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ESTUDANTES PROTAGONISTAS, DESAFIOS ABERTOS, MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA

Pedro Demo (2017)

Neste segundo remix da obra de Spencer & Juliani (2017) (SJ) sobre empoderamento estudantil na escola, vamos considerar os três primeiros capítulos: relance da autoria estudantil e um professor que mudou o mundo; papel docente, de pais e líderes é preparar para “tudo”; empoderar estudantes implica conhecimento e habilidade para perseguir paixões, interesses e futuro.

I. EXCERTOS DA AUTORIA ESTUDANTIL E UM PROFESSOR QUE MUDOU O MUNDO

É a estória de dois moleques furtivos, que gostavam das sombras, dois nerds. No fundo, buscavam não aparecer, para aparecer. Por exemplo, ao chegar com a bandeja do almoço ser convidado para sentar-se em algum lugar à mesa. Não foi... Mas um professor deu bola. E eles se encheram de brios: assumiram a pesquisa, conduziram tudo, ligaram para muita gente, fizeram uma rede de contato, protagonismo lá em cima. Pouco interesse nas hierarquias escolares, mas sensíveis a suas motivações mais profundas. Professores nem sempre percebem isso. Perdem a chance e o estudante! Entre os anseios maiores dos estudantes é que os professores os notem, deem responsabilidade, confiem e puxem. Daí o mote os AA: “a coisa mais poderosa que se pode fazer é empoderar os estudantes” (SJ:P338). Assim, a seco, é retórica inflada. Mas pode fazer muito sentido.

Quando estudantes protagonizam sua aprendizagem pode ocorrer que a exponencializem como nunca, porque cai no radar de sua motivação intrínseca. Fazem porque gostam e podem trabalhar muito duro com grande dedicação. Podem trabalhar sozinhos e juntos, em empreitadas coletivas que ganham significado tanto maior porque há encantamento. E poder vir um resultado decantado pelos AA: “tornam-se apaixonados, aprendizes para a vidada, prontos para tomar o mundo” (SJ:P341).

Possivelmente há acento excessivo na “animação”, que deveria estar um pouco mais na aprendizagem autoral e que demanda esforço concentrado e persistente. A noção tão comum de que o estudante não quer nada com nada nem sempre é verídica, porque não quer nada com a escola que aí está – alienada, fria, paradona, sempre a mesma, só aula. Mas em outro ambiente, quando os estudantes são solicitados a participarem, tomando as rédeas de sua aprendizagem, pode surtir “aprendizagem transformadora”, através da qual emerge visível emancipação. Por exemplo, quando o estudante, começando com cinco linhas mal traçadas, canhestras, impróprias, chega, com o tempo, a cinco páginas de bom cunho científico. Pode ser conquista imorredoura.

II. NÃO PREPARAR PARA ALGO, MAS PARA TUDO.

A escola  precisa preparar para o trabalho, porque este vai ocupar grande parte da vida adulta. Mas não pode ser subserviente, porque o intento maior é preparar para vida, para tudo na vida. Contam a história de Braille (https://en.wikipedia.org/wiki/Braille). Nasceu em 1809 em aldeia ao lado de Paris, o mais novo de 4 e sua mãe e pai trabalhavam no campo fazendo coisas de couro. Teve acidente com três anos. Ao tentar fazer furos no couro (como aqueles do cinto, para ajustar a fivela), escorregou e o instrumento atingiu o olho, perfurando. Perdeu o olho e, logo depois, por infecção, o outro. Mesmo cego, porém, continuou a vida com apoio intenso dos pais; viajava, andar por aí, mostrando grande autonomia. Encontrou também apoio nos professores e vizinhos, até aos dez anos, quando entrou no Instituto Real para Jovens Cegos; aprendeu sobre comunicação num sistema inventado por Barbier (capitão do exército francês). O sistema, que era série de pontos e traços complicados impressos em papel, era muito complexo. Mas, com 15 anos, dominava bem e desenvolveu sistema próprio, que agora leva seu nome e é usado globalmente. E continuou aprimorando, até morrer em 1852. Eis exemplo do que pode ocorrer quando aprendizes são empoderados, mesmo em condições extremas.

A partir da parábola, os AA estabelecem “verdades”:

a) toda criança merece protagonizar sua aprendizagem; professores podem empoderar a autoria estudantil para aprender a vida toda (SJ:P371). O lado mais pertinente desta proposta e apanhar o sentido autoral da aprendizagem. Aprendizagem não é causada de fora; pode ser mediada de fora, mas acontece na mente do estudante, autoralmente. Sem a dinâmica autoral não há aprendizagem, contrariamente à mania docente de achar que aula é o sentido da escola.

b) toda criança em sala de aula é o mundo de outrem; empoderar os estudantes transforma as conexões sociais/humanas; a aprendizagem se potencializa quando feita coletivamente.

c) estórias sempre nos molda; ajudam a aprender; é o caso empoderar os estudantes a criarem e partilharem suas estórias de aprendizagem (SJ:P381).

d) a única coisa que não podemos evitar: preparar os estudantes para um mundo imprevisível; então, não valem fórmulas prontas, soluções simplificadas, atalhos, arranjos.

e) alfabetização é aprendizagem; e aprendizagem gira em torno de desaprender e reaprender;

f) como professores, temos impacto ingente nas vidas dos estudantes; empoderar os estudantes só amplifica este impacto.

Aprendizagem implica também habilidades heurísticas (como saber tabuada). Mas o mais relevante é a capacidade de inventar soluções novas, enquanto aparecem problemas sempre novos. Os AS chamam de “verdades”, mas isto é apenas golpe publicitário. São orientações pertinentes que a vida e a ciência sugerem.

III. EMPODERAR IMPLICA DAR CONHECIMENTO E HABILIDADES PARA PERSEGUIR PAIXÕES, INTERESSES E O FUTURO

O enunciado não é claro, porque não há como “dar” – conhecimento e habilidades são geradas de dentro. De fora pode vir contribuição mediadora. Ao invés de “dar”, ficaria bem “mediar”. O que professores podem/devem fazer é montar problematizações interessantes, instigantes, provocativas, organizar o processo da maneira mais produtiva possível, mas, como o próprio texto sempre repete, aprendizagem é autoria, não dádiva externa. São incontáveis os relatos de alunos que, na escola, nunca tiveram chance de se sentirem tomados a sério, muito menos seus interesses. Não são nunca perguntados pelo que gostariam de fazer, ler, estudar etc. Autonomia parece ser evitada, porque se preferem alunos dóceis. De fato, aula tem este viés: espera que os estudantes escutem em silêncio, tomem nota e depois devolvam na prova. Tudo passivo, vitimizando o estudante. Contam a estória de um professor interessante que ensinava o que havia na escola de menos interessante: matemática. Mas ele sabia fazer de matemática algo interessante, por incrível que pareça. Um dia, na sala de aula, lá estava ele deitado na mesma, apontando para o quadro – havia lesionada as costas e só podia dar aula assim. Mesmo assim, vinha todo dia, para comoção da turma. Muitos sempre imaginavam que ele iria afastar-se. Nada disso. Voltava todo dia. E ensinava também programação digital, como as linguagens Pascal e Basic e o estudante que contava a estória dizia que acabou montando um jogo de futebol no computador. Quem não gostava de matemática, acabou aderindo e tornando-se fã de matemática, bem como daquele professor de matemática.

Um grupo de estudantes aceitou a sugestão do professor de matemática de fazer um vídeo sobre o teorema de Pitágoras. No início, parecia algo “inventado”. Mas os estudantes assumiram o desafio e, a partir daí, o professor ficou no pano de fundo “mediando”. O grupo estudou o teorema, entendeu a lógica do teorema, montou o script da demonstração, gravou e apresentou, incluindo ainda modos de aplicação do teorema. Foi um sucesso – em grande parte porque a aprendizagem foi protagonizada pelos próprios estudantes. A demonstração foi “arquitetada” por eles, e eles se sentiram como se tivessem descoberto o teorema.

CONCLUSÃO

Retórica à parte, o que os AA colocam de apropriado é que os estudantes podem certamente aprender bem, desde que mudemos o ritual sepulcral da sala de aula, que abafa a iniciativa estudantil. Aprender só acontece num contexto de autoria, porque aprender é exercitar autoria, lidimamente. Enquanto não aparecer autoria, não existe aprendizagem, que é, logo, substituída por memorização, decoreba, reprodução etc. Muitos professores cultivam a ficção de que sua atuação é o centro da escola, condensada na ideia da aula como mola mestra do sistema, enquanto a mola mestra está na mente do estudante, em geral relegada. Quando não se promovem atividades de aprendizagem, como ler, estudar, pesquisar, elaborar etc., os procedimentos se reduzem a reproduções que, além de chatas, insuportáveis, não redundam em aprendizagem. Perde-se o tempo e o estudante tem da escola a lembrança do lugar do atraso e da chatice.

Os AA apresentem um link (www.EmpoerBook.co) onde se acham recursos adicionais para “empoderar” os estudantes, embora tenha um sabor de fórmula pronta e marketing forçado.

REFERÊNCIAS

SPENCER, J. & JULIANI, A.J. 2017. Empower: What happehns when student own their learning. IMPress, LP. Amazon.