

quanto a de uma política criminal alternativa, vê-se a ênfase na relação

homem-classe.10 A classe social aparece como unidade analítica central

9 BARATTA, Alessandro. No está en crisis la criminologia crítica. In: MARTINEZ, Maurício (Org.). Que pasa en la criminologia moderna. Bogotá: Themis, 1990. p. 98. 10 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e política penal alternativa. Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro, Forense, n. 23 p. 7-21, 1978; BARATTA, Alessandro. Observaciones sobre las funciones de la cárcel en la producción de las relaciones sociales de desigualdad. Nuevo Foro Penal. Bogotá, Themis, n. 15, p. 737-749, 1983; BARATTA, Alessandro. Sobre a Criminologia crítica e sua função na política criminal. Documentação e Direito Comparado [Relatório apresentado no IX Congresso



e a emancipação como um processo centrado na luta das classes

subalternas, no sistema social e penal (política criminal alternativa).

Nos escritos subsequentes, mantendo a perspectiva anterior e

já no âmbito de uma teoria do direito penal mínimo, do garantismo e da

construção alternativa dos problemas e dos conflitos sociais

(alternativas à política criminal)11, as relações homem-conflito e

homem-povos-direitos-desenvolvimento humanos assumem especial

relevância, sem todavia excluir aquela, que continua operando.

Enfim, nos escritos que alçam o diálogo com a chamada

Criminologia feminista12, a dimensão homem-mulher-gênero na

natureza é problematizada e trazida, cumulativamente com as demais,

Internacional de Criminologia. Viena, setembro 1983]. Boletim do Ministério da Justiça. Lisboa, n. 13, p. 145-166, 1983, separata; BARATTA, Alessandro. Problemas sociales y percepción de la criminalidad. Revista del Colegio de Abogados penalistas del Valle. Revista del Colegio de Abogados penalistas del Valle. Cali, n, 9, p. 17-32, 1984; BARATTA, Alessandro. Por una teoria materialista de la criminalidad y del control social. Estudios penales y criminológicos. Santiago de Compostela, n. 11, p. 15- 68, 1989; BARATTA, Alessandro. Resocialización o control social. Por un concepto crítico de reintegración social del condenado. In: ARAÚJO JUNIOR, João Marcello de. (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 251-265; BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito penal: introdução à sociologia jurídico-penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997. 11 BARATTA, Alessandro. Estado de derecho, derechos fundamentales y "derecho judicial". Revista de Ciência Juridica. San Jose, Universidad de Costa Rita, n. 57, p. 119-134, 1987; BARATTA, Alessandro. El Estado de derecho. Historia del concepto y problemática actual. Sistema. Madrid, Fundación Fondo Social Universitario, n. 17-18, p.11-23, 1987; BARATTA, Alessandro. Principios del derecho penal minimo. Para una teoria de los derechos humanos como objeto y limite de la ley penal. Doctrina Penal. Buenos Aires, n. 40, p. 447-457, 1987; BARATTA, Alessandro. Proceso penal y realidad en la imputación de la responsabilidad penal. La vida y el laboratorio del Derecho. Revista General de Derecho. Valencia, Colegio Universitario San Pablo, n. 531, p. 6.655-6.673, 1988; BARATTA, Alessandro. Funciones instrumentales y simbolicas del derecho penal. una discusión en la perspectiva de la Criminologia crítica. Revista Hispanoamericana. Barcelona, PPU, n. 1, p. 37-55, 1991; BARATTA, Alessandro. Direitos humanos entre a violência estrutural e a violência institucional. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre, Sérgio Fabris Editor, n. 2, p.44-61, 1993; BARATTA, Alessandro. Democracia, Dogmática Penal e Criminologia. [Palestra proferida no II Encontro Internacional de Direito Alternativo]. Florianópolis, SC, setembro 1993; BARATTA, Alessandro. Defesa dos Direitos Humanos e Política Criminal. Revista Discursos Sediciosos. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia/Revan, n. 3, p. 57-69, 1997. 12 BARATTA, Alessandro. O paradigma do gênero: da questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmen Hein de. (Coord.). Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. p. 18-80.



para o centro da emancipação humana. Como explica Alessandro

Baratta13:

A identidade andrógina de feminino e masculino não é [...] uma consequência, mas uma condição ideológica da superação de todas as outras separações, a começar pela superação entre público e privado. Esta poderá constituir uma unidade superior à identidade de gênero somente se, na sua concreção, realizar-se uma unidade de qualidade e capacidade humanas diversas daquelas definidas na dependência de processos de dominação e de exclusão. O andrógino não é apenas feminino e masculino, mas também branco e de cor, criança e adulto. A androginia é a liberação, a sinergia e a harmonia de todas as forças e capacidades que possam contribuir para o desenvolvimento humano em cada comunidade local, em cada cidade e região do mundo. Se a androginia é a condição ideológica de um projeto global de emancipação, a condição material é a transformação da estrutura econômica, a superação da separação entre público e privado nos relacionamentos de produção, de política e economia, de propriedade privada e propriedade social dos meios de produção, de mercado e política. A condição é a realização de um modelo de desenvolvimento econômico que não contraste com o desenvolvimento humano, mas, diversamente, que seja ao mesmo tempo o motor e o resultado deste. Neste modelo, a finalidade do desenvolvimento econômico é a satisfação das necessidades e, portanto, a promoção das capacidades de todos os seres humanos no que tange ao respeito pela natureza e à harmonia com a mesma.

A atitude de tomar o homem como objeto sem coisificá-lo, na

obra de Baratta, deve-se ainda a uma atitude de dialetização

responsável, antes de ruptura asséptica, entre sujeito e objeto de

conhecimento, a revelar o compromisso do sujeito de conhecimento,

particularmente do cientista social, como ator político engajado no

processo de transformação social.

O homem aparece não apenas como o sujeito que fala, na

relação de exterioridade face ao objeto, mas como sujeito que se inclui

no lugar do(s) sujeito(s) de quem se fala, sem pretender subtrair-lhes a

voz. E não se trata de mera tolerância para com a diversidade do outro,

encarado como um estrangeiro em relação a um eu ou a um nós. Trata-

13 BARATTA, Alessandro. O paradigma do gênero: da questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmen Hein de (Coord.). Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999, p. 68-69.



se de um respeito e de uma inclusão que o conduz a assumir a ótica do

outro antes de constrangê-lo à ótica (privilegiada) do enunciador.

Em seu escrito, originariamente denominado “O Estado

mestiço e a cidadania plural”, Baratta14 culmina por teorizar,

relativamente ao Estado e à cidadania, essa atitude inclusiva como base

de um novo pacto social não excludente, como foi o pacto da

modernidade eurocêntrica.

Todavia, para além da ultrapassagem do mito da objetividade

e da neutralidade científicas pelo reconhecimento do caráter interessado

do conhecimento, do que aqui se trata é da ultrapassagem do interesse

pelo compromisso (com o outro) e, em um sentido último, do

compromisso pelo amor. A afetividade faz então um caminho metódico,

uma forma de caminhar que produz a intersecção, não convencional,

entre o imperativo da razão e a sensibilidade da emoção e da paixão.

Razão e paixão reunificadas. “Razão e paixão: os pares de conceitos

relativos às capacidades humanas separadas no curso da construção

social dos gêneros poderiam vir todos agrupados nesta única

polarização".15

Estamos diante de um humanismo emancipatório que opera

como força centrípeda da teoria e da ação; como força dinamizadora da

práxis. E parece ser unicamente a partir desse reconhecimento que o

contributo científico e militante de Alessandro Baratta adquire sua

significação plena.

1.4 CONSTRUÇÃO SEM COLONIZADORES

14 BARATTA, Alessandro. Ética e pós-modernidade. In: KOSOVSKI, Ester (Coord.). Ética na comunicação. Rio de Janeiro: Mauad, 1995. p. 113-131. 15 BARATTA, Alessandro. O paradigma do gênero: da questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmen Hein de (Coord.). Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999. p. 69.