Chance – Neiva Pavesi

   Desempregado há mais de ano, fez de tudo a fim de preparar-se para o concurso: estudou bastante e freqüentou o curso preparatório mais competente da cidade.

   No dia da prova, foi o primeiro a chegar ao local designado. Tinha de ser aprovado. O dinheiro recebido na rescisão de contrato estava terminando e seus filhos precisavam ser alimentados.

   Na sala lotada sentia-se a tensão no ar. Ele, porém, estava calmo, seguro das suas condições. Devagar, com muita atenção, foi lendo as questões e respondendo a elas, passo a passo. Ficou maravilhado. Deus do céu! Sabia praticamente tudo sobre os temas propostos! Foi preenchendo o caderno de questões, na base do raciocínio e do conhecimento. Ao terminar, deu uma boa verificada em tudo, completou o gabarito, conferiu-o e entregou-o. Saiu da sala, eufórico.

   No fim do corredor, um colega de estudos perguntou-lhe:

   - Foi bem?

   - Creio que sim... as questões não eram tão difíceis... E você?

   - Só achei difíceis as de inglês...

   Ele gelou e perdeu a cor. Seu coração deu uma falhada e disparou, parecendo querer sair pela boca. Quase desmaiou.

   - Inglês?! Havia questões de inglês?! – perguntou num fio de voz.

   - Sim... – confirmou o amigo.

   - Não é possível, cara, eu não vi as questões de inglês...

   Entrou em pânico. Como poderia ser aprovado? Ao zerar uma matéria seria desclassificado e... adeus emprego.

   - Meu Deus! Isso não pode ter acontecido...

   Havia lágrimas em seus olhos. Voltou à sala onde fizera a prova e explicou aos fiscais que havia esquecido de responder as questões de inglês... logo ele, que tinha um ótimo conhecimento da língua... que até dera aulas para o segundo grau...

   Ninguém o ouvia. Falava, falava e sequer era olhado pelas pessoas a quem se dirigia. Falou com os fiscais da sala, com o coordenador do prédio. Implorou uma chance. Devolvessem a prova e ele responderia as questões ali, na frente de todos.

   - Por favor... – suplicava – eu esqueci de responder as questões de inglês... Eu esqueci... Eu esqueci... Por favor... Por favor... Por piedade...

   Chorava desesperadamente. A aflição transbordava de seu corpo mas entranhava-se, novamente, em sua carne, asfixiando-lhe as células. Uma angústia desmedida crescia em seu peito, subindo-lhe até a garganta, tão forte, tão forte, a ponto de sufocá-lo. Suava frio, chorava... e aquele peso no peito, aquela opressão na garganta...

   - Meu Deus! Meu Deus! Eu tenho que passar... Eu preciso fazer as questões de inglês... Eu preciso... Eu preciso...

   Em meio a toda aquela agonia, ouviu uma vozinha  fraca, muito longe...

   - Good morning... good morning...

   Num esforço sobre-humano, tentava entender o que a voz lhe dizia, quando sentiu que seria engolido pelo sorvedouro do desespero. Sobressaltou-se, derrubando a filha de dois anos que, encarapitada em seu peito, tentava acordá-lo. Abriu os olhos e, num impulso, segurou-a a meio caminho do piso. Acordou de vez!

   Graças a Deus! Teria sua chance.