Nudez – Neiva Pavesi
No espelho, olho em meus olhos e vejo-me exatamente como sou: uma alma amorfa, opaca, cinzenta. Nada fiz de muito proveitoso: não amei nem odiei, não sonhei nem acreditei em nada de especial. Pela lei do mínimo esforço, procurei não interagir com ninguém para livrar-me de toda e qualquer responsabilidade. Acomodei-me numa vidinha sem graça, onde cada dia é, tão somente, mais um no calendário. Unicamente cumpro meus dias, não os vivo. Sou uma alma pobre, seca, que nunca se deu ao trabalho de valorizar a razão de sua existência.
Sei que, na eterna dinâmica da vida, meu saldo é desfavorável. Tinha tudo para fazer do ato de existir uma grande festa. E não o fiz.
Passeando pela cidade, assusto-me ao ver numa frágil criatura, curvada sob o peso dos anos, uma alma cruel que, possivelmente, seja capaz, ainda, de atormentar os que estão ao seu redor.
Desvio o olhar, fecho os olhos. Não... não quero ver! Não quero saber!
Quando os reabro, deparo-me com outro alguém que, desnudo ante meus olhos, mostra toda a sordidez de uma alma rancorosa cujo ódio, por tudo e por todos, torna insuportável sua inútil e estéril existência.
Caminho pela praia procurando, apenas, me encantar com o mar. Passa alguém por mim e contagio-me com a alegria que flutua à sua volta. Risonho, agradecido a Deus pela dádiva da vida,vai espargindo luzes em ágeis passadas de quem pisa raios de sol.
Mais adiante, um jovem cruza o meu caminho e entristeço-me, novamente: tem a alma fraca, embrutecida pela toxidez de seus vícios e, embora seu aspecto seja fresco e sadio, terá pouco tempo para esconder de si e do mundo, o estrago que as drogas estão a causar-lhe.
Neste meu aflitivo ver além, o que mais me choca e desespera é enxergar no adulto que observa uma criança, não a admiração pela magnificência da própria infância, mas o desejo, a lascívia, o desregramento de pensamentos, que o rosto sereno e o sorriso bondoso escondem.
Tento fugir da terrível sina de conhecer o interior das pessoas e suas almas nuas, mas não consigo. Imploro, a quem de direito, que de mim seja tirado esse “dom”. Não o quero! Não o pedi! Não preciso dele!
Para constatar a pequenez da alma humana, basta-me olhar em meus próprios olhos.