Despedida – Neiva Pavesi

    Não sei até que ponto é verdade, mas vou contar a história tal qual me foi contada. Sem tirar nem pôr.

    Havia nos áureos tempos, quando Deus ainda não se tinha decidido pela criação do Homem, florestas imensas, compactas, esverdeadas, cheirosas, orvalhadas, cheinhas de flores, frutos, animais e pássaros. A Terra era um verde infinito, entremeado por rios encachoeirados, fontes cristalinas, mares transparentes e oceanos azulados habitados por nereidas, ondinas, ninfas e sereias que, com suas vozes belíssimas, agitavam as águas, conversavam com as nuvens e provocavam chuvas purificadoras.

    Muitas vezes, toda a superfície da Terra ficava salpicada de cores e o ar tornava-se perfumado, perfumado, que dava gosto.

    Outras vezes, as árvores ficavam nuas e o chão transformava-se em tapete macio, graças aos milhões de folhas que, vencendo seu ciclo de vida, deitavam-se para adubar a terra. Era assim que tinha que ser; era assim que era.

    Então, bem lentamente, o Sol recolhia-se em seu manto azulado e, mansamente, silenciosamente, a neve cobria toda a Terra, que sentia muito frio, um frio tão intenso que a adormecia. Nessas ocasiões, havia como que um silêncio modorrento que em ondas sonolentas envolvia a todos.

    Todos? Que nada!

    Os espíritos da floresta, os elementais, duendes, fadas e gnomos, silenciosamente arregaçavam as mangas e punham-se a trabalhar alegres e risonhos. Preparavam a Vida que despertaria numa cascata de energia e de cores nos tempos seguintes. Era um labutar sem fim. Seres graciosos e assustadores, criaturinhas de gestos vivos semelhantes a raízes, a cristais, revezavam-se em meio a risinhos nervosos, ruflar perfumado de minúsculas asas e chilreios adocicados e angelicais, num caos aparente envolto num halo luminoso. O corpo vital da Mãe Terra era assim preparado pelos seres da água, do fogo, da terra e do ar, numa grande rede energética e preciosa que a alimentava dando-lhe Vida.

    E o renascer? Ah! O renascer era absolutamente emocionante!

    Aves, pássaros e animais, ainda ligeiramente entorpecidos pelas últimas brumas do inverno, em tremendo alarido, acordavam o Sol que, irradiando luz e calor, permitia a Vida. A Lua, recém-desperta, anunciava a noite salpicada de estrelas cintilantes. Timidamente, no meio da neve branca, começavam a brotar aqui, ali, acolá, verdes folhagens. As árvores vestiam-se de novas folhas e as flores anunciavam os frutos vindouros. Era uma festa só. A Terra, enfeitada pelos elementais e aquecida pelo Sol girava, lenta e prazerosamente, enquanto o vento farfalhava suas matas, espalhando o perfume de belíssimas e risonhas flores. Pássaros e animais multiplicavam-se, numa algazarra esfuziante, borbulhante, transbordante.

    Era tudo muito bom, bonito, feliz. Uma integração perfeita em toda a Natureza. Um sentimento explícito de Paz e Harmonia envolvia a Terra.

    Aí, então, Deus resolveu criar o Homem.

    Até que no começo foi bom, sabe, pois ele, em sua infância, ainda mantinha sintonia com a Natureza. Mas, bastou o Homem crescer um tiquinho assim e desenvolver um bocadinho mais sua capacidade de raciocínio, para esquecer suas origens, sua ligação cósmica com o Criador, sua amizade e integração com a Natureza. E, pasmem senhores, achou-se dono e não mais parceiro da Mãe Terra. De lá para cá, só fez feri-la, rasgá-la, queimá-la, sujá-la, maltratá-la, crucificá-la.

    Deus me livre e guarde, mas me contaram que ele, o Homem, quer mesmo acabar com a Terra.

    Pobre e ignorante tolo!

    Sem Natureza preservada, sem Terra saudável, adeus, Homem...