Uma questão de sorte – Neiva Pavesi
Esplendorosa manhã de catorze de dezembro, século XXI, sol forte, calor, verão à vista. Dormia a sono solto, ressonando, a boca ligeiramente entreaberta quando acordou com uma voz muito nítida, gritando dentro de sua cabeça: “acabou!”, “acabou!”, “acabou!” Sentou-se de imediato e despertou de vez, ainda com o som no ouvido: “acabou!”. Acabou? O quê? Não estava entendendo. Como assim? Em todo caso, raciocinou como Poliana: acabou a dificuldade, a falta de esperança, a violência, a doença... Mais tarde foi ao banco: desceu na avenida da praia, andou pela Oswaldo Cruz e virou na Epitácio, ainda matutando sobre o significado daquele intempestivo “acabou!” Fazia suas conjeturas quando um bilheteiro passou por ela e, bem na sua orelha, gritou: “13! Olha o 13!” Levou um choque: era o seu número! Aquilo era com ela! Besteira, pensou e continuou a caminhar, enquanto a voz apregoava “13! Olha o 13!” e se afastava. Deu mais alguns passos. Por que não comprar uma fração do bilhete? Uma só! Deu meia volta e, estugando os passos, foi atrás do bilheteiro que já virava a esquina. Ele tentou vender-lhe cinco pedaços e mais um outro com o final 15: veja, este também é borboleta. Vou levar só um pedaço! disse com a firmeza de quem não sabe jogar. Retomou o caminho questionando-se por que comprara apenas um pedaço do bilhete. Pôxa! Um e nada eram a mesma coisa. Caminhava pela Epitácio quando ouviu, novamente: “13! É o 13!” Bem no seu ouvido! Pensou lá com seus botões: Que é isso? Alguma conspiração?Voltou-se imediatamente para o bilheteiro: quatro pedaços do 13! Ele sorriu. Quanto é o pedaço? Cinco reais. O quê?! Acabei de comprar um por dois reais! Desistiu da compra e, furiosa, entrou no Banco. Mais tarde, ainda não satisfeita, foi a uma casa lotérica. Quem sabe encontraria outro 13? Encontrou apenas o 15, justamente o que vira na mão do bilheteiro. Comprou três pedaços. O sorteio seria no sábado, dia 15. Taí! Mais uma razão para tentar a sorte. Seria o dia do lançamento de seu novo livro. Viu que a Mega-Sena estava acumulada – uma montanha de dinheiro. Resolvida a arriscar também nela, entrou no bolão. Foi para casa de alma leve. Quem sabe a borboleta abriria suas asas sobre ela? Sentiu uma sensação muito boa, que perdurou até segunda-feira e evaporou-se juntamente com os pedacinhos picados de seu sonho.