UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Ciências Políticas
CRESCIMENTO E QUEDA DOS HOMICÍDIOS EM SP ENTRE 1960 E 2010
Uma análise dos mecanismos da escolha homicida e
das carreiras no crime
Bruno Paes Manso
Junho de 2012
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Ciências Políticas
CRESCIMENTO E QUEDA DOS HOMICÍDIOS EM SP ENTRE 1960 E 2010
Uma análise dos mecanismos da escolha homicida e
das carreiras no crime
Bruno Paes Manso
Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Doutor
Orientador: Leandro Piquet Carneiro
Junho de 2012
AGRADECIMENTOS
Aos meus três orientadores que me ajudaram ao longo do mestrado e
doutorado na Universidade de São Paulo: professor Lúcio Kowarick, que me
orientou durante o mestrado; professor Oliveiros S. Ferreira, orientador na
primeira tentativa de concluir o doutorado, tarefa que, por motivos pessoais,
não consegui finalizar; e, principalmente, ao professor Leandro Piquet Carneiro,
atual orientador. É preciso paciência para orientar um jornalista na elaboração
de uma tese de ciências políticas, o que ele teve de sobra.
BANCA EXAMINADORA
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RESUMO
A tese descreve o processo de crescimento e de queda dos homicídios
em São Paulo entre os anos de 1960 e 2010. Com auxílio das ferramentas
teóricas da criminologia do desenvolvimento e da teoria de ação situacional,
que vem sendo debatida por criminologistas como Wikström, Sampson e Laub,
a tese foca a investigação nas escolhas homicidas ao longo desses anos,
sempre considerando o contexto em que foram tomadas.
Por meio de uma análise qualitativa, a tese tenta demonstrar os
mecanismos sociais que causaram o movimento da curva de homicídios na
capital e Região Metropolitana de São Paulo. Entre 1960 e 1999, os homicídios
cresceram e os casos se concentraram em bairros e cidades das periferias. A
partir de 2000, os homicídios começaram a cair quase ininterruptamente em
São Paulo. A tese descreve como essas escolhas começam e se multplicam
principalmente a partir do momento em que os homicídios passam a ser vistos
e praticados como um instrumento de controle por determinados grupos de
indivíduos, inclusive pelas autoridades de segurança pública.
Depois, a tese descreve o funcionamento do mecanismo multiplicador
dos homicídios que passa a funcionar nessas comunidades, onde homicídios
provocam novos homicídios.
Finalmente, conforme os homicídios se multiplicam, nessas mesmas
comunidades, todos passam a perder, inclusive os próprios autores, que se
tornam vítimas de vinganças. Quando os homicídios são vistos como ações
prejudiciais e incapazes de garantir o controle social, políticas de controle da
violência têm maiores chances de serem bem-sucedidas. É o que ocorre em
São Paulo.
Palavras-chave: Homicídio; Violência; Vingança; Círculo vicioso; Carreira
criminal.
ABSTRACT
This thesis describes the process of growth and decline of homicide in
São Paulo between 1960 and 2010. With assistance of the theoretical tools of
developmental criminology and situational theory of action, which has been
debated by criminologists as Wikström, Sampson and Laub, the thesis focuses
on the choices of murderous over the years, always considering the context in
which they were taken.
Through a qualitative analysis, the thesis attempts to demonstrate the
social mechanisms that caused the movement of the curve of homicides in the
São Paulo capital and the metropolitan area. Between 1960 and 1999,
homicides increased and the cases were concentrated in neighborhoods and
cities from the suburbs. Since 2000, the homicide rate began to fall almost
continuously in Sao Paulo. The thesis describes how these choices start and
multplicam mainly from the time the murders began to be seen and practiced as
an instrument of control by certain groups of individuals, including the public
security authorities.
Then, the thesis describes the operation of the multiplier mechanism of
homicides that starts to work in these communities, where homicides cause
new murders.
Finally, as the murders multiply, these same communities, all start to lose
with the murders, including the authors themselves, who become victims of
revenge. When the killings are seen as harmful actions and unable to ensure
social control, political and society control of violence are more likely to
succeed. This is what happens in Sao Paulo.
Keywords: Homicide; Violence; Revenge; Vicious circle; Criminal career
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1: TEORIA DO CRESCIMENTO E QUEDA DOS HOMICÍDIOS.... 5
1.1) A definição de crime – uma teoria geral.................................................. 6
1.1.2) Teoria da ação situacional.......................................................... 8
1.2) A teoria da ação situacional e os homicídios....................................... 11
1.2.1) Homicídios.................................................................................. 12
1.2.1.1) O significado do homicídio......................................... 14
1.2.1.2) A mudança no significado do homicídio em São
Paulo........................................................................................... 16
1.3) O começo do crescimento dos homicídios – a nova escolha
assassina em São Paulo................................................................................ 17
1.4) A disseminação dos homicídios – círculo vicioso e a engrenagem da
violência........................................................................................................... 22
1.5) O aumento da propensão individual ao homicídio...............................27
1.6) A diminuição dos homicídios................................................................. 30
1.6.1) Instituições de segurança e políticas penitenciárias..............34
1.6.2) PCC não é causa, mas consequência.......................................37
CAPÍTULO 2: MÉTODO E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................ 40
2.1) Análise longitudinal e qualitativa...........................................................44
2.2) Revisão bibliográfica – explicações sobre violência............................49
2.2.1) Explicações sobre a queda – causas distantes e imediatas..58
CAPÍTULO 3: HOMICÍDIOS ENDÊMICOS E EPIDÊMICOS EM SÃO PAULO E
NO BRASIL...................................................................................................... 66
3.1) Homicídios em São Paulo na primeira metade do século – antes da
epidemia.......................................................................................................... 68
3.2) Os números da epidemia e características dos homicídios................74
3.2.1) A concentração territorial dos homicídios...............................77
3.2.2) Concentração humana...............................................................80
3.2.3) A intenção de matar.........................................................84
3.2.4) Meios e procedimentos para a prática dos homicídios..........85
3.2.5) Perfil dos agressores..................................................................88
3.2.6) Motivos dos homicídios...................................................91
CAPÍTULO 4: A LÓGICA DO EXTERMÍNIO – ESQUADRÃO DA MORTE E A
PARTICIPAÇÃO DAS POLÍCIAS...................................................................101
4.1) O começo dos homicídios – o Esquadrão da Morte e a moral do
extermínio......................................................................................................110
4.1.1) A carreira criminal descontrole individual e institucional dos
homicídios...........................................................................................120
4.2) Policiais militares – homicídios nos territórios...................................126
4.2.1) A carreira do policial matador.................................................134
CAPÍTULO 5: OS HOMICÍDIOS COMO MEIO DE CONTROLE – OS
JUSTICEIROS, O UNIVERSO CRIMINAL (OU MUNDO DO CRIME) E AS
ENGRENAGENS DA VIOLÊNCIA..................................................................150
5.1) O contexto e a carreira dos justiceiros................................................157
5.1.1) O fim do justiceiro e a ampliação da atividade criminal.......172
5.2) Círculos viciosos....................................................................................179
5.2.1) Os círculos de vingança e o primeiro homicídio como ponto
de inflexão.........................................................................................189
5.3) Estrutura do crime em São Paulo.........................................................218
5.3.1) Crack, desordem e as chacinas...............................................226
CAPÍTULO 6: A DIMINUIÇÃO DOS HOMICÍDIOS EM SÃO PAULO............236
6.1) A transformação das instituições e do contexto................................241
6.1.1) Mudanças no mundo do crime: arma em casa e futuro na
prisão.................................................................................................244
6.2 )Transformação na moral dos indivíduos.............................................252
6.3) Primeiro Comando da Capital...............................................................259
6.4) Por que a queda ocorreu nos anos 2000..............................................265
CONCLUSÃO..................................................................................................269
BIBLIOGRAFIA...............................................................................................277
INTRODUÇÃO
Nas últimas cinco décadas, a Região Metropolitana de São Paulo
(RMSP) intercalou períodos de crescimento e queda nas taxas de homicídios.
O aumento nas taxas de homicídios, iniciado nos anos 1960, acelerou seu
ritmo de crescimento em meados dos anos 1970 até chegar ao ápice em 1999;
desde então, na última década, teve início o movimento de queda acentuada
que se manteve até 2010 (GAWRYSZEWSKI; MELLO JORGE, 2000;
WAISELFISZ, 2011; PERES et al., 2011). O trabalho pretende descrever os
mecanismos sociais que causaram esse movimento na curva de homicídios em
São Paulo explicando, primeiro, a rápida disseminação das escolhas homicidas
e, depois, a retração e a diminuição dessas escolhas. Para alcançar esse
objetivo, a tese parte de uma abordagem qualitativa, na qual são observadas
as escolhas homicidas e a trajetória das carreiras criminais dos indivíduos que
praticaram homicídios em diferentes períodos da violência na RMSP. Esse
enfoque permite analisar a visão de mundo dos homicidas no período e
contexto em que essas decisões foram tomadas. A tese busca ligar, portanto,
os indivíduos ao contexto da ação para compreender o processo de percepção
e de escolha daqueles que praticaram homicídios em São Paulo, esforço que
remonta aos estudos de Shaw e MacKay (1931), da escola de sociologia
urbana de Chicago, sobre delinquência juvenil e suas relações com o território.
O trabalho parte do postulado de que todas as ações dependem de quais
alternativas uma pessoa percebe no contexto em que vive e de quais escolhas
elas fazem (WIKSTRÖM, 2009a: 83). Se a correlação entre as características
do contexto das comunidades e o nível de crimes é bem documentada na
criminologia, o mecanismo social que liga os aspectos do contexto das
comunidades aos atos do agressor ainda é pouco compreendido (SAMPSON;
WIKSTRÖM, 2003: 120).
Para facilitar a compreensão do processo ocorrido na RMSP entre as
décadas de 1960 até 2010, a tese vai dividir as transformações em três fases:
a primeira é marcada pelo começo da ascensão da violência, principalmente
nas periferias da RMSP. Nesse período, é possível observar mudanças