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JUCELINO NA TERRA DO POMBO REI
José Sávio de Oliveira
A quadra de esportes onde Jucelino estava era sempre muito concorrida. Além das aulas de educação física, era também o ponto de encontro da garotada durante os recreios da escola. No horário de entrada das aulas, era lá que se fazia a acolhida dos alunos, onde após fazer a fila sob a orientação de seus professores, eram direcionados a sala de aula.
Acontece que nessa quadra além do encontro dos alunos, era também um local de encontro de muitas pombas que lá faziam seus ninhos, chocavam seus ovos, cuidavam dos filhotes e sujavam o chão com os constantes cocos que caiam lá das alturas.
Na verdade, a vida daquelas pombas não era fácil pois, além da rede colocada para dificultar sua entrada, o que não resolvia muito já que entravam mesmo assim e ficavam presas morrendo de fome e sede, tinha ainda alguns gatos que moravam nos bueiros da escola e adoravam transformar as pombas em alimento para sua sobrevivência.
Um dia Jucelino estava na fila esperando o momento de entrar para sua sala quando uma daquelas sujeiras caiu com toda velocidade e esparramou sobre seu ombro.
A reação dele foi a princípio de esbravejar e com certeza degolaria aquela pomba se fosse possível, mas passando aquele momento de nervoso e de um certo constrangimento, foi ao banheiro fazer uma higiene tentando amenizar a situação.
No banheiro ele pensou:- Não é possível, com tanta gente, foi cair em mim. Gostaria de pegar essa pomba danada.
Nesse momento, uma pomba pousou na janela do banheiro e ao vê-la, ele disse: - Sai daqui pomba chata, não sei se foi você, mas uma de vocês me sujou, saia antes que penso que foi você e te jogo para os gatos.
Para sua surpresa a pomba disse-lhe – você teria coragem de me matar, tirar uma vida só por causa de uma sujeirinha de nada?
- Então foi você? Espere aí, você falou comigo? E o pior, eu também estou falando com você. Só posso estar ficando louco ou sonhando, onde já se viu, uma pomba falar. Vamos saia daqui antes que eu te pego e te estrangulo.
- Calma Jucelino, primeiro sei que não teria coragem de me fazer mal, não se apavore, devo e peço desculpas. Como eu poderia te pedir desculpas sem falar?
- Isso não existe, pomba não fala e se entrar alguém aqui e me ouvir falando com você vai pensar que estou ficando biruta.
- Você não está biruta e nem sonhando. É tudo real, basta acreditar.
- Mas não posso acreditar – disse Jucelino.
- Jucelino, peço desculpas a você, mas na verdade foi de propósito.
- Você me sujou de propósito? E ainda confessa? Mas por que fez isso?
- Para chamar a sua atenção. Eu precisava falar com você e não tive outro jeito. Caramba e que pontaria que eu tenho!
- Mas porque chamar minha atenção? Nunca fiz mal a vocês – Quis saber Jucelino.
- Por isso que preciso falar com você – disse a pomba.
- O que você quer de mim?
- Vou te explicar. Embora sou uma pomba aparentemente como as outras, venho de um lugar diferente, posso dizer, de outro mundo.
- De outro mundo? perguntou Jucelino. Que mundo é esse?
- Estou aqui para ajudar as irmãs pombas deste mundo, mas infelizmente sei que sozinha nada poderei fazer, por isso preciso de sua ajuda – Falou a pomba.
- Como posso ajudar? Perguntou ele.
- Primeiro preciso saber se está disposto a nos ajudar.
- Tudo bem, se eu puder, ajudo – Falou Jucelino.
- Bem, só que para isso você precisa conhecer o meu mundo – Disse a pomba.
- Conhecer seu mundo? Como poderia fazer isso? – Perguntou ele.
- Vou te levar até lá, é preciso que feche os olhos – disse a pomba.
- O que vai acontecer se eu fechar os olhos – Disse ele apreensivo.
- Apenas te levarei para o mundo maravilhoso das pombas que falam – Disse a pomba.
Jucelino após refletir um pouco resolveu fechar seus olhos e passando alguns segundos ouviu quando a pomba pediu para que abrisse os olhos.
Jucelino então abriu os olhos e não conseguiu acreditar no que via. Estava num lugar diferente onde tudo era colorido, a natureza ali era realmente maravilhosa, árvores enormes, imensas colinas e florestas onde dominava as cores e o perfume das flores, borboletas coloridas e muitos pássaros cantavam e saltitavam por todos os galhos.
Jucelino estava perplexo e admirava toda aquela beleza, pois nunca tinha visto nada igual, até que ouviu alguém dizer: - Seja bem-vindo ao mundo do pombo-rei, Jucelino, te levaremos até nosso rei, ele deseja muito falar com você.
- Rei, que rei? – Quis saber Jucelino.
- O pombo-rei – Disse uma pomba.
- Como vamos até lá? – Perguntou ele.
- É simples – disse a pomba – senta nesta rede que está ao seu lado.
Jucelino sentou e perguntou – e agora o que faço?
- Você não terá que fazer nada além de se segurar firme e observar a natureza lá do alto. vamos segurar nas cordas que prendem a rede e voar levando você até o palácio.
- Negativo – disse ele – onde já se viu, eu sentado numa rede e um monte de pomba me levando para o alto. É claro que vocês não vão agüentar. E se a corda arrebentar, eu me esborracho no chão. Prefiro ir andando Falou Jucelino.
- Não tenha medo, nada vai te acontecer, estamos acostumadas, pode confiar, somos muitas e temos força suficiente nas asas. Vamos, senta logo que temos que ir, pois o palácio fica muito longe daqui.
- Ta bom, vou sentar.
Jucelino sentou e as pombas, uma a uma foram segurando com suas garras as cordas e de repente ele percebeu que estava já a uns cinqüenta metros do chão – caramba, estou voando – que legal, mal posso acreditar.
- Você não – disse uma pomba – nós é que estamos voando.
Em pouco tempo estavam a cem metros de altura e assim permaneceu.
Do alto, Jucelino olhava para baixo e achava tudo maravilhoso, a natureza era realmente exuberante, nunca tinha visto nada igual.
Após algum tempo de vôo, ele avistou no alto de um grande morro, o palácio. Era lindo e diferente de tudo que já tinha visto. Feito com pedras coloridas e muito brilhante e em sua volta milhares de pombas voavam fazendo acrobacias e formando imensos desenhos no ar, o que o deixava maravilhado. Era realmente uma aventura e tanto.
Assim que chegou sobre o palácio, as pombas anunciaram a descida e em poucos segundos Jucelino estava em terra firme.
Ao sair da rede, uma pomba muito colorida convidou-o para entrar no palácio e assim ele fez, subiu uma enorme escada até chegar num corredor que levou-o a uma imensa sala.
Nesta sala, havia um trono onde Jucelino viu um grande pombo branco e no seu lado direito mais cinco pombas. Do lado direito, um enorme gato angorá muito peludo e de olhos azuis; uma arara azul, um cavalo puro sangue negro, um cão de raça poodle e uma onça pintada.
Jucelino, a princípio muito surpreso pensou – embora tudo pareça real, preciso colocar na minha cabeça que nada disso está acontecendo, é apenas um sonho ou estou realmente ficando lelé da cuca.
- Aproxime-se Jucelino – Disse o rei- pombo.
Jucelino, quase que automaticamente aproximou-se e sentou numa poltrona indicada pelo rei.
- compreendo sua surpresa meu jovem, passar por essa experiência que mais parece um sonho, sei que não é fácil. Entendo também sua decepção pelo que aconteceu na quadra de sua escola, mas era a única maneira de falar com você. peço que desculpe a pomba que sujou sua roupa.
Escolhemos você porque temos a certeza que poderá nos ajudar, não foi por acaso, fizemos uma grande investigação sobre sua vida e descobrimos que além de um grande respeito e amor que possui por sua família, é também capaz de amar e respeitar outras criações de Deus como seus amigos, os animais, as plantas. Enfim, escolhemos a pessoa certa.
- Tudo bem seu rei pombo, embora está difícil de acreditar no que esteja acontecendo, preciso saber uma coisa: que tipo de ajuda vocês querem?
- Vou te explicar, mas antes é importante que saiba um pouco sobre nosso mundo. Eu comando este reino com a ajuda de vários ministros. Aqui, na verdade vivem várias famílias na mais pura harmonia. A família dos gatos, das araras, papagaios e periquitos, dos cavalos, dos cães e das onças.
Este mundo começou com as pombas, mas aos poucos fomos recebendo outras famílias que fugiam do mundo dos homens e juntos formamos uma única família. Todas estas famílias tiveram um motivo justo para buscar novas terras.
- Os gatos, por saberem que não eram considerados amigos dos homens e quase sempre desprezados, tendo então que viver fora de suas casas, sobre os telhados e muros de outras casas, pois poucos são os gatos que recebem carinho de seus donos.
- Os cães por estarem cansados de ouvir que são os melhores amigos dos homens, mas a maioria são abandonados nas ruas, desrespeitados, presos em correntes ou em canis apertados. Então seu questionamento é sempre o mesmo. Que amizade é esta?
- As araras, papagaios e periquitos, não suportavam mais a falta de alimentos em seu habitat, buscavam outros lugares para viver, mas perceberam que quanto mais próximo do homem ficavam, maior era o perigo, isso sem contar que estavam fartos dos aprisionamentos em gaiolas e viveiros.
- Os cavalos, cansados de carregar o homem, levar chibatadas, e trabalharem sem descanso até ficarem velhos , puxando carroças com lotação acima de sua capacidade física e ainda ao ficar velhos, são mandados para o frigorífico para saciar a gula de quem não tem fome.
- As onças, para fugirem dos caçadores desalmados que as matam em busca de troféus sem valor financeiro e nem moral.
- Assim eles foram descobrindo nosso mundo e hoje formamos uma sociedade não perfeita, mas harmônica, onde com a ajuda de todos, conseguimos viver em paz.
- Mas explique uma coisa rei-pombo – falou Jucelino – se aqui é tão bom, porque todas as pombas e outros animais não mudam para cá?
- Não é tão simples assim, são várias as razões. Vou falar das pombas que servirá de exemplo também para os outros animais. Você já percebeu que ao homem foi dado saber qual o caminho certo e o errado?
- É verdade – concordou Jucelino – sabemos o que é certo e o que é errado, mas nem sempre seguimos o certo.
- É isso aí, as pombas também são assim, sabem que aqui é o melhor para elas, mas muitas preferem ficar disputando um lugar entre os homens. Lá existe o que elas chamam de liberdade e não conseguem compreender que aqui também existe a liberdade, embora organizada. Aqui todos temos uma função, um trabalho a fazer, é assim que conseguimos manter o nosso mundo em harmonia.
Aqui, sabemos da importância da água pura, preservamos as plantas porque são fundamentais para nossa vida. A natureza é respeitada em todos os sentidos, o que não acontece no seu mundo, infelizmente.
As pombas que preferem ficar no seu mundo, não conseguiram ainda compreender essa coisas, mas um dia esperamos que aqui ou em seu mundo elas possam viver em paz.
- Como o homem ainda não conseguiu descobrir este lugar? – Perguntou Jucelino.
- Isso é impossível, a não ser que quiséssemos, como fizemos com você, mas mesmo assim quando voltar, não saberá como veio.
- Ainda não entendi como posso ajudar – Insistiu Jucelino.
- Você entenderá, embora vivemos em harmonia como você já sabe, nos preocupamos muito com nossos irmãos que vivem em seu mundo. A falta de conscientização dos homens em relação a natureza de forma geral é motivo para nos unirmos ainda mais e tentar ajudá-los, afinal não somos egoístas e sempre ajudamos uns aos outros.
Porém, não podemos simplesmente ir até lá e resolver os problemas, isso, considerando que muitos dos nossos animais que lá estão não querem sair, como já te expliquei e outro fator é que o problema não está nos animais e sim nos homens. São eles que precisam perceber a importância dos animais para o seu mundo e mudar sua maneira de agir. São eles que precisam de consciência, os animais precisam de proteção e respeito.
É aí que você entra nos nossos planos Jucelino, é jovem de bom coração e temos certeza que poderá nos ajudar.
- Concordo com tudo que disse – falou Jucelino – mas continuo sem entender como ajudar.
É simples, assim como já pedimos ajuda a outros tantos jovens, queremos apenas que ao voltar, passe aos seus amigos sempre que tiver oportunidade, a importância da natureza para a vida de todos, fale sobre a necessidade do homem em mudar seu comportamento em relação ao meio ambiente. Peça a seus colegas para respeitarem as pombas e também os gatos que infelizmente vivem na sua escola. Nas suas casas, que respeitem os cães, pois realmente são amigos fiéis.
Sabe, Jucelino, todas essas palavras que te disse, quando vem de um jovem como você, possuem mais efeitos do que em muitos adultos. Por isso, estamos pedindo ajuda a você. Acha difícil nos ajudar dessa forma?
- Não – disse ele – posso ajudar com certeza. É só isso que querem de mim?
- Você acha pouco? Se conseguir que uma pessoa reflita sobre o que falei, com certeza já conseguiu nos ajudar - Falou o pombo-rei.
Agora quero agradecê-lo por ter aceito nosso pedido e mais uma vez pedir desculpas pela maneira que usamos para chamar sua atenção.
- Não se preocupem, não fui o único a sentir o peso daquela meleca.
- Agora peço que feche os olhos e voltará para seu mundo e com tempo suficiente para assistir sua aula. Acho bom não dizer a ninguém sobre tudo que aconteceu porque com certeza vão zombar de você – Disse o pombo-rei, sorrindo.
- Nem pensar, ninguém ficará sabendo dessa loucura – Falou Jucelino.
E assim ele fechou os olhos e ao abrir estava no banheiro.
- Ainda bem que consegui limpar – pensou – caramba ainda bem que o professor está sabendo porque estou atrasado.
Saiu do banheiro e foi correndo para sala onde o professor o aguardava.
- Conseguiu limpar, Jucelino? Perguntou o professor.
- Sim professor, só fiquei um pouco molhado.
- Espero que não fique bravo com as pombas, afinal elas não tem culpa – Falou o professor.
- Sabe Jucelino, não sei se vai acreditar, mas uma vez eu tive um sonho muito interessante. Quando eu era jovem como você, aconteceu comigo a mesma coisa, também fui ao banheiro e bem, para encurtar a história, não me lembro como, mas fui parar num lugar chamado mundo do pombo-rei e lá você não pode imaginar...
- Professor – interrompeu Jucelino – pode parar, pode parar que não vou acreditar nesta história de pombo-rei.
Os dois começaram a rir e a aula continuou.
FIM