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O caminho do rio Três Barras
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O caminho do rio Três Barras - Parte 1

texto originalmente escrito em setembro de 2001 - henry Henkels

 

Figura 1 - Mapa do traçado do Caminho dos Ambrosios

Com o aparecimento das vilas litorâneas no sul do Brasil no século XVIII e o desenvolvimento de de algumas atividades econômicas nesses núcleos é facilmente inteligível a aspiração por parte das lideranças dessas povoações estabelecer contatos com o planalto interior e o norte da colônia, onde estava o mercado consumidor, representado pelas ricas minas: Geraes e de Cuiabá. Em 1729, quando o caminho pelo interior, o chamado mais tarde ‘Caminho de Viamão’, que levava à vila de Curitiba partindo do sul, havia apenas sido recém concluído, assinalou-se na Câmara de São Francisco que:

 

... o Capitão Candido Joaquim de Sant'ana, morador da Fazenda Três Barras, ofereceo para dispor, ordenar e administrar o caminho que se devia abrir do Porto de Cima para Coritiba, de modo voluntario e sem estipendio. Pedio a abertura de contribuição voluntária de todas as gentes da villa para esse caminho, demonstrando imnumeras vantagens que de sua abertura viria para a esta villa, vindo animaes serra-baixo carregados...

 

O historiador Carlos Costa Pereira assinala que essa via de comunicação terrestre era uma das maiores preocupações da população de São Francisco. Achavam que ela muito poderia contribuir para o progresso da vila. Afirma que constantes consertos ali se faziam, inutilmente.

Pelo teor do documento acima, compilado pelo ilustríssimo historiador citado, podemos vislumbrar a hipótese que o caminho já existia anteriormente a essa data, mas que carecia de constantes manutenções. A alusão a ‘abrir’ pode significar ‘reabrir’ ou proceder a manutenções necessárias para que o caminho voltasse a ser trafegável.  Carlos Costa Pereira continua sua assertiva notando que entretanto:

 

....só três anos depois do oferecimento do capitão Sant'ana é que foi efetivamente aberta a contribuição voluntária para o ‘conserto’ da estrada. O presidente da Câmara Manoel Gomes Rittes, contribuiu com 25$000; os demais membros, com 2$000; o secretário, major Joaquim José de Oliveira, com um mes de ordenado, isto é, 57$000; o capitão-mor da vila Antonio Carvalho Bueno, com 100$000; o capitão Sant'ana administraria os trabalhos gratuitamente, ou contribuiria com 100$000; muitoa outros deram 2$000, 1$000 e até $160, ou meia pataca, atingindo a contribuição a importância de 390$580.

 

Note-se que esse esforço de arrecadação ocorreu em 1732. Entrementes, em outra vila de Santa Catarina, também corriam interesses paralelos na mesma obra:

 

...nos 27 de dezembro de 1730, por escriptura pública, o vigario de Desterro, da Ilha de Sacta Catharina, P. Dr. Manuel da Silva Albuquerque e Antonio Cardoso, tomaram para si o compromisso assumido por José Pinheiro com o Capitan Francisco de Miranda Tavares, de abrir caminho entre Sancta Catharina e os Ambrósios...

 

Os campos dos Ambrósios eram a última a etapa a vencer para atingir-se o primeiro planalto permitindo alcançar dai facilmente a vila de Curitiba. Essas são as primeiras alusões documentais aos caminhos nos campos do Quiriri que consegui compilar.  No ano seguinte, 1731, os oficiais da Câmara de Curitiba comunicam ao Governador General da Capitania de São Paulo, conde de Sarzedas, que,

 

.... da Laguna de Santo Antônio dos Anjos se abrio pela costa do mar até o Rio de São Francisco Xavier e dai pelas bandas da serra a sair nos campos dos Ambrósios, caminho que põe esta villa em distancia dous dias de viagem com a villa da Nossa Senhora da Luz dos Pinhaes de Coritiba. Certificão ser muito breve e bom o caminho, e que não se gastarão mais de hum mez da dita villa da Laguna até a saida do dito caminho no planalto na Freguezia dos Pinhaes de São José.

 

Neste mesmo ano o Governador escreve aos oficiais da Câmara de Curitiba, comunicando ter recebido aviso dos Capitães-mor do Rio de São Francisco Xavier e da Ilha de Santa Catarina que a estrada vinda da Laguna de Santo Antônio estava quase acabada e que, brevemente, podia-se esperar a vinda dos religiosos do Carmo. Indagava o governador aos membros da Câmara se...

 

....é necessario o estabelecimento de registro de gados e cavalgaduras e que apontem o local da paragem que se podia instalar o dito registro.

 

A luz desses relatos pode-se estabelecer que realmente existia uma rota alternativa entre as vilas litorâneas de Santa Catarina e o planalto e que tal caminho se desviava na altura de São Francisco em direção a Curitiba. Pode se vislumbrar a hipótese de que já existia um caminho anterior às primeiras alusões documentais ao mesmo, datadas de 1729, como notou Carlos Costa Pereira.

O traçado do tal caminho porém, nunca foi claramente definido, principalmente o trecho de subida da Serra do Mar. Aparentemente passou a ser uma rota de importância econômica menor entre aquelas povoações. Outro ponto nebuloso é: em que época e por quem foram feitos os trabalhos de pavimentação e construção das escadarias, que se ainda hoje existem nas matas da encosta da Serra do Mar e atravessam pradarias serranas do Quiriri.

Figura 2 - Calçadas na subida da Serra do Mar - quem as confeccionou? 

Pela década de 1730, alguns moradores da vila de São Francisco começaram a faiscar ouro. Isso faziam sem dar entrada ao fisco para que fossem descontados os quintos reais como era recomendado. O governador general da província, neste caso ainda de São Paulo, sabedor dessa situação, ordenou a publicação de editais obrigando os que lavrassem ouro leva-lo para quintar em Paranaguá.

Efetivamente, em 1734,  deram entrada ao provedor das minas de Paranaguá 271 oitavas e 60 grãos de ouro (aproximadamente 971 gramas métricas) proveniente de São Francisco. Apesar de pequena essa produção provocou imediata cupidez do fisco, pois em seguida se cogitou o lançamento dos quintos reais em São Francisco. O governo pensou tratar-se do ouro perdido de Ïnhangüera, que aparecia nestas paragens e evaporava sem a taxação dos quintos reais. As Minas de Ïnhangüera estavam em evidência nessa época e ainda não haviam sido, como aliás nunca foram, reencontradas. Sabe-se hoje que provavelmente não passava de um equívoco, aquela espécie de insanidade que sempre aparece quando se trata de ouro.

A exploração de ouro na região, de acordo com todas as evidências, sempre foi desprezível. Sob a ótica de nosso objeto de estudo o episódio acima serve para ilustrar que provavelmente o caminho entre o planalto do Paraná e a vila litorânea  estava em desuso na época, pois a quintagem foi feita em Paranaguá, não em Curitiba como seria de se esperar caso já houvesse uma ligação por terra entre as duas vilas. Por outro lado, esse fato pode significar ainda que o caminho nem mesmo existia. A vila de Curitiba já adquirira então significativamente mais importância que Paranaguá, pois já funcionava a Câmara de representação popular junto ao governo, na época da província de São Paulo à qual essas povoações pertenciam.

 

Uma atividade econômica importante no pequeno povoado da ilha francisquense no século XVIII era a produção de farinha de mandioca. Carlos da Costa Pereira fez um minucioso levantamento da produção de farinha no período compreendido entre 1679 e 1853. Nesse período não se registrou nenhum carregamento de vulto destinado a Curitiba ou que houvesse seguido por terra pelo caminho dos Ambrósios. A produção era destinada às povoações e cidades litorâneas de todo o Brasil e seguiam invariavelmente por mar, em ‘corvetas de cargas’. 

O gado era trazido do sul para Curitiba preferencialmente pelo Caminho de Viamão que havia sido aberto em 1730 por Francisco de Souza Faria, que ligava o Porto dos Casais (Porto Alegre) e Viamão nas vacarias do mar de São Pedro do Rio Grande à vila de Curitiba,  e dali até Sorocaba.  Nos pontos de registro é que eram calculados, e cobrados, os impostos incidentes sobre o comércio de animais. Era uma rota que seguia os altiplanos pelo interior. Por outro lado, uma ligação por terra entre o litoral catarinense e o norte – São Paulo e região das minas – parecia ser necessária, pois o litoral desenvolvia a lucrativa industria da pesca da baleia, que tinha necessidade de escravos e equipamentos além de ter que escoar sua produção de óleo destinado ao consumo nas vilas do interior do Brasil.

A referência histórica seguinte, relacionada à via que ligava a vila de São Francisco ao planalto paranaense, aparece só dai a 26 anos, em 1757. Refere-se à necessidade de manutenção na estrada. Em 24 de dezembro daquele ano, convocado pela Câmara da vila de São Francisco, um ajudante envolvido com aquela obra assim se justificou:

 

.... que devido a epocha em que as trovoadas e ventos de nordeste, que lançam na obra grandes nevoeiros e bastantes imundicies, é de melhor alvitre que só depois das festividades da Paschoa  taes trabalhos sejam effectuados.

 

A câmara concordou com a conversa mole daquele cidadão e adiou a obra até maio do ano seguinte, quando convocou João Moraes Vieira a aprestar-se para os serviços de manutenção da estrada depois das ‘oitavas’ – segundo dia de Páscoa, de acordo com o antigo costume de se guardar mais um dia depois dos feriados cristãos principais, em que se considerava então a semana com oito dias, dando origem ao nome. Não é possível estimar quanto tempo demoraram as obras de benfeitorias na estrada ou se efetivamente chegaram a ser feitas. Existem indícios que vinte anos mais tarde, em 1777, o caminho de São Francisco aos Ambrósios foi usado pelas tropas em retirada quando a Ilha de Santa Catarina foi reconquistada pelos espanhóis.

[Continua]

Parte 2