Se... – Neiva Pavesi
Caminhando pela praia, olho a imensidão do mar e penso nas possibilidades que a vida me ofereceu e nas escolhas que fiz. Paro, respiro fundo passando as mãos em meus cabelos brancos. Ah, o homem! Senhor absoluto de todas as verdades, sabedor dos segredos do Universo, autor de seu destino...
Quem dera isso fosse verdade e eu pudesse voltar ao tempo em que, intempestivo, tomei decisões que, se melhor pensadas, poderiam ter mudado a história de minha família.
Você poderá dizer que fiz as escolhas possíveis. Pensei muito nisso e concluí que não é bem assim. Voluntarioso, de péssimo gênio, nem chegava a ouvir direito as propostas que me faziam, não levando em consideração os prós e os contras nelas envolvidos. Muito menos ouvia as advertências da esposa para eu ter calma e pensar melhor. Meu sangue fervia e a minha boca dava respostas impensadas das quais eu me arrependia e que, geralmente, levavam minha família a situações problemáticas.
Gastei a minha vida em idas e vindas infrutíferas e vazias, vivendo com parcos recursos, numa pobreza que talvez me levasse “ao céu”, se eu nele acreditasse. Arrastei esposa e filhos por cidades e mais cidades. Não os deixei criarem raízes. Ficaram soltos, perdidos no tempo e no espaço, sem chances. Assim como eu.
Sabe o que fiz da minha vida? Um grande nada. Usufrui dela o mínimo que me foi oferecido. De tudo, eu queria um pouco. Só um pouquinho. E, claro, só obtinha o que pedia. Daí vinha a frustração. Ficava louco e questionava aos berros e palavrões: “Como? Eu não tenho nada e os outros, tudo?”
Enfurecia. Blasfemava a ponto de tornar-me desumano. E como odiava! A tudo e a todos, ao mundo, a mim, a Deus. Cego que era, não entendia que a vida me dava exatamente o que eu lhe pedia: um bocadinho de nada.
Sabe, se me fosse permitido sugerir, pediria para nascer velho e experiente e morrer bebezinho. Talvez isso me desse a sabedoria necessária para aprender com meus erros, a fazer melhores escolhas e me levasse a pensar em meus filhos, a escolher o melhor para eles. Ou, pelo menos, tentar. Como aceitar a proposta irrecusável que me foi feita naquela cidade interiorana, prestes a explodir no progresso que a levaria ao topo em que está até hoje. Fincaria raízes, teria chances de educar melhor meus filhos, pouparia a esposa de tantas desilusões. É... talvez a história tivesse sido diferente...
As lembranças chegam rápidas, nítidas, implacáveis, mesmo tendo-se passado tanto tempo. Os filhos? Fizeram-se por si mesmos, a duras penas, e não têm afeição por mim. Nem amigos somos. Não fui o pai que eles tanto precisaram e hoje apenas me toleram em memória da mãe.
Passei os anos enclausurado em meu rancoroso viver e, agora, só as lembranças me fazem companhia...
Hoje, sei que a vida é uma dádiva maravilhosa e eu a perdi.
Ouço as ondas murmurando segredos enquanto se espraiam na areia fina, dourada pelo entardecer.
Um choro silencioso, dolorido, fecha meu peito.
Ah, pudesse eu voltar no tempo...