EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA PRECISA DE EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
Pedro Demo (2017)
Um dos dramas de nossa escola é a incapacidade de resolver o desafio da alfabetização. Evito entrar na querela teórica (alfabetização x literacia x letramento...) (Soares, 2004. Coscarelli & Ribeiro, 2005. Costa, 2000. Fonseca, 2004. Kleiman, 1995. Mello & Ribeiro, 2004. Mortatti, 2004. Tfouni, 2004. Ribeiro, 2003), pois deixo isso aos expertos da área. Meu propósito aqui é outro: argumentar em favor da potencialidade emancipatória de habilidades analíticas abstratas, um dos encalhes mais gritantes de nossa alfabetização. O MEC definiu alfabetização em até três anos, como medida aparentemente “realista”, dada a proverbial dificuldade de enfrentar o problema na escola, amplamente confirmada pelo dados disponíveis: ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização) de 2014 indica que em média apenas metade dos estudantes consegue alfabetizar-se em até três anos; nos melhores estados, a cifra é de quase 40%, enquanto nos estados mais problemáticos vai além dos 80% (Tabela 1. Demo, 2015a)[1].
TABELA 1 – Proporção de estudantes nos níveis mais baixos (1 e 2) (2014) (3o ano)
LEITURA | ESCRITA | MATEMÁTICA | |||||||||
1-MG | 38.66 | 15-RR | 67.37 | 1-SC | 21.57 | 15-RR | 44.61 | 1-SC | 37.99 | 15-RR | 68.17 |
2-SC | 39.43 | 16-TO | 68.37 | 2-PR | 26.08 | 16-TO | 46.13 | 2-MG | 40.55 | 16-PE | 70.09 |
3-SP | 42.53 | 17-AM | 69.18 | 3-SP | 28.05 | 17-PE | 50.49 | 3-SP | 40.95 | 17-TO | 70.37 |
4-PR | 46.11 | 18-PE | 71.16 | 4-MT | 33.52 | 18-RN | 51.76 | 4-PR | 45.82 | 18-AM | 71.62 |
5-DF | 49.73 | 19-RN | 72.57 | 5-GO | 33.71 | 19-AM | 56.06 | 5-ES | 49.56 | 19-RN | 75.34 |
6-ES | 50.06 | 20-PB | 76.07 | 6-RS | 34.14 | 20-AP | 56.62 | 6-RS | 49.66 | 20-PB | 76.40 |
7-RS | 50.97 | 21-PI | 77.33 | 7-MG | 34.77 | 21-PI | 56.92 | 7-DF | 50.08 | 21-BA | 78.11 |
8-GO | 51.81 | 22-BA | 77.64 | 8-DF | 35.33 | 22-AL | 58.47 | 8-GO | 53.69 | 22-PI | 78.87 |
9-CE | 52.07 | 23-PA | 78.06 | 9-MS | 38.35 | 23-PA | 59.24 | 9-CE | 57.17 | 23-SE | 79.58 |
10-AC | 52.80 | 24-AP | 79.54 | 10-ES | 39.37 | 24-BA | 59.45 | 10-MT | 57.23 | 24-PA | 79.79 |
11-MS | 53.55 | 25-SE | 80.65 | 11-RO | 39.65 | 25-SE | 59.54 | 11-MS | 57.89 | 25-AL | 81.27 |
12-MT | 55.03 | 26-MA | 80.89 | 12-AC | 40.85 | 26-MA | 61.13 | 12-RO | 58.39 | 26-AP | 82.80 |
13-RO | 56.89 | 27-AL | 81.56 | 13-RJ | 41.71 | 27-PB | 60.20 | 13-RJ | 59.18 | 27-MA | 83.11 |
14-RJ | 57.25 | 14-CE | 44.50 | 14-AC | 59.48 |
Fonte: MEC/Inep.
Existe, naturalmente, ao fundo uma briga acirrada sobre o que seria “alfabetização” (“na idade certa”, como gosta de alegar o MEC) (Ministério da Educação. 2015). Num lado, “alfabetização” pode bem ser vista como formação continuada, não se completando nunca, como qualquer processo aberto de aprendizagem (Demo, 2015). Noutro, precisamos “concluir” alguma coisa na escola, para não se arrastar indefinidamente, oficializar a progressão automática, oferecer ao pobre coisa pobre. Visivelmente, não estamos conseguindo enfrentar a questão. A ideia do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) – é eco tardio de algo cansativo em nossa história, desde o MOBRAL (Beluzo & Toniosso, 2015): encarar, por algum tiroteio retórico, desafio que a escola não consegue deslindar. O Inaf (Índice de Alfabetismo Funcional, Instituto P. Montenegro) de 2011/2012 (http://www.ipm.org.br/pt-br/programas/inaf/relatoriosinafbrasil/Paginas/inaf2011_2012.aspx) indica que adultos plenamente alfabetizados são apenas 26%, desde 2001/2002, uma cifra dantesca sugerindo a inutilidade prática do atual sistema de ensino. O Pnaic (2015), por sua vez, não faz diagnóstico minimamente lúcido, ao manter, para a formação continuada dos alfabetizadores, que “as universidades selecionam e preparam seu grupo de formadores que serão responsáveis pela formação dos orientadores de estudo e estes conduzirão as atividades de formação junto aos professores alfabetizadores” (pg. 4). Vão ministrar cursos de 32 horas, presenciais. Bastaria compulsar os dados do “aprendizado adequado” de 2015 (Ideb), onde consta que pedagogos e licenciados não dão conta minimamente de suas funções escolares, em especial os licenciados (nos anos finais e ensino médio, o viés é de queda absurda – em matemática, na 3a série do ensino médio, o aprendizado adequado foi de 7.3% - excepcionalmente se aprende matemática na escola) (Demo, 2015b). Não traço – de modo algum – correlação linear entre desempenho discente e docente (algo usual nos Estados Unidos, na reforma corporativista e neoliberal) (Horn & Wilburn, 2013. Amrein-Beardsley, 2014. Berliner & Glass, 2014. Goldstein, 2014. Russakoff, 2015), porque aprendizagem inadequada pode provir de outras fontes, em especial entre crianças mais pobres, sem falar que, sendo aprendizagem dinâmica autopoiética, de dentro para fora, autoral, a instância mais decisiva é sempre o próprio aprendiz (Demo, 2015). Professor é crucial, mas é “mediador”, na visão consagrada de Vygotsky. Quero realçar que a formação advinda da universidade não tem qualquer condição de mudar o quadro, porque é parte do disparate. Usando linguagem mais desabrida: há que alfabetizar o alfabetizador, em especial os alfabetizadores universitários.
Precisamos de um alfabetizador que, a par de sua valorização profissional adequada (Demo, 2015c), tenha condição profissional de encarar o desafio, em especial dar conta de crianças “xucras”, na brevidade possível, sem ficar postergando, já que esta postergação apadrinhada oficialmente tem sido um tiro no pé. Isto supõe, naturalmente, formação completamente diversa da atual, muito longe do sistema de ensino inepto que vige na escola e na universidade. O Pnaic, porém, tem um acerto: para resolver a alfabetização precisamos de outro alfabetizador, mas que não nasce de cursos sumários de 32 horas, arcaicamente presenciais, dentro do instrucionismo mais vil que temos vigente. A insistência no “presencial” é uma velharia desnecessária, porque os cursos serão cada vez mais híbridos (o próprio PNE, talvez a contragosto, abona isso) (Demo, 2012), desde que se abandone o fetiche da aula reprodutiva. Comparando-se cursos ditos presenciais e não presenciais, resultam na mesma inépcia, porque a aula é a mesma, com a ironia de que os ditos “não presenciais” acabam se saindo melhor porque são extremamente seletivos: a maioria abandona, quando percebe que precisa estudar; os sobreviventes mostram facilmente maior interesse e resultado (Demo, 2011). Os alfabetizadores precisam ser profissionais: tomar uma criança xucra e deixá-la “alfabetizada” na brevidade possível[2].
Neste texto não vou repisar este diagnóstico soturno, mas burilar desafios da educação emancipatória que precisa de habilidades de abstração, à luz de algumas discussões atuais sobre tipos de conhecimento mais próximos da emancipação. Sugiro, entre outras coisas, que nossos alfabetizadores, por formação absolutamente imprópria, não sabem lidar com o desafio da abstração, permanecendo em patamares mais típicos do senso comum, linguagem popular, sabedorias comunitárias, muito relevantes para outros fins, mas não para emancipar. Paulo Freire falava de “ler a realidade”, entendendo como desfio analítico desconstrutivo flagrante, para que o oprimido se afaste do opressor e com ele possa se confrontar, condição crucial da “pedagogia da autonomia” (1997). Algumas esquerdas, porém, à sombra de uma interpretação apressada de Santos (também de Paulo Freire e Gramsci), buscam a emancipação via saberes comuns, oferecendo aos pobres coisa pobre (Santos, 2009. Santos & Meneses, 2009. Gramsci, 1972; 1978), algo similar ao Bolsa-Família: bastando-se com assistência, ainda que nisso seja um programa republicano imponente (Campello & Neri, 2013), não alcança qualquer impacto emancipatório; o pobre continua com seu destino nas mãos do opressor!
Recentemente, Pinker (2011) publicou obra monumental sobre o declínio da violência no mundo, a despeito da retórica dominante de agravamento, em especial depois do 11/9, procurando razões para este feito surpreendente e logo depois de duas Guerras Mundiais. Trata-se de texto argutamente controverso, sempre bem documentado, bastante interdisciplinar (embora puxado para a psicologia) que busca no Iluminismo uma das fontes para este “processo civilizatório”, analisado por Elias e muito apreciado por Pinker (2000). É processo imenso com infinitas “causas”, o que sempre também compromete o alcance de qualquer análise (será muito preliminar), nas quais destaca a razão, em especial científica. Esta aposta na razão vem um pouco na contramão, se levarmos em conta que a própria psicologia inundou o público com pesquisas que mostram a razão como serva da emoção, em especial na economia: o consumidor racional é uma caricatura eurocêntrica benevolente. Aparece como argumento também o efeito Flynn (Pietschnig & Voracek, 2015. Flynn, 2012), que surge em estudos do QI historicamente: teria crescido no tempo, aparentemente constatando-se melhoria na inteligência da população (ainda que pesquisas recentes indiquem queda ou desparecimento desse efeito). A discussão que nos interessa é que os fatores que mais subiram no QI historicamente são aqueles vinculados ao pensamento abstrato, de certa maneira indicando serem as maiores promessas emancipatórias. Em meio a muitas polêmicas, entre elas críticas frontais ao conhecimento eurocêntrico, colonialista, prepotente, destrutivo do meio ambiente e do planeta, atrelado ao capitalismo (Harding, 2011. Taylor & Cranton, 2012), o conhecimento mais facilmente emancipatório parece ser o matemático, formal, analítico, linear, algorítmico, necessário para desconstruir a opressão e para reconstruir proposta alternativa, com as mesmas armas. Paulo Freire chamava a atenção para a tessitura ambivalente da emancipação: o liberto de hoje, pode ser o opressor de amanhã; basta que chegue ao poder! O conhecimento científico está na raiz do “progresso” (Dupas, 2006) e de infindas iniquidades socioeconômicas e históricas. Mas isto não elide sua capacidade de confronto. Emancipação só é possível se o marginalizado tiver chance de se confrontar com a opressão, em pé de igualdade (mesmo que auxiliado por intelectuais orgânicos) (O’Connor, 2001). Senso comum, sabedoria popular, linguagem comunitária – importantíssimos para outros sentidos – não bastam. É guerra!
Organizo o texto em quatro partes. Na primeira, vamos discutir chances emancipatórias da educação científica em contraste com outros saberes. Na segunda, vamos amealhar alguns argumentos favoráveis à educação científica. Na terceira, discutimos alfabetização hoje. Na quarta o “social” emancipatório, à la Paulo Freire.
PRIMEIRA PARTE
Chances emancipatórias da educação científica
I. EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
Em outro lugar delineei o que entendo por educação (alfabetização) científica (Demo, 2010), sugerindo ser parte fundamental da formação escolar e universitária, além de significar, hoje, também alfabetização exigida pela sociedade/economia do conhecimento. Uma das propostas mais aclamadas de educação científica é de um grupo de professores de ciência norte-americano e israelense (Linn & Eylon, 2011) que propõe começar no pré-escolar, para espanto de muitos, em especial de políticas educacionais pretéritas ou retrógradas que, a título de realismo, estruturam a alfabetização escolar em até três anos (concluindo-se aos oito anos de idade). Começar com quatro anos de idade parece provocação, já que muitas crianças sequer sabem escrever, mas já “brincam” de cientista no laboratório, sob a orientação de professores que precisam saber, naturalmente, aquilatar qual modulação de ciência cabe na cabeça de quatro anos de idade. A preocupação indica dois limites a serem evitados: de um lado, não se quer ciência infantiloide, apequenada para pequenos, porque imbecilização não cabe em educação; de outro, não cabe forçar uma proposta que as crianças não teriam como manipular à vontade. Vai, pois, depender do profissionalismo dos professores decidir a dose certa de pretensão científica cabível[3]. A montagem de Linn e Eylon é extremamente ampla e bem urdida, incluindo dois horizontes muito pertinentes hoje em dia.
O primeiro refere-se a uma investigação aprofundada da aula, questionando sua utilidade em face dos compromissos de aprendizagem da criança que precisa fazer-se protagonista de sua sociedade, não papagaio. Estudaram-se os vários tipos de aula utilizados na escola, chegando-se à conclusão de que aula instrucionista (copiada para ser copiada) não faz mais nenhum sentido, permanecendo a importância de alguns tipos outros como conferência, palestra, aula magna, ou como aporte auxiliar intermitente, desde que não instrucionista... O que importa é garantir a chance de aprender com autoria das crianças, o que exige pedagogias participativas inspiradas em problematização, projeto, pesquisa, elaboração constante, argumentação e contra-argumentação, adesão à autoridade do argumento (não do argumento de autoridade), sem indicação deste ou daquele “método” fetichizado. A participação do professor cresce imensamente em tais ambientes autorais de aprendizagem como orientador e avaliador, ou, mediador, colaborando com o esforço dos alunos na produção própria de conhecimento. Assume-se que a habilidade de produção própria de conhecimento é das mais valorizadas hoje, na vida e no trabalho, permitindo continuar aprendendo sempre, renovar a profissão incessantemente, autorrenovar-se crítica e autocriticamente. Esta habilidade não provém de “aula”; esta, mais facilmente, atrapalha porque deixa o estudante escutando conteúdos, que anota e devolve na prova, mimeticamente. Este hábito está totalmente na contramão da sociedade e da economia do conhecimento (Zhao, 2012).
O segundo horizonte refere-se ao uso de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs), resultando numa plataforma renomada – WISE: Web-based Inquiry Science Environment – para crianças aprenderem a manejar ciência sem aula, em laboratórios virtuais, produzindo suas experiências, experimentando o método científico, interagindo entre si com textos, argumentos, ensaios etc. (Slotta & Linn, 2009). Como aprendizagem e ciência foram abraçadas pelas novas tecnologias sem volta, cumpre montar ambientes atualizados de aprendizagem, levando-se em conta que as crianças precisam dessas habilidades definitivamente. Era o que Papert pretendia com sua “máquina das crianças” (1994), alfabetizando-as já diretamente na máquina, aprendendo a programá-la, precisamente para que a máquina instrumentasse a autoria da criança, não o contrário (Isaacson, 2014). Ao invés do uso reprodutivo dominante das tecnologias digitais hoje nas escolas, a proposta do WISE orienta-se pelo ambiente de pesquisa e produção própria, sob orientação (Kafai et alii, 2009).
Chama a atenção na montagem de Linn e Eylon a combinação sagaz de qualidade formal e política na educação científica. Por qualidade formal entende-se a produção científica metodicamente adequada, devidamente formalizada e analítica, embora no nível de uma criança de quatro anos de idade. Ciência postula um tipo de discurso formalizado, linearizado, ordenado, tipicamente abstrato e analítico e que pode colocar desafio duro para as crianças em geral apegadas ao concreto, imediato, cotidiano. Aqui nos deparamos com um dos reptos mais exigentes da alfabetização: passar do senso comum, linguagem comunitária, fala cotidiana para o discurso científico abstrato, normatizado, sóbrio e seco, muito diferente da tagarelice infantil. Esta é importante em seu lugar, mas não se alinha à cientificidade (nem deve). A proposta pede que as crianças sejam motivadas a encarar ciência de verdade, não de mentirinha, porque esta seria enganação. Por qualidade política entende-se a construção do protagonismo cidadão capaz de enfrentar ciência em suas ambiguidades e lados negativos, desvelando suas falcatruas históricas e eurocêntricas, a destruição de outros saberes e culturas, a prepotência de um tipo de progresso não sustentável, a exacerbação das desigualdades sociais que dividem o mundo entre alguns apaniguados no centro, cercado de imensa periferia destituída. Implica questionar as metodologias científicas, os positivismos em especial, as pretensões de neutralidade/objetividade como ideologias de acobertamento de teorias fundamentalistas e assim por diante. Ao mesmo tempo que cabe “badalar” ciência como troféu moderno sem precedentes, cabe voltar à sabedoria socrática que via na ciência crítica autocrítica sua melhor versão. Saber produzir conhecimento próprio implica capacidade de revisar constantemente este conhecimento, por pura coerência: conhecimento crítico só é coerentemente crítico se for autocrítico. Disso retira sua rebeldia, autorrenovação incansável, criatividade, necessidade de se reinventar sempre, sem divisar um porto seguro final[4].
Educação científica indica outra direção para alfabetização: aprender a ler, escrever e contar continua valendo, mas sua significação mais condizente é aprender a produzir ciência com devida autoria, porque precisamos de ciência para melhor “ler a realidade”. Ler, escrever e contar subsumem a noção de linguagem formalizada da qual a ciência precisa para montar suas análises, questionamentos, argumentos. Mais antigamente, ler, escrever, contar eram suficientes para que a pessoa se visse como letrada, participante da cultura, informada, inserida no mundo intelectual. Agora não basta, porque é preciso participar de um tipo bastante diferente de sociedade e sobretudo de economia que valorizam o conhecimento científico explicitamente, formalizado e analítico. Outros tipos de conhecimento são importantes, mesmo o senso comum, porque fazem parte da história dos povos, de sua estruturação comunitária, da linguagem do cotidiano, de suas sabedorias milenares, de suas moralidades e religiões, da produção de sentido conjunto, da comunicação primária entre as pessoas, da socialização de normas e valores e assim por diante. A valorização da ciência não implica necessariamente o desprezo por outros tipos de saber, a não ser o tipo presunçoso de conhecimento que postula ser o unicamente verdadeiro. Esta presunção transforma conhecimento científico em pretensão religiosa, no sentido de pretender apropriar-se da verdade sozinho, fazendo-se argumento de autoridade.
Educação científica leva dupla pretensão. Num lado, é alfabetização, no sentido de propedêutica da vida em sociedade, no mundo do trabalho, no exercício da cidadania, no entendimento da realidade. Noutro é formação permanente, porque nos acompanha pela vida afora, em especial em seu sentido crítico autocrítico. Permanecemos mais facilmente aprendendo a vida toda, se soubermos nos autorrenovar incessantemente, questionando não apenas produções alheias, mas sobretudo nossas produções. Realça um horizonte epistemológico fundamental, socrático, da crítica autocrítica, porque a grandeza do cientista está em sua modéstia autorrenovadora. A qualidade do conhecimento produzido, em geral, é proporcional à capacidade de autoquestionamento. Se houver satisfatória autocrítica, chegaremos também a aceitar que conhecimento científico é um tipo de conhecimento, entre outros, por mais que seja o dominante hoje. Os desafios existenciais são de tal monta e complexidade que precisamos de todos os tipos de conhecimento possíveis (Latour, 2013), sendo o caso usar a todos, mesmo que se choquem, porque a vida é também um choque. Ao insistirmos em educação científica, o fazemos movidos também pela condição de vexatório atraso na escola (em particular em matemática), não porque seja a salvação da pátria. A dimensão artística, por exemplo, tem seu lugar de destaque e sempre foi considerada ponta de lança de iniciativas emancipatórias (desde a dramaturgia grega antiga), porque pode erigir um sujeito pode pensar e realizar história própria. Arte é indomável, como é ciência (Demo, 2012a). Uma das diferenças é que arte está menos para o mercado liberal do que ciência e tecnologia, já que esta está no miolo da forja capitalista.
II. “LER A REALIDADE”
Uma coisa é conhecimento voltado para “ler a realidade”, no sentido de Paulo Freire (1997; 2006); outra coisa é conhecimento para comunicar-se no grupo social primário. Embora as duas instâncias se interpenetrem eventualmente, são movimentos bem diversos. Ler a realidade implica questioná-la, desvendá-la, analisá-la, olhando-a por dentro, para além das aparências e dos acobertamentos, surpreendendo sua estrutura real, em geral subjacente, oculta ou ocultada. Acarreta pesquisar, esquadrinhar, chacoalhar a realidade, para entender o que vai além do entendimento comum, em especial do entendimento dominante que nos leva a engolir a realidade. Realça-se uma das faces mais contundentes do conhecimento científico: saber pensar, questionar (Demo, 2010a). Para comunicar-se no grupo social a atividade de questionamento sempre pode ocorrer, mas não é o sentido primordial, pois suspeitar da comunicação comum é, em grande parte, emperrá-la. Em especial na linguagem cotidiana o que conta é o fluxo comunicativo desimpedido, como ocorre quando “jogamos conversa fora”; podemos questionar, mas o questionador logo vira um chato. Toda fofoca pode ser questionada, mas o sentido da fofoca é veicular informação sem preocupação maior com sua veracidade. Qualquer fala pode ser contraditada, porque os sentidos hermenêuticos nunca são transparentes ao ponto de não caber divergência. Mas, quando sentamos à mesa de um bar com amigos para beber cerveja e bater papo, não discursamos formalmente (seria pernóstico), não exigimos comprovação (seria presunçoso), não buscamos argumentos elaborados (seria excessivo); queremos tagarelar, permutar opiniões, falar por falar. Fica excluída a pretensão de confrontar-se com o discurso do outro formalmente, como é em ciência, onde só vale o que tem devido argumento formalizado.
Paulo Freire montou a expressão “ler a realidade” no contexto da pedagogia do oprimido e da autonomia, com vigorosa pretensão epistemológica questionadora, no sentido de saber confrontar-se com ela (a opressão). Enquanto o oprimido não “ler a realidade” de modo crítico e confrontador, ainda tende a esperar do opressor sua libertação. A realidade vigente esconde a opressão em sua estruturação; o opressor a vê como “normal”; o oprimido precisa vê-la como imposta, injusta. Neste sentido, Freire se antecipou marcantemente à discussão atual da educação científica, por inserir no verbo “ler” a dimensão analítica desconstrutiva de quem, ao ler a realidade, com ela se confronta analítica e politicamente. Captou incisivamente a politicidade da leitura, que já não é leitura solta, intermitente, por lazer e distração (que vale também), mas aquela propriamente desconstrutiva. O oprimido precisa desconstruir a opressão, para poder libertar-se do opressor. Nem sempre o oprimido consegue fazer isso sozinho. É aí que entra o intelectual orgânico, que Gramsci entendia como gente suficientemente intelectualizada para poder contribuir na leitura da realidade, do ponto de vista do oprimido. Paulo Freire foi muito além, ao propor que todo alfabetizador é, na prática, um intelectual orgânico que media a linguagem científica para quem tem alguma dificuldade de a dominar. Por isso, realçou a politicidade da alfabetização como processo de desvendamento desconstrutivo da realidade que precisa ser subvertida, transformada.
Conhecimento científico tem, entre suas muitas marcas, a de ser discurso desconstrutivo, rebelde, confrontador (Demo, 2012), em geral contra o senso comum, ou seja, contra saberes que não se autoquestionam. O primeiro gesto do conhecimento é desconstrutivo: desconstrói o que se imagina já saber, o que se pretende ainda saber, o que está valendo no momento na comunidade científica, apontando para a incompletude natural de todo conhecimento intersubjetivo e das teorias vigentes. Harari (2015) reconhece no “sapiens” (do Homo Sapiens) a capacidade de lidar bem com a ignorância – o conhecimento científico avança porque a ignorância o fustiga inclementemente – quanto mais avança, mais a fronteira se afasta, porque o que há para conhecer é sempre muito mais do que já se conhece (Harari, 2017. Firestein, 2012). Chega-se a conhecimento novo desfazendo o velho. Desfazer contém uma gama imensa de gradações, que vão desde apenas retocar, mexer um pouquinho, até virar a mesa. No amanhecer da modernidade científica aconteceu profunda virada de mesa, quando cientistas como Galilei abandonaram a visão comum da realidade, usando nova linguagem formalizada e instrumentação observacional empírica, matematizada em especial, para mostrar que o senso comum não podia subsistir. Se é a terra que gira em torno do sol ou o contrário, não é o Papa quem decide, mas a pesquisa científica. Esta tinha a missão árdua e arriscada de se confrontar com a mundivisão vigente baseada no argumento de autoridade, conclamando a autoridade do argumento. Concretamente, pedia-se outro modo de “ler a realidade”. Quem sabe ler a realidade, não a aceita como é vista comumente; quer decompô-la em suas entranhas para subvertê-la. Galilei e comparsas ganharam a batalha, a duras penas, por conta dos argumentos científicos, não por conta do senso comum; este não cabe, porque, precisamente, não sabe ler a realidade de maneira questionadora deconstrutiva.
O segundo gesto do conhecimento é reconstrutivo: estrutura visão alternativa da realidade que, com o tempo, também envelhece e precisa de desconstrução (Kuhn, 1975). Este movimento lembra a teoria da equilibração piagetiana (Piaget, 1990). A criança, ao lidar com a realidade, monta um esquema de entendimento que a satisfaz no momento; logo percebe que nem tudo cabe no esquema e precisa refazer, ou seja, quando se equilibra num esquema, descobre que não dá conta de tudo, carecendo desequilibrar-se. É assim que se aprende: desconstruindo, reconstruindo interminavelmente, na posição de autor. As teorias são sempre apenas “reconstruções”, tanto porque partem das teorizações já existentes, quanto porque serão, em seguida, reconstruídas. Podemos ver isso claramente nas teses de doutorado: desconstrói-se o legado teórico vigente (revisão da literatura, em geral mansa ou mesmo reprodutiva) para reconstruir um legado próprio (autoria do doutorando), tocando a gangorra para frente. Kuhn (1975) também anotou este movimento com extrema sagacidade, ao indicar que a institucionalização da ciência a leva para a mediocridade, porque a autoridade do argumento vai se transmutando em argumento de autoridade: o fiel é preferido ao competente.
A esta altura vem a questão: para ler a realidade de maneira desconstrutiva e confrontadora, qual conhecimento seria o mais apropriado? Em sociedade existem muitos tipos de conhecimento, dentro de um espectro sem fim de tonalidades possíveis. Na parte mais baixa do espectro, aparecem conhecimentos ditos “comuns”, do “senso comum”, que foram rigidamente questionados por Bachelard (1972; 1968; 1971; 1973. Canguilhem, 2011), por serem tipicamente acríticos; creem no que veem, nas aparências. Apenas aparentemente o sol gira em torno da terra; uma “leitura desconstrutiva” do fenômeno conclui que é ao contrário, mesmo que conste da bíblia. Perto do senso comum está também o conhecimento religioso, um dos saberes mais esparramados e comuns na história humana (Bellah, 2011); o modernismo prometeu extirpá-lo, via secularização, ciência, experimentação, mas, até hoje, persiste e com vitalidade sempre reinventada. Provavelmente, assim como o senso comum corresponde a uma necessidade humana “universal” de comunicação desimpedida e solta, saberes religiosos também são “necessidade humana”. Orienta-se pela fé em realidades sobrenaturais, não pela percepção lógico-experimental (Shermer, 2011). No formato da “teologia” pode ser um saber extremamente sofisticado, não raro utilizando referências científicas. Um pouco mais acima estão sabedorias mais elaboradas, de cunho filosófico e moral, que são patrimônio fundamental da história humana. Podem ser muito críticas, mas no sentido moral e filosófico, não em termos de questionar a realidade como tal com instrumentação científica. Todo povo e cultura desenvolvem suas sabedorias que espelham modos preferenciais de viver, são preservados na comunidade e servem de orientação para a vida. Pode-se colocar por aí também o bom senso, um tipo de saber apropriado para resolver problemas imediatos sem maiores elucubrações, em geral recorrendo à experiência. Quem tem bom senso não complica as coisas, procura entender as razões com complacência, como no caso de uma traquinagem do filho: há o pai que esbraveja e traumatiza o filho; há o outro que contorna, chama a atenção, mas mantém a confiança dele. Diríamos que no segundo caso houve bom senso.
Conhecimento literário também tem lugar cativo, desde sempre, indicando um tipo de produção do saber cabível no que se chama “literatura”, por vezes com grande sofisticação de tramas de novelas e romances, bem como de poesias exigentes. Tem tamanha importância que faz parte também dos Prêmios Nobel. Foi referência fundamental da leitura como expediente de aprendizagem, para enriquecer o vocabulário, aprender gramática, tornar-se autor lendo autor, deter assunto para boa conversa, ser “culto” ou “lido”. Esta produção continua em alta, mas tende a recuar em face de novos concorrentes, em especial do mundo digital. Toda sociedade dedica-se a preservar seu patrimônio literário, porque nele está a história de sua criatividade. Neste patamar elevado inclui-se arte, também com infindas gradações, desde o primitivismo até a “abstrata”, marcada pelo gesto humano de não sucumbir à realidade como nos parece (Klein, 2002), em franca rebeldia, muitas vezes observada no comportamento de “artistas” que chocam a socialização dominante. Indica dimensões alternativas importantes para a formação humana como o horizonte do belo, da criatividade solta, da autorrealização, para além dos imediatismos, valores apenas materiais etc. É tamanha sua relevância que sempre reaparece nas pedagogias como referência fundamental de formação, ainda que, muitas vezes, arte na escola só preencha tempo, adorne eventos, distraia.
Mais acima aparece filosofia que, por sua vez, admite mil gradações, podendo ser também concorrente à altura do conhecimento científico, como em filósofos muito versados em matemática, instrumentação científica, epistemologias bem elaboradas (exemplo de Popper, 1958). No sentido mais corriqueiro filosofia é um tipo de saber menos comprometido com formalizações metódicas, e que, por isso, permite-se elucubrar metafísicas. Tem enorme história e respeito; aparece até hoje no PhD (Doctor Philosophiae). Permanece como curso universitário e facilmente está entre os mais complexos e exigentes, quando tomado a sério. Nesta região podemos indicar o conhecimento jornalístico, que tomou conta dos meios de comunicação, entendido como mediação da informação para grandes públicos, com esperada simplificação, facilitação. O acento está em saber comunicar-se, não tanto na estringência informativa, embora esta seja crucial também, razão pela qual noticia-se o que tem impacto (ou vende), não o que é informação apenas. Tornou-se leitura diária da grande maioria que prefere texto mastigado a texto duro e exaustivo. Existe, certamente, jornalismo “analítico”, para indicar mediações bem mais sofisticadas (por exemplo, de jornalistas de ciência que têm PhD em física ou matemática, para poderem estar à altura dos pesquisadores profissionais) e que aliam a leveza da comunicação com a profundidade dos tópicos. Mas, o mais comum é jornalismo entendido como texto acomodado, para leitura ligeira e facilitada.
Fenômeno mais novo e muito incisivo é a produção (ou melhor, reprodução) de saberes no mundo digital (na web em particular) que tornou a comunicação e informação dinâmicas ao alcance de grandes maiorias, com fácil rebaixamento dos conteúdos. A busca de informação se popularizou, já que na web “tem tudo”, todos os conteúdos curriculares em mil versões, todos os diagnósticos médicos, em especial de doenças graves (câncer, por exemplo), todas as receitas para tudo (Khan, 2012). Entre as fontes mais usadas está a Wikipédia, por abrigar algum rigor científico, tendo se tornado, na prática, leitura única de muitos estudantes. Ninguém vai à biblioteca, a não ser em casos muito específicos, como feitura de dissertação ou tese. A leitura mudou e até mesmo “como pensamos” (Hayles, 2012. Hayles & Pressman, 2013). No lado negativo, há muita preocupação e crítica com plágio, a começar pelas “aulas” (copiadas para serem copiadas) (Carr, 2010; 2015. Blum, 2009), uso abusivo deturpante da gramática (internetês) (Crystal, 2009), comercialização da web 2.0 (Marwick, 2013), etc. No lado positivo, aclamam-se “novas epistemologias” (à la Wikipédia) voltadas para estilos “abertos” de fazer ciência, mais populares e com autorrenovação constante (Nielsen, 2012. Demo, 2011), videogames sérios que, para alguns são o melhor ambiente de aprendizagem disponível hoje (Gee, 2014. Prensky, 2010), acesso a big data digitalizados (megadados) (Pentland, 2014), montagem de comunidades virtuais de aprendizagem (Zucker, 2008. Zhang, 2009. West, 2008), emergência de textos multimodais (unindo impresso com som, imagem, animação, vídeos, etc.) (Warschauer, 2011. Pegrum, 2011). Ciência aberta não substitui a tradicional mais sofisticada, mas é digno de nota que a fabricação de ciência tenha se popularizado, até certo ponto, contribuindo muito para que mais pessoas aproveitem as benesses do método científico.
Mais acima ou já no topo do espectro temos conhecimento científico, com muitas modulações, a começar pelas distinções clássicas entre ciências exatas e naturais e as “outras”, marcadas pela “menoridade”. Entre seus traços mais distintivos está a de ser a linguagem canônica da ciência, matematizada, formalizada, abstrata, linear, como traduz (com muita ironia) Foucault em seu “A ordem do discurso” (2000). Prenunciada na Grécia Antiga, por figuras como Sócrates, Platão, Aristóteles, Pitágoras, amadureceu incisivamente no modernismo com sua base lógico-experimental do método (Demo, 2011b). Aparecia outra maneira de “ler a realidade”, em geral vista como antípoda ao senso comum, à religião, à alquimia, à teologia etc., preconizando que toda realidade pode ser decomposta em unidades menores discretas e mensuráveis, matematicamente modeláveis, permitindo chegar a fundo dela, onde, além de ser simples, teria também explicação simples (final feliz entre ontologia e epistemologia). Pairou no ar (até hoje) a pretensão de “explicação final”, talvez uma fórmula matemática que contivesse tudo em sua simplicidade (Hawking, 2006). O esforço hercúleo de libertar-se dos outros conhecimentos “inferiores” propiciou a empáfia da ciência que, ancorada inicialmente na autoridade do argumento capaz de se autossustentar, retornou ao argumento de autoridade, à medida que virou conhecimento único. Mesmo assim, método científico talvez tenha sido a maior tecnologia do espírito no ocidente. Tornou-se possível ler a realidade de maneira pretensamente objetiva, neutra, matematicamente adequada, facultando manipulação dela sem precedentes, o que vem comprovado soberbamente nas tecnologias (Kelly, 2011). Era tipo de conhecimento contundentemente emancipador porque duramente desconstrutivo, agressivo, demolidor, ainda que intestinamente ambíguo, em especial eticamente.
A sina mais severa do conhecimento científico é sua pecha eurocêntrica, colonialista, insustentável, submetido ao mercado liberal. Emancipação, certamente, não precisa ser necessariamente eurocêntrica; não faria sentido, porque apenas trocaríamos de opressor. Buscamos no conhecimento científico, não a marca eurocêntrica, mas emancipatória, mesmo sendo tão ambígua.
III. CIÊNCIA E MÉTODO
Todo conhecimento é modo de ler a realidade, a tecnologia humana para dar conta da realidade que, ao final, não dominamos por inteiro nunca. A realidade que entendemos é sempre apenas um pedaço dela, do ponto de vista do observador, como diria Maturana (2001). Conhecimento perfeito ou final está fora de alcance, também porque somos criaturas finitas, limitadas, evolucionárias. O que a ciência produz é modo mais metódico de ler a realidade, por vezes acerbamente controlado (metódica e intersubjetivamente), de cunho lógico-experimental, o que já introduz uma cunha seletiva iniludível: ao final, é real o que cabe no método, como pontifica o positivismo (Demo, 2011c). Em parte, esta obsessão por neutralidade/objetividade se devia ao esforço de distanciamento de outros conhecimentos devassos, para impedir que ideologias, preferências, autoridades, preconceitos, sensos comuns contaminassem ciência. O recurso a formalizações rigorosas indicava o cuidado com proposições estritamente argumentadas, capazes de se autossustentarem sem qualquer apelo a tutores. Entronizou-se “evidência” como o procedimento capaz de tornar uma teoria suficientemente fundada no método lógico-experimental, a ponto de fazer-se impositiva para todos (validade universal). Entrou em cena o materialismo científico implacável: realidade é matéria, e mensurável. Qualquer tópico, por mais complexo ou mirabolante que seja, é abordado pelas beiradas mensuráveis, a partir das quais se penetra em seus recônditos, passo a passo, analiticamente, na suposição de que o todo é apenas a soma das partes. O que não se mensura, não se entende (Latour, 2013. Laszlo, 2016).
Em inúmeros outros lugares trabalhei tais propriedades epistemológicas e sociológicas do conhecimento científico, razão pela qual não vou retomar isso aqui. Pretendo construir – preliminarmente – um apanhado de traços da ciência que valorizam seu lado abstrato, lógico, analítico, com pretensões de validade universal. Ao final, temos como objetivo elucidar o que teria mudado na leitura da realidade nos tempos atuais e o que isto implica para as alfabetizações. Ao fundo, vamos perscrutar potencialidades emancipatórias deste tipo de conhecimento.
É comum entre nós valorizar o senso comum e saberes comunitários, em geral à sombra da monumental obra de Santos (Epistemologia do sul e Conhecimento prudente para uma vida decente) (2009; 2004. Santos & Meneses, 2009). Incomodado com a visão feroz de Bachelard contra o senso comum, interpôs um segundo corte epistemológico para achar um lugar para tipos de conhecimento menos modernistas e não menos importantes para a vida das pessoas, concretamente. Queria contrapor-se à destruição aética dos conhecimentos alternativos, em nome do conhecimento único. Enquanto tem razão nesta empreitada, denunciando a prepotência eurocêntrica epistemológica, seu impacto entre nós foi dúbio, deslanchando uma busca apressada de conhecimentos que, embora sempre pertinentes, não possuem ímpeto emancipatório, por não serem capazes de abalar a opressão, competentemente. Ajudou nesta rota dúbia também o aproveitamento temerário da pesquisa dita qualitativa (Demo, 2001; 2004), que, embora necessária para ler a realidade (em especial em suas dimensões “intensas”), tende a ser vista como fuga de rigores metódicos, em especial de estatística/matemática. Quando tomada a sério (veja exemplo de Resende, 2015), pesquisa qualitativa é facilmente bem mais complexa e demandante que a quantitativa, precisamente porque, não podendo dispensar a formalização do objeto, precisa caprichar tanto mais em sua credibilidade intersubjetiva. Mas este não é o ponto que nos move aqui. O que nos move é a temeridade de apelar para conhecimentos impotentes em termos emancipatórios, porque não conseguem minimamente “ler a realidade” dos oprimidos, bem na contramão da proposta freireana. Colocando-se, então, a pergunta – o que conhecimento científico tem de emancipatório, que não encontramos em outros tipos de conhecimento, em especial no senso comum? – nos leva a indagar por seus procedimentos metódicos mais aptos a desconstruir a opressão, mesmo sendo ele clamorosamente ambíguo e eticamente problemático. Primeiro, vamos explorar algumas facetas desta capacidade desconstrutiva; depois faremos a crítica do colonialismo científico.
1. Capacidade desconstrutiva
Analisar, como o próprio termo indica (dividir em partes), implica desconstruir as partes, para olhá-las por dentro, em particular não seguir saberes já cristalizados apegados às aparências. Foi assim que se chegou aos “átomos”, que críamos ser o fundo do poço, para logo descobrir que o mundo subatômico é também incomensurável (Laszlo & Peake, 2014. Carroll, 2016). Na superfície, a realidade não parece composta de partículas minúsculas, em movimentação frenética; ao contrário, vemos coisas sólidas, paradas, firmes, como a escrivaninha ou o computador. Esta é, porém, leitura incorreta; usando o método científico podemos desconstruí-la, penetrando camadas internas cada vez mais profundas e, esperadamente, essenciais. Neste sentido, podemos afirmar que ciência “estraçalha” o objeto, virando pelo avesso, para ver o que tem dentro.
Um dos primeiros passos é “abstrair” versões particulares, selecionando dimensões universais abstratas (generalizantes), como é o caso em qualquer “conceptualização” – conceito é o apanhado de marcas abstratas universalizáveis de qualquer objeto concreto, digamos, uma árvore; esta (uma mangueira) é concreta, “a” árvore é abstrata e deteria as marcas próprias de toda árvore concreta. É a rota para acharmos leis, códigos, regularidades, e, sobretudo, validades universais. A indução faz precisamente isso: partindo de casos concretos, eleva-se a uma afirmação geral, supondo-se que a generalização seja adequada ou pelo menos provável. É o que a pesquisa empírica faz toda hora: de uma amostra estatisticamente regulada, ser capaz de generalização, por exemplo, em previsões eleitorais (que andam mal-afamadas ultimamente). Com os big data (megadados - https://pt.wikipedia.org/wiki/Big_data) de hoje – amostras astronômicas que permitem médias finíssimas (Pentland, 2014. Marz & Warren, 2015. Mayer-Schönberger & Cuckier, 2013) – o alcance relativo da universalização melhorou por demais, embora, como alega Popper (1958. Demo, 2000), ela nunca possa ser completa. A capacidade de abstração é habilidade extremamente poderosa porque permite à mente aplicar marcas generalizáveis para outras situações, não precisando começar de novo. Perante os infindos riscos à sobrevivência na natureza, é vital cercar-se deste tipo de conhecimento que vamos alargando com a experiência e uso, montando uma rede de percepções universalizáveis. Matemática é típica: um edifício enorme completamente abstrato, por isso generalizável e com pretensão de validade universal.
Ademais, a abstração teria o poder de indicar objetiva e neutralmente a realidade, afastando-se de ideologias em especial que tendem a conspurcar o entendimento dela. Esta rota é assegurada pela mensuração de tudo que cai na rede científica, para que seja devidamente experimentado e controlado. Este cuidado é muito questionado, em particular a pretensão de objetividade/neutralidade, mas tem sua razão (em epistemologias mais críticas, claro). Interessa ao conhecimento captar a realidade assim como ela é, objetivamente. Para chegar à Lua, não adianta ideologia (pragmaticamente); o que resolve é matemática. Evidentemente, o projeto de ir à Lua é “ideológico”, como todo projeto humano (político), mas sua montagem técnico-científica segue os parâmetros do método, até porque é empreitada extremamente arriscada. Cientistas não são objetivos/neutros, porque a condição humana não permite; mas suas teorizações podem “aproximar-se” – não mais que isso – de procedimentos que pretendem captar a realidade observável assim como ela é. Nenhuma teoria é completa, também porque a natureza é incompleta (Deacon, 2012), por mais que use formalizações abstratas analíticas. Mesmo que aceitemos terem estas validade universal, o cientista não tem.
A ciência trabalha, na prática, com um objeto construído, no sentido de ser teoricamente modelado (não necessariamente inventado, como no construcionismo), abstrato, mas é, como aponta Latour (2005), o mais bem construído que temos. Apesar de ser procedimento aproximado, sempre revisável, aberto a futuras falsificações, permite manejo satisfatório da realidade, como indicam as tecnologias. Não sabemos até hoje o que eletricidade é, mas damos conta dela (domesticamos para uso tranquilo). Segue que este é um tipo de leitura da realidade mais confiável, porque cercado de controles metódicos. A isto alia-se a habilidade desconstrutiva que apanha a politicidade da epistemologia, como via Foucault na “arqueologia do saber” (1971): todo objeto cientifico é desbastado, modelado, esquadrinhado, literalmente desconstruído, com ostensiva impiedade (objetiva e neutralmente, se fosse possível). O oprimido que não sabe ler a realidade, toma opressão como norma social, algo dado e definitivo, ocupando ele o lugar que lhe seria próprio. Mas o oprimido que sabe ler a realidade a desconstrói metodicamente, descobrindo logo que não é algo dado, achado fortuitamente, apropriado, mas historicamente causado/imposto e que pode/deve ser mudado, dependendo isso do oprimido.
Ocorre nesse processo de desconstrução:
a) decomposição da opressão em seus componentes estruturais, entre eles: criação/manutenção da desigualdade social; artimanhas do privilegiamento de poucos; construção de normas injustas naturalizadas; intensidade e extensão de processos opressivos; etc.;
b) análise histórica da opressão para entender a gênese do fenômeno e seus componentes mais visíveis, como ideologias, fundos religiosos e culturais, reprodução das estruturas de poder em família, na escola, na sociedade, no mercado de trabalho etc.;
c) entendimento dos atores envolvidos na disputa, a começar pela descoberta da politicidade das posições sociais: como os opressores mantêm a ordem vigente como norma não questionável, e como os oprimidos se acomodam por violência ou por assistências; como se esconde por trás de pretensas convivências naturais espectros gritantes de injustiça e prepotência;
d) participação das estruturas e instituições sociais, em especial de governos e culturas, que encampam a opressão como expressão natural da sociedade, dividindo entre poucos privilegiados e muitos marginalizados; privação dos oprimidos de acesso a meios de conscientização (cultivo do analfabetismo político); processos de imbecilização;
e) níveis da desigualdade no confronto, não conseguindo o oprimido lutar com as mesmas armas (por exemplo, escola pobre para o pobre), enquanto os privilegiados têm o monopólio da violência (que deveria ser do Estado, mas este é fantoche), da educação de melhor qualidade, dos melhores empregos e salários;
f) percepção de que, para mudar, é preciso virar a mesa, acabando de vez com a expectativa subalterna de esperar do opressor a libertação; urge projeto alternativo, no qual se medem forças com armas equalizadas;
g) busca de entendimento mais adequado e acurado da opressão, recorrendo a expertos que podem contribuir analiticamente (intelectuais orgânicos, por exemplo).
Torna-se patente que conhecimentos menos modernistas não dão conta da empreitada, pela simples razão de não serem vocacionalmente desconstrutivos. Ao contrário, tendem a abonar a opressão como fenômeno dado, normal. Precisa-se da fúria analítica do conhecimento científico. O oprimido descobre que o problema precisa ser abstraído da concretude imediata, porque é comum a muita gente, talvez mesmo uma dimensão recorrente na história humana. Descobre que a abstração do imediatismo lhe confere chance de construir saídas mais realistas (com as mesmas armas). Ler a realidade um pouco mais “objetivamente” serve para tomar providências mais realistas. Analisar a opressão cientificamente implica sacar sua estrutura de vigência, sua institucionalização injusta e imposta, as desigualdades de forças em luta, a necessidade de desobstruir os acessos, e assim por diante, e de modo mais “objetivo” possível. Não vale adocicar a pílula, açucarar a visão, passar a mão; vale confrontar-se “objetivamente”, para ser viável ação concreta à altura.
Quando humanos se defrontam com fenômenos desconhecidos, sobretudo atemorizadores, reagem em três lances, como regra: i) tentam achar no fenômeno dinâmicas já conhecidas, familiares, porque estas podem ser porta de entrada, permitindo nos acalmar; ii) correm atrás do que se repete, para surpreender estruturas recorrentes, com as quais podemos contar (negativa ou positivamente); iii) se nada der certo, impomos um ordenamento das dinâmicas, procedimento que chamamos de “teoria”, ou seja, a modelagem reducionista e simplificada de complexidades, para que possamos dar conta dela, aproximativamente. A mente humana encaixou esta estratégia evolucionária: sendo a realidade extremamente mais complexa do que aparece e não podendo dar conta dela plenamente, comemos o mingau pelas beiradas, analítica e abstratamente, decompondo o todo em partes, pois, para vencer o inimigo, é fundamental dividi-lo. Trata-se de estratégia epistemológica, marcantemente política, no sentido da argúcia humana em dar conta de algo que é maior ela, garantindo modos mais seguros de sobrevivência. As teorias não conseguem validade universal, porque são também produtos sociais, mas incluem formalizações que podem ter. Estas facultam abordar fenômenos novos sem reinventar a roda. Para entender a realidade mais apropriadamente, cumpre dissolvê-la analiticamente, desvelar recorrências, similitudes, divergências, surpreender dinâmicas soterradas e decisivas, sem nos perdermos em imediatismos localizados, concretudes simplórias, que apenas descrevemos, não explicamos.
2. Contos do vigário
Embora ocorrida há mais de 2 mil anos, a visão socrática de conhecimento ainda é um dom inestimável: não basta ser crítico; sua marca mais potente é a autocrítica. Pretendia um saber com desconfiômetro sempre ligado, o que hoje se aclama nas “novas epistemologias” (Demo, 2011a). Sócrates manejava com rara elegância a condição limitada do conhecimento, mesmo o mais rebuscado – quem sabe, sabe antes que pouco ou nada sabe! Não temos a condição de olhar a realidade de fora ou de cima, mas de dentro, como parte, parcialmente (ponto de vista do observador). A ciência não nos dá certezas, mas diminui muito as incertezas (Firestein, 2012). Não é viável construir a engenharia genética, a tecnologia espacial ou digital, com senso comum, teologia, sabedorias, tagarelices... Uma ciência autocrítica pode ser “mais humana”, porque se flagra em seus desmandos e os pode controlar relativamente. No entanto, na prática, o conhecimento científico, aproveitando-se sobretudo das formalizações abstratas, virou religião, transformando pretensões de validade universal em dogmáticas inapeláveis. Fez da “boa intenção” da objetividade e neutralidade do método um petardo frontal, como se resultados científicos pudessem ser definitivos, ou indiscutíveis, perdendo uma das marcas epistemológicas mais fulgurantes, que é a cientificidade autocrítica. Incomoda a muitos dogmáticos a marca aberta da Wikipédia, precisamente porque ainda vivem da pretensão teológica canônica de validades universais indiscutíveis. Sempre que ciência se faz indiscutível, volta para a sacristia.
Não estou discutindo aqui fatos científicos, como descoberta de leis naturais. Estou discutindo sua construção científica em teorias, que nunca é completa. Por isso, hoje, estamos vivendo um “renascimento” da ciência, à medida que tudo ou quase tudo está sendo questionado, em parte por conta das intrigas quânticas (Laszlo & Peake, 2014. Laszlo, 2016). Dizem alguns que sabemos apenas 5% do universo, ou seja, nada! (Ananthaswamy, 2010. Thomas, 2015; 2016). Precisamos reinventar ciência (Nowak, 2011. Demo, 2012a). Isto não a diminui em nada. Ao contrário, aponta para seu lado mais brilhante e produtivo, sua autorrenovação, fomentada principalmente pela autocrítica. Questiona-se até mesmo o caráter imutável das leis (Unger & Smolin, 2014) – seriam também históricas – bem como que a teoria evolucionária daria conta de fenômenos inarredáveis como a mente ou a consciência (Nagel, 2012. Koch, 2012). Seria consciência propriedade do universo, como eletricidade? Conclusão: não sabemos o que é a realidade... Mas precisamos lê-la!
O que tem incomodado no conhecimento científico é sua marca eurocêntrica, antropocêntrica, colonialista e insustentável, entre outras. Sendo típica instrumentação (ou tecnologia), serve para qualquer fim, em especial para proveito de minorias prepotentes. Se a habilidade desconstrutiva é fundamental para o ímpeto emancipatório, é um problema global a destruição de outros saberes e culturas, a condenação à subalternidade de grandes maiorias mundiais, a adoção conservadora do mercado liberal como ordem das coisas, a produção de tecnologias e produtos insustentáveis, agravando sumamente as condições ambientais do planeta e a sobrevivência da espécie (Harding, 2011). O modernismo científico foi apropriado pelo capitalismo, resultando em tecnologias de altíssima produtividade, mas muito agressivas ao meio ambiente e à sociedade, agravando, entre outras coisas, as desigualdades sociais. Cada vez mais se fala no 1% que tem quase tudo, contra 99% que não têm quase nada (Kaplan, 2015). Como alega Morozov (2011), tecnologia em si é neutra, mas nunca é na prática, porque é projeto concreto de sociedades concretas. Sua politicidade é escancarada em seus usos e projetos. Embora falemos de globalização e mundo plano (Friedman, 2005), o bem-estar mais elevado é uma ilha e não dá sinais de que possa ser alargado, até porque é inviável: precisaríamos de vários planetas!
Eis a ambiguidade incômoda que devora o conhecimento científico. Possivelmente um dos maiores trunfos humanos, tem trazido muita dor de cabeça, porque a emancipação que daí vem, também é ambígua, naturalmente. Dizia Paulo Freire que o liberto de hoje pode ser o opressor de amanhã; basta que chegue ao poder (1997). Gente emancipada pode transformar-se em opressora, porque sabe da força do conhecimento científico. Para contornar esta pecha, cumpre trazer à discussão a questão ética e autocrítica do conhecimento. Como tecnologia, conhecimento científico é avanço estupendo na história humana, porque permite manipular a realidade, a natureza e mesmo a evolução, produzindo ímpetos emancipatórios contundentes, mas sempre de modo ambíguo, porque somos ambíguos. No entanto, esta condição ambígua também é prova importante de que outros conhecimentos não são suficientemente aptos para emancipar – assim como, para emancipar, urge usar ciência, para oprimir, também! Isto tinha em mente Paulo Freire quando esperava da alfabetização a capacidade de “ler a realidade”. É preciso saber lidar com as marcas científicas emancipatórias, para ser possível estraçalhar a opressão, erigindo projeto alternativo de autonomia/autoria. Mas esta vitória pode evoluir para nova opressão. Por isso, conhecimento não pode afastar-se de ética e autocrítica.
Na prática, “intelectuais orgânicos” despreparados oferecem ao pobre coisa pobre, quando, em geral com a melhor das intenções, querem valorizar saberes populares. Estes são importantíssimos para outros contextos, mas não para emancipar. O oprimido precisa confrontar-se com a opressão, com o opressor, para sair da subalternidade. Precisa, pois, de conhecimento altamente desconstrutivo, agressivo, implacável analítica e abstratamente. Não vamos colocar que conhecimento científico é o único emancipatório, porque voltaríamos a validades impróprias que apenas escondem artimanhas de poder. Mas é o mais próximo, hoje. Embora só possa levantar pretensões de validade universal em suas formalizações (contesta-se isso hoje também), tem validade maior que outros conhecimentos, ainda que sempre “relativa” (não relativista). A pretensão de validade universal para as teorias científicas (não só para suas formalizações) foi muito abalada pelo teorema da incompletude de Gödel (Nagel, 2008), embora a discussão se prejudique pela questão do relativismo. Teorias científicas, até por seu cuidado metodológico, valem sim, mais que qualquer outro discurso como acentua Latour (2005), mas não absolutamente, porque validade absoluta é termo religioso, da fé. Teorias, em termos existenciais, têm a validade do teórico: também morre.
Ler a realidade, na visão de Paulo Freire, implica gesto formal e político, conjugado. Um não substitui o outro. Para confrontar-se com a opressão, urge saber formalmente do que se trata, como é preciso saber das coisas para chegar à Lua ou para fazer um avião voar. O oprimido precisa, por si ou com auxílio mediador, decompor o fenômeno da opressão, usando para isso instrumentação formal analítica, tipicamente abstrata, “objetiva”, informar-se das dimensões extensas e intensas da situação, as condições de luta e confronto. Este é o plano formal científico que aparece em qualquer projeto de entendimento e mudança da realidade. Para montar o Bolsa-Família uma tecnocracia visivelmente competente fez este esforço: dimensionou cientificamente o desafio, mediu a pobreza vigente, quantificou as demandas e ofertas possíveis, calculou o orçamento, montou uma estrutura de gestão, definiu as assistências e condicionalidades, divisou mecanismos para alcançar entre os pobres os mais pobres (Campello & Neri, 2013). O programa, porém, também é político, porque busca confrontar-se com o status quo, tocar as desigualdades sociais vigentes, abrir oportunidades para os oprimidos. Esta pretensão política não se faz sem a científica e vice-versa. Amadorismo aí não adianta, nem no lado formal, nem no lado político. Os oprimidos precisam de chance de vitória e esta se elabora no aconchego analítico abstrato da luta possível, manejando o entendimento formal da realidade e condições de intervenção política. Saiu disso um programa muito importante, de grande cobertura, que angariou respeito mundial. No entanto, não conseguiu imprimir alcance emancipatório, tanto porque o diagnóstico formal foi muito incompleto (ficou apenas nas carências socioeconômicas, sem dimensionar a pobreza política), quanto porque, não sendo o oprimido protagonista do Programa – é apenas beneficiário – mantém seu destino nas mãos do opressor. Pobreza não está sendo devidamente confrontada, desconstruída, por deficiência de análise formal abstrata, e por déficit clamoroso de cidadania nos oprimidos que são acomodados no programa.
SEGUNDA PARTE
Alguns argumentos em favor da educação científica
IV. EFEITO FLYNN
Refere-se a ganhos em QI ocorridos no século passado, que Flynn atribui ao desenvolvimento do pensamento abstrato e analítico na sociedade (ocidental mormente) (2012; 2009). É certamente uma hipótese gigantesca, cuja evidência vai ficar sempre pela metade, se tanto, mas chamou muito a atenção porque indica um reflexo fundamental do Iluminismo: o possível valor emancipatório da ciência. Há muita controvérsia no pedaço, a começar pela noção do QI, um conceito/prática extremamente disseminado em psicologia, mas ainda objeto de questionamento contínuo. Embora tudo possa ser medido em sociedade (Hubbard, 2010), pelo menos para fins utilitaristas (lidamos melhor com o que pretensamente medimos), é sempre uma ganância medir inteligência. Este conceito foi estudado per longum et latum em psicologia e estatística, buscando discriminar aspectos da inteligência, para medir a cada um em seu lugar, com destaque para o fator g, a habilidade mais generalizável da inteligência voltada para soluções de problemas complexos, usando estratégias de abstração analítica. Maas et alii (2014) replicam uma asserção de Boring (1923) de que inteligência é o que o QI mede, uma tirada positivista escrachada que afirma, sem mais, que “inteligência é o que teste de inteligência mede”. Ignora-se que medidas estatísticas são construtos teóricos abstratos, cuja capacidade de medida é sempre apenas aproximativa, pois ela já é uma interpretação. Quando damos uma nota a uma prova do estudante, estamos já supondo que o conteúdo pode ser avaliado por nota, o que é discutível, claro. Podemos estar quantificando dinâmicas intensas, algo sempre possível, mas muito aproximativamente. É fácil quantificar o número de amigos, mas difícil falar sobre a intensidade da amizade. Esta também pode ser medida, quando a reduzimos a relações extensas, mas é apenas uma estratégia aproximativa, em parte também deturpante. Não vou avançar nesta querela, apenas deixo claro que definir inteligência exige mais inteligência do que se supõe.
Aproveito uma análise bem recente de Pietschnig e Voracek (2015) que faz um balanço do Efeito Flynn de 1909 a 2013, ao estilo de meta-análise de 271 amostras independentes em 31 países e 219 estudos. Reconhecem que o efeito varia “enigmaticamente” nos países e domínios da inteligência, sendo que “seu significado substantivo e causas” permanecem elusivas (p. 282). Mesmo assim, houve ganhos enormes de QI no período, sendo a hipótese de Flynn que teriam ocorrido à luz do impacto do Iluminismo na sociedade (abandono do pensamento concreto imediatista paroquial em favor do analítico abstrato universalizante). “Causas” não seriam propriamente genéticas, mas ambientais, com destaque para a escolarização, quando bem sucedida, ao lado do tamanho da família, tecnologia e mudanças no comportamento dos que tomam os testes (à medida que se tornam mais comuns, as pessoas se habituam e preparam melhor).
A figura abaixo mostra a evolução dos ganhos em QI para três domínios de inteligência, além da média geral (fullscale IQ): QI espacial que teve desempenho pelo meio; QI cristalizado que teve o menor desempenho; QI fluido que teve o maior desempenho. As definições dos domínios é também controversa, mas é possível distinguir. Por QI fluido (inteligência ou raciocínio fluido) entende-se a capacidade de raciocinar e resolver novos problemas, “independente de todo conhecimento do passado” (https://en.wikipedia.org/wiki/Fluid_and_crystallized_intelligence#mw-head) (Jaeggi et alii, 2008). Cabe logo anotar que esta separação é forçada: como se iria separar o conhecimento atual do conhecimento passado, se formam um todo na mente? Seja como for, inteligência fluida é a habilidade de analisar problemas novos, identificar padrões e relações que sustentam tais problemas e a extrapolar deles usando lógica (indutiva e dedutiva). Por inteligência cristalizada entende-se a capacidade de usar habilidades, conhecimento e experiência, ou seja, o que já cristalizamos em nossa história como desempenho intelectual amealhado, aparecendo facilmente no vocabulário e conhecimentos gerais. Chama, então, a atenção que os maiores ganhos são na inteligência fluida, aquela mais próxima da análise abstrata da realidade, um dos argumentos mais realçados por Flynn. Os ganhos de QI foram generalizados e muito expressivos, mas bem mais no QI fluido.
Pietschnig e Voracek formulam alguns achados de seu estudo:
a) ganhos substanciais para QI fluido; 0.41 pontos de QI por ano de 1924 a 2013;
b) ganhos substanciais, embora menores, também para QI cristalizado (de 0.21 pontos de QI entre 1912 e 2011);
c) ganhos maiores para QI fluido (4.1 pontos de QI por década; para QI cristalizado, 2.1);
d) ganhos decrescentes para décadas mais recentes, em especial em países escandinavos;
e) ganhos não lineares – indica que a evolução dos ganhos não foi linear, mas contextualizada histórica e talvez culturalmente, sugerindo a importância ambiental;
f) ganhos maiores para adultos do que para crianças;
g) associação positiva com crescimento do PIB per capita;
h) maiores ganhos em testes menos carregados do fator g; constata que QI cristalizado teve menores ganhos, por ser o domínio mais carregado de g.
Quanto a causas dos ganhos de QI, acentuam-se as ambientais. Educação recebeu a maior atenção, associando-se a testes cada vez mais frequentes na escola (por exemplo, Scholastic Aptitude Test – SAT). Três fatores podem ter contribuído: i) houve ganhos substanciais em QI cristalizado, aquele que a escola gosta de promover (instrucionismo); ii) adultos avançaram mais em QI geraI fluido do que crianças e adolescentes, sugerindo que a escolarização tem algum efeito; iii) associação dos ganhos de QI (sobretudo cristalizado) combina com crescimento do PIB per capita, elevando investimentos no sistema educacional. Tecnologia também recebeu alguma atenção, a começar por atrações digitais mais analíticas e abstratas como videogames sérios, sem falar que a base algorítmica digital é tipicamente matemática, formal (código). Tamanho da família pode ser fator importante, porque número menor de filhos permite cuidar deles bem melhor. Comportamento na tomada de teste também é referência repetida, porque se tornou atividade frequente na vida estudantil. Há muitos outros fatores apontados, em especial da área da saúde, mas análises estatísticas tendem a não achar importante em países desenvolvidos (embora possam ser em países pobres, com grandes problemas, por exemplo, de nutrição e moradia salubre). Acentuam-se menos fatores genéticos, também para fugir de discussões incômodas sobre raças/culturas superiores/inferiores.
Flynn usa o termo “espetáculos científicos” para contextualizar comportamentos preferenciais da sociedade atual (desenvolvimento, sobretudo) que, cada vez mais, quando é chamada a analisar a realidade, o faz com jargões científicos. O contrário são “espetáculos utilitários”, voltados para o concreto paroquial imediatista. No primeiro caso tendemos a classificar itens conforme lógica e experimento testado, enquanto no segundo caso nos atemos à utilidade imediata na vida das pessoas. No primeiro caso, a análise é tipicamente abstrata, buscando características universalizáveis com base em argumento científico, enquanto no segundo fazemos associações utilitaristas e imediatistas, com base na experiência de vida. Para ilustrar isso, cita entrevistas de Luria (1976:82) gravadas com camponeses russos dos anos 1920, ainda vivendo em ambientes cognitivos pré-científicos. Exemplo: “P(ergunta): o que têm em comum um peixe e um corvo? R(esposta): um peixe vive na água; um corvo voa; se o peixe ficar à tona, o corvo pode pegá-lo; um corvo pode comer um peixe, mas um peixe não come o corvo. P: poderia usar uma palavra para ambos? R: se os chamar de ‘animais’, não seria correto; um peixe não é um animal, nem o corvo; o corvo pode comer um peixe, mas este não come uma ave; uma pessoa pode comer um peixe, mas não um corvo” (Flynn, 2012:334). Faltaria ao camponês a noção classificatória abstrata, persistindo em associações imediatistas manejáveis diretamente, tipicamente descritivas. Nem mesmo quando Luria oferece um termo abstrato (uma palavra para ambos), a resposta não emerge, o que impede poder explicar, para além de descrever.
Hoje estamos tão familiarizados com categorias científicas que parecem óbvias (ambos os animais são animados, mamíferos, compostos químicos). Mas pessoas agarradas ao concreto não acham nada óbvio, também porque não sentem pressão para classificar, definir, medir, categorizar; descrições imediatistas bastariam. Primeiro, resistem a classificar; segundo, quando classificam, preferem similaridades concretas (como se parecem, relacionamentos funcionais; e.g., um come o outro) a similaridades abstratas. Eis entrevista de como usar lógica para analisar o hipotético: “Camelos e Alemanha (Luria, 1976:112): P: não há camelos na Alemanha; a cidade B está na Alemanha; há aí camelos ou não? R: não sei, nunca vi aldeias alemães. Se B é cidade grande, deve haver camelos lá. P: Mas se não houver nenhum na Alemanha? R: Se B é aldeia, provavelmente não há lugar para camelos” (Flynn, 2012:334). Hoje, pelo costume de destacar lógica do concreto, não temos dificuldade de concluir que não há camelos na Alemanha, nem em cidade grande, nem em aldeia. Somos bombardeados com símbolos e fórmulas. As únicas imagens artificiais que americanos tinham em 1900 eram desenhos representacionais ou foto, aritmética básica, notação musical (para uma elite) e cartas de baralho (excetuando religiosos). Viam o mundo por espetáculos utilitários, tendo as mentes focadas em posse, útil, benéfico e prejudicial, não no hipotético ou classificação abstrata.
Estes exemplos são particularmente importantes porque desenham bem desafios da alfabetização. Em parte, crianças chegam à escola acostumadas a descrever entidades e relações, não a classificá-las, hierarquizá-las, medi-las, explicá-las. Não abordam um todo para o dividir em partes e a partir dessas recompor o todo, descobrindo pelo caminho dicas explicativas, não apenas descritivas. Retomando o exemplo modernista do heliocentrismo, enquanto tipos menos elaborados de conhecimento apenas descrevem o que veem (as aparências) e por isso concluem que o sol gira em torno da terra (ele parece nascer no horizonte e dar a volta sobre a terra durante o dia), o conhecimento científico desconstrói o fenômeno em suas partes, para analisar sua estrutura e composição, descobrir relações entre as partes, tamanhos e dinâmicas, querendo, acima de tudo, uma explicação. Esta nunca vem completa, porque não esquadrinhamos o universo por inteiro nunca, mas é bem diferente de mera descrição impressionista. Foi difícil para as pessoas da época engolir que a realidade não é o que parece, nem como está na bíblia, mas é regida por leis e regularidades que só descobrimos via análise abstrata, de cunho lógico-experimental. Mas ficou logo patente que este tipo de conhecimento, implacavelmente desconstrutivo, tinha potencialidade emancipatória, porque desvela as entranhas obscuras e míticas de descrições imediatistas. Sobretudo, argumento de autoridade não vale! Este foi talvez o maior salto, quando ficou claro que o discurso científico se funda em seus próprios fundamentos, em especial na linguagem matemática formalizada, analítica, abstrata, capaz de montar validades universais de cunho formal.
Crianças podem enfrentar grandes dificuldades na alfabetização por conta desta passagem difícil entre descrição imediatista e explicação formalizada, em especial por conta de seu cariz abstrato. O próprio texto escrito é completamente diferente da fala; enquanto esta é localizada, imagética, descritiva, facilmente desordenada e espontânea, a escrita é um texto engravatado, porque segue um código alfabético e gramatical, ordena-se rigidamente no espaço, é sequencial e linear. Nada na vida da criança se parece com um texto, porque tudo acontece num fluxo indistinto, caótico, dinâmico, onde vale o que se vê. No texto, cada termo está em seu lugar, em especial quando tem pretensão científica. Classificar formalmente é condição explicativa, para responder ao por que as coisas assim são, não apenas como são. Entendemos melhor o que ordenamos, mas esta ordem do discurso (Foucault, 2000) é do discurso, não da realidade. A linguagem científica impõe formas ao conteúdo, discriminando dinâmicas e suas hierarquias, computando frequências, mensurando extensões, para podermos entender causas e com elas contar como leis da realidade.
O Efeito Flynn, como o próprio Flynn atesta (2012), também foi para ele uma dor de cabeça, quando os ganhos de QI foram estudados para raças, gênero, culturas, idades etc. Em especial nos Estados Unidos, o conflito afroamericano exacerbou ânimos, porque alguns estudiosos atribuem diferenças no desempenho de QI a fatores genéticos, indicando uma raça negra inferior. Outros, porém, entre eles Flynn ostensivamente, atribuem diferenças a fatores ambientais: se os negros tivessem as mesmas condições de vida dos brancos, teriam o mesmo QI. Para o eurocentrismo é uma tentação quase incontornável arranjar motivos para ver-se como raça/cultura superior, em particular por conta do modernismo e suas consequências no progresso econômico e tecnológico. Não será exagero reconhecer que o método científico, como maior tecnologia do espírito jamais craniada, foi responsável pela “superioridade” europeia de fato, embora não de direito. Ao invés de considerar raças/culturas como dinâmicas diferentes, sugere-se que algumas são inferiores. No caso dos camponeses russos que ainda não classificavam as entidades de modo analítico e abstrato, não se pode aduzir que eram inferiores, porque sua reação correspondia à sua história de vida e, dentro dela, plenamente adequada. Mas a tentação é irresistível: quem sabe menos é inferior (chamamos, não por acaso, a educação na universidade de “superior”); cultura popular é inferior à clássica; índios são “primitivos”... Neste sentido, o esforço de Santos para valorizar a epistemologia do sul, em particular sabedorias africanas (2009; Santos & Meneses, 2009) tem cabimento, porque é preciso distinguir as medidas, contextos, épocas, trajetórias. Comparado com o melhor matemático do ocidente, o africano popular é analfabeto por completo; mas se a comparação se voltar para qualidade de vida, sabedoria de vida, sentido da vida, não seria de estranhar que o africano levasse vantagem. Em seu texto sobre felicidade pelo mundo, Graham (2009) fala do “paradoxo dos camponeses felizes e milionários miseráveis” (no título).
Outro tema indigesto é a pretensa inferioridade feminina em termos analíticos abstratos (maiores dificuldades em matemática, por exemplo). Um dos pontos mais infames da diatribe foi quando Lynn (1998; 1998a) afirmou que homens possuem melhores genes para inteligência por causa de seus papeis diferentes no trabalho. No passado, homens faziam coisas conceitualmente mais demandantes, como planejar como caçar, como pegar animais grandes e perigosos, enquanto mulheres ficavam “apenas” cuidando de crianças, coisa que “até animais podem fazer” (Flynn, 2012:2876). Comenta Flynn sarcasticamente que, então, é mistério como as mulheres evoluíram para além dos animais... Criar filhos é, possivelmente, a engenharia mais complexa humana, também porque disso depende completamente seu futuro. Mas, o mais importante é que, na prática da vida, as mulheres estão chegando com toda força: em medicina já são maioria; na escola básica se saem em média melhor. A pretensa “inferioridade” é apenas desconversa para uma história duramente patriarcal.
A superioridade de fato, não de direito, do modo eurocêntrico de pensar, nos coloca desafios incisivos, porque precisamos combinar a capacidade claramente mais emancipatória da educação científica com a necessidade de preservar os patrimônios comunitárias e culturais que se fundam na comunicação comunitária. O fato de que a escola básica se tornou obrigatória implica o reconhecimento ostensivo da vantagem que queremos para os filhos, num mundo competitivo de ideologia liberal globalizada, tendo como objetivo maior “educação superior” (um diploma universitário). Flynn anota que a universidade, infelizmente, não corresponde a este desafio, porque nela se aprende muito pouco, em especial no que concerne a habilidades analíticas abstratas. É comum que, após terminado o curso “superior” essa gente superior não saiba produzir conhecimento próprio! Vive de cópia, como foram as aulas que tiveram de engolir. Em termos mais específicos, os ganhos de QI não estão suficientemente bem explicados, também porque são fenômeno de incrível complexidade. A associação com o Iluminismo é um chute charmoso, talvez até seja realista, mas não temos maior certeza. Flynn chama a atenção para a variabilidade enorme entre os testes, sobretudo no tempo. Não é viável comparar o QI de hoje com o de 50 anos atrás, porque hoje estamos em outro patamar. É preciso levar em conta a “norma” do teste em seu tempo e cultura.
Olhando por cima, faz muito tempo (quase dois séculos) que as sociedades investem em educação das crianças e adolescente, em termos constitucionais obrigatórios (isto é bem mais recente, mas muito espraiado no mundo) e isto provavelmente teria que redundar em algum efeito. Certamente, uma sociedade como a brasileira que tem apenas 26% de adultos plenamente alfabetizados (INAF) é diferente de outra onde mais de 90% dos estudantes aprendem bem (Finlândia, por exemplo) (Ripley, 2013), são capazes de produzir ensaios elaborados e enfrentam problematizações analíticas abstratas com bom desempenho. No caso brasileiro, onde apenas 7.3% dos estudantes tiveram “aprendizado adequado” em matemática em 2013 na 3a série do ensino médio (no Maranhão foi de 1.5%), isto indica que o investimento em educação provavelmente está equivocado, porque não se volta para o desenvolvimento de habilidades analíticas abstratas, mas para decoreba infame. Matemática ainda não existe. Mas, mesmo sendo o Brasil um exemplo aparentemente muito negativo, não retira o argumento de que o investimento em educação, talvez aos trancos e barrancos, teve como efeito, entre outras coisas, contribuir para elevar o QI no século passado. O problema é que o “argumento” é pesado demais para alguma evidenciação mais confiável (Fox, 2011. Fox & Mitchum, 2014). A expressão “espetáculos científicos”, embora charmosa em si, deixou um lastro de surpresa; ciência virou espetáculo em nossa sociedade, em especial em espaços como a Wikipédia, onde “todos podem editar” (Lih, 2009). Ciência penetrou todas as dobras da vida; já não fazemos nada que não tenha alguma relação com ciência, remédios, roupas, comida, viagem, moradia... Embora o conceito de sociedade/economia do conhecimento seja insatisfatório porque encobre problemáticas homéricas de marginalizações, opressões, destruições, privilégios, prepotências, indica que vivemos numa sociedade onde a relação científica se “normalizou” e “normatizou”. Antigamente produtos alimentícios terminavam sua validade quando se estragavam – era constatada pela via descritiva; agora todos possuem prazo de validade, por razões científicas mensuráveis. Termina antes de se estragarem, para que se proteja a saúde. Antigamente, as mulheres tinham filhos conforme as regras familiares ancestrais; agora fazem pré-natal, acompanham passo a passo o desenvolvimento do feto, programam o nascimento, preparam-se de mil maneiras (aquelas que podem, certamente), porque contam com um arsenal científico disponível. Antigamente ninguém vacinava ninguém; agora é obrigação, porque a ciência assim determina. Por tais indícios, não seria de estranhar que a sociedade inclua em sua linguagem cotidiana referências científicas, quando é o caso entender questões e fenômenos, não apenas descrever de modo impressionista.
V. PINKER E O DECLÍNIO DA VIOLÊNCIA
A tese provocativa de Pinker (2011) de que a violência declinou (mortes violentas, em especial) nos últimos tempos por rescaldo iluminista, lógico-experimental, analítico abstrato, acrescenta outro “argumento” interessante no sentido de que a alfabetização científica teria efeitos incisivos (emancipatórios) na sociedade. De novo é uma hipótese gigantesca, mas que Pinker enfrenta com galhardia, surpreendendo tanto mais esta coragem por conta de seu background positivista e liberal. Escreveu um “livraço”, enorme, densíssimo, fartamente interdisciplinar (é psicólogo de origem), altamente erudito e tecnicamente acurado (trabalha bem mensurações estatísticas de fatalidades de guerra e outros eventos fatais), do qual faço aqui uma interpretação ad hoc preliminar, para nossos fins. Vou destacar sua apreciação do papel da “razão” no declínio da violência, apostando em seu desenvolvimento analítico abstrato como estratégia para repensar as chances de sobrevivência e desenvolvimento das sociedades. Reconhece que razão anda mal das pernas, porque muita coisa tem sido revelada, em especial na psicologia, sobre as precariedades da função racional humana, com algum realce para estudos da moralidade. Kurzban (2010), por exemplo divulgou uma tirada: Por que todo mundo (os outros) são hipócritas: evolução e a mente modular (está no título). Mostra que a mente abriga acomodações contraditórias, racionalizações que até deus duvida, autodefesas infantiloides aos montes, só para fazer boa figura em sociedade – uma mente modular tem moradias para todos os disparates morais, já que moralidade é mais propriamente “moralização” – um golpe para impor aos outros um comportamento rigidamente moralizado que não somos capazes de manter! Seria realmente razão apenas serva das emoções, como sugeriu desabridamente Hume?
Reclama Pinker que “estamos vivendo uma era do criacionismo científico, fofoca de New Age, teorias conspiratórios em torno do 11 de setembro, manchetes psicóticas e fundamentalismo religioso ressurgente (2011:13724). Questiona a onda de irracionalismo que tenta mostrar que presidentes americanos não devem ser inteligentes, nem ter à volta consultores inteligentes, porque disparates como a guerra do Vietnã vieram dos intelectuais de Harvard e similares. Não suporta os “teóricos críticos”, os pós-modernistas da esquerda e defensores da religião da direita, que concordam em uma coisa: as duas Guerras e o Holocausto teriam sido fruto envenenado do cultivo ocidental da ciência e razão desde o Iluminismo. Mesmo cientistas estão se alinhando a esses extremismos, alegando que humanos se orientam por suas paixões, servindo razão para “racionalizar”; é cada vez maior a galhofa em torno do consumidor racional postulado pela economia clássica behaviorista, em especial após fracassos econômicos recentes de grandes empresas e do mercado financeiro que seriam o protótipo da racionalidade do mercado. Pinker acha que são preconceitos contra a razão, que se alocam agora no extremo oposto. Tendo W. Bush já deixado a Casa Branca, fica mais fácil ponderar sobre a teoria de que é melhor ter líderes não intelectuais, uma suposição embaraçosa para a academia. Medir traços psicológicos de figuras públicas é sempre exercício temerário, mas Simonton (2006; 1990) desenvolveu muitas medidas histórico-métricas confiáveis (válidas no sentido técnico psicométrico) e, para Pinker, “politicamente não partidárias” (Pinker, 2011:13745). Vou pular esta afirmação de neutralidade política, porque, se estatística psicométrica em si não é partidária (em suas formalizações), seu uso pode bem ser. Não é por acaso que o texto de 2006 de Simonton foi publicado na revista “Psicologia Política” (que não precisa ser politiqueira, claro). Esta alegação não partidária é fruto da devoção positivista de Pinker.
Analisando 42 presidentes, desde Washington até W. Bush, achou que inteligência bruta e abertura a novas ideias e valores estão significativamente correlacionadas com desempenho presidencial, o que é reconhecido por “historiadores não partidários” (Pinker, Ib.). W. Bush, a despeito da má fama intelectual, está bem acima da média da população em inteligência, ficou no 3o lugar mais baixo entre os presidentes, e, em abertura à experiência, é o último redondamente (Griffin & Hines, 2010). Quanto ao Vietnã, a pretensão de que os Estados Unidos teriam evitado a guerra se os consultores de Kennedy e Johnson fossem menos metidos a inteligentes parece improvável, se levarmos em conta que, após deixarem a cena, a guerra continuou ferozmente por Nixon, que nunca foi o melhor, nem o mais brilhante. Pinker acha que a relação entre inteligência presidencial e guerra pode ser quantificada (outra tirada positivista reducionista). Entre 1946 (quando começam dados a respeito) até 2008, o QI do presidente está negativamente correlacionado com o número de mortes em batalha nas guerras, envolvendo os Estados Unidos durante sua presidência, com coeficiente de –0.45. “Poder-se-ia dizer que para cada ponto do QI presidencial, 13.440 menos gente morre em batalha, embora seja mais acurado dizer que os três presidentes mais inteligentes do pós-guerra, Kennedy, Carter e Clinton, mantiveram o país fora de guerras destrutivas” (Pinker, 2011:13745). Não creio que esta numerologia faça sentido, embora pareça “inteligente” não fazer guerra. Correlações podem ser feitas de modo forçado e artificial; por exemplo, podemos associar desempenho escolar do estudante com o portão da escola por onde passa todo dia – como a frequência é plena, a correlação será máxima, de 1.0! Estatística sem devida teorização é cega, embora teorização sem estatística também possa ser apenas chute alegre.
A proposta de que o Holocausto foi produto do Iluminismo é ridícula. O que ocorreu no século XX é que genocídio passou a ser visto como ignomínia. A ideologia nazista, bem como nacionalismo e movimentos militaristas românticos são fruto do contra-Iluminismo do século XIX, muito longe de iluministas clássicos como Erasmo, Bacon, Hobbes, Espinosa, Locke, Hume, Kant, Bentham, Jefferson, Madison, Mill. Por fim, não é assim que razão é impotente frente às emoções. Decisões são guiadas por intuições, mais que por razões, mas isto não desmerece a importância da racionalidade, porque sempre é conclamada para formar um todo decisório que mistura emoção e razão. Antes chegamos a pensar que decisões racionais tinham que se “limpar” das emoções – uma das razões da objetividade/neutralidade científica – agora vemos mais holisticamente. Quando Hume escreveu que “razão é, e deveria ser, apenas escrava das paixões”, não estava aconselhando a chutar o pau da barraca. Estava chamando a atenção para paixões destituídas de controle racional. Voltaire já disse que absurdos levam a atrocidades. A destituição de besteiróis – como que deuses querem sacrifícios humanos, bruxas proferem destinos, hereges vão para o inferno, judeus envenenam fontes, animais são insensíveis, crianças são possessas, africanos são brutos e reis comandam por direito divino – foi capaz de solapar racionalizações em favor da violência (Pinker, 2011:13798).
Outro efeito pacificador da razão, para Pinker, é o conluio com autocontrole: é a razão – a dedução de consequências de longo prazo de uma ação – que propõe razões para controlar o self. Autocontrole pode regular impulsos instintivos a serviço de outros motivos mais justificáveis. Raciocínio pode interagir com sentido moral, a despeito do risco constante do fechamento no grupo (cooperação para dentro, guerra para fora). E aí aparece um chute “não partidário” obviamente: só atribuição de preço via mercado (mentalidade racional legal por trás) faculta chegar a respeitar proporcionalidades. Ferramentas formais não intuitivas tornam-se importantes para o cálculo de mercado, como matemática simbólica, frações, percentagens e exponenciação (Pinker, 2011:13816). Alinha-se mercado ao mercado capitalista, postulando ser evidente sua capacidade de equilibrar proporcionalidades, quando é também fonte das desigualdades mais gritantes, porque não tem ligação com o bem comum, a não ser como subproduto. Mas este é apenas um dos golpes epistemológicos de Pinker, que empanam sua obra, mas, mesmo assim, não impedem de a apreciar como esforço pertinente e alentado de argumentação. “Razão pode também ser força contra a violência quando abstrai violência em si como categoria mental e constrói-a como problema a ser resolvido, ao invés de contestação a ser vencida” (Pinker, Ib.). Pinker aproveita este argumento iluminista para relembrar a saga grega do pensamento abstrato analítico que permitiu construir pontos de observação mais isentos e de longo prazo, procurando entender disparates sociais como guerras que não trazem vantagem para ninguém. Nessa época surgiu a denominação de “vitória de Pirro” (vitória que se reverte em derrota).
Todo questionamento contra guerras também é racionalização, ou contrarracionalização, mas podemos mostrar que é logicamente mais consequente, desde que sucedam duas condições: i) o raciocinador cuida de seu bem-estar; ii) o raciocinador, sendo parte de um grupo, perceba que seu bem-estar se liga ao bem-estar dos outros – cooperação pode mais facilmente render mais que a competitividade destrutiva. O que falta aí é que, em condições de mercado liberal, a cooperação é apenas instrumentação, não fim em si. Se o autointeresse impera, é lógico o esmagamento do adversário, tornando-se difícil abstrair a noção de que adversário poderia ser parceiro e isto é mais consistente com uma visão de longo prazo, racional. Mas humanos “não foram criados num estado de razão original” (Pinker, 2011:13853). Somos violentos por natureza, como mostra a história arqueológica de nossos antepassados e seus ancestrais símios. Mesmo predominando este traço no cenário histórico, os humanos abrigam outras potencialidades que podem ser cultivadas, dependendo, então, da trajetória psicossocial. Nowak (2010) chama os humanos de “Supercooperadores”, porque só conseguem sobreviver em grupo e, por mais que se brigue, precisamos dos outros constitutivamente. Apesar do moralismo que nos atormenta, há construções morais dignas de nota, que buscam privilegiar o bem comum num equilíbrio sempre naturalmente frágil, a ser recuperado todo dia.
É interessante a pegada de Pinker em favor da “razão”, também porque não teme dizer o que pensa. Embora abuse do positivismo, medindo tudo a torto e a direito, em especial a seu favor, em nome de uma visão “não partidária”, explora com enorme elegância e sagacidade as entranhas da razão humana para ver como poderia fomentar razões menos irracionais. Não escapamos da irracionalidade, porque está no centro da racionalidade e vice-versa. Mas podemos, dadas circunstâncias favoráveis, melhorar as racionalizações para que, ao invés de apenas justificar a ganância e a prepotência, possam justificar democracias, justiças, equanimidades. Daí sua pretensão de que “talvez estejamos melhorando porque estamos nos tornando mais inteligentes” (Pinker, 2011:13901), o que nos leva à sua interpretação do Efeito Flynn.
VI. EFEITO FLYNN À LA PINKER
Pinker formou a posição de que, de fato, estamos nos tornando “mais inteligentes” e refere-se a Flynn que, nos 1980, descobriu os ganhos massivos em QI no século XX, observando que empresas que constroem testes de QI periodicamente renormatizam os escores, pois os testados se mostram mais capazes de responder, indicando que estariam melhorando de alguma forma (Flynn, 1984; 2009). Assim, escores obtidos no início do século não fazem sentido no fim do século; estudantes do fim do século seriam todos gênios. O Efeito Flynn foi encontrado em 30 países, incluindo alguns em desenvolvimento, e parece estar ocorrendo desde o início da introdução do QI: uma média de 3 pontos de QI por década (Pinker, 2011:13922). “As implicações são fantásticas. Um adolescente médio hoje, se voltasse a 1950, teria QI de 118. Se voltasse a 1910, teria de 130, superando a 98% daqueles contemporâneos. Sim, você leu direito: se tomamos o Efeito Flynn à risca, pessoa típica hoje é mais inteligente que 98% das pessoas nos velhos tempos de 1910. Para colocar isso de modo ainda mais explícito, pessoa típica de 1910, se transportada para o presente, teria um QI médio de 70, que é o limite do retardo mental. Com Raven’s Progressive Matrices[5], um teste por vezes considerado a medida mais pura da inteligência geral, a elevação é ainda mais aguda. Pessoa comum de 1910 teria QI de 50 do de hoje, que já está bem no meio do território do mentalmente retardado, entre retardo ‘moderado’ e ‘suave’” (Ib.). “Mas, não podemos tomar o Efeito Flynn à risca” (Ib.). O mundo de 1910 não era composto de retardados.
Pinker reclama que muitos tentaram apagar o Efeito, mas não deu. Escritores da esquerda igualitária e da direita pretensiosa sempre buscam solapar a própria ideia de inteligência e seus instrumentos de medida. “Mas os cientistas que estudam diferenças humanas individuais são praticamente unânimes que inteligência pode ser medida, que é bastante estável no decurso da vida de um indivíduo e que prediz sucesso acadêmico e profissional em cada nível da escala” (Pinker, 2011:13922. Deary, 2001. Gottfredson, 1997. Herrnstein & Murray, 1994). Alguns vão sugerir que a garotada ficou mais esperta em testes, já que é muito testada na escola. Mas Flynn alega que os ganhos têm sido constantes no tempo, enquanto a popularidade dos testes caiu e hoje está em baixa. Será, então, que perguntas como “Quem escreveu Romeo e Julieta?” se tornaram parte do conhecimento geral, ou a seção de vocabulário penetrou a conversa comum, ou problemas aritméticos são ensinados mais cedo na escola? Não. Como a figura ao lado sugere, os ganhos acima da média foram em áreas de matrizes e similaridades, ou seja, no reino da análise abstrata. Os ganhos em informação, aritmética e vocabulário foram muito pequenos, comparativamente. Questões de similaridade (o que quilômetro e milímetro têm em comum?), ou de analogias (pássaro está para ovo como árvore para o quê?), ou matrizes visuais (padrões geométricos preenchem filas e colunas de uma tabela e o testado precisa imaginar como preencher espaços vazios) é que mostram os maiores ganhos, de longe.
O Efeito Flynn foi uma “bomba”, indicando que os maiores ganhos foram em “inteligência geral”, em cujos subtestes teríamos, na linguagem de Pinker, “as medidas mais puras de inteligência geral, pois se correlacionam com a tendência das pessoas de ranquear-se bem ou mal numa bateria grande de testes. Esta tendência é chamada de g, e a “existência de g é muitas vezes considerada a descoberta mais importante na ciência do teste mental” (Deary, 2001. Flynn, 2009. Neisser et alii, 1996). Pessoas que se saem bem numa seção do teste, tendem a sair-se bem em outras. Embora também ocorra que um gênio matemático não se articule para nada ou que um poeta não saiba somar nada, a regra é outra: g se esparrama para todos os lados. Ademais, inteligência geral é altamente hereditária, e pouco afetada pelo ambiente familiar/cultural. “Sabemos disso porque medidas de g em adultos estão fortemente correlacionadas em gêmeos idênticos separados no nascimento e não se correlacionam em irmãos adotados, criados na mesma família. Inteligência geral também se correlaciona com muitas medidas de estrutura e funcionamento neuronal, incluindo velocidade de processamento de informação, tamanho geral do cérebro, espessura da massa cinzenta no córtex cerebral e integridade da matéria branca conectando uma região cortical à outra. Mui provavelmente, g representa efeitos somados de muitos genes, cada qual afetando funcionamento do cérebro de modo diminuto” (Pinker, 2011:13963). Cumpre notar que Pinker deixa escapar nas entrelinhas o quanto este assunto, mesmo tão importante, também abriga controvérsias. Inteligência pode ser medida, porque medimos tudo, em função de lidarmos melhor com o que medimos (Hubbard, 2010). Como diz o poeta, “tudo vale a pena, se alma não é pequena” – que seria alma pequena? Mas para nós faz sentido, porque não nos estranha perceber uma alma que seria grande e outra pequena. No entanto, é mensuração tipicamente aproximativa, sugestiva, já que alma, assim cremos, não tem tamanho. Talvez inteligência também, mas sempre comparamos inteligências (entre os filhos, na escola, na faculdade, no trabalho) atribuindo tamanhos. Este não é o problema, se mantivermos suficiente desconfiômetro sobre nossas “medidas”. Problema é aclamar consensos e medidas puras, quando sempre houve gente séria que contesta medidas de QI.
O Efeito Flynn é “mais certamente ambiental” (Ib.), como sugere o próprio Flynn. Seleção natural se dá em ritmo próprio (milenar, digamos), não em décadas. Provavelmente o Efeito advém de ambientes cognitivos, não de genes, dietas, vacinas ou acasalamentos. Impacto considerável, no “mistério do Efeito Flynn” (Pinker, Ib.) é que os aumentos não se deram em inteligência geral como tal; se assim fosse, por esta esparramar-se por todo o espectro testado, teria de provocar ganhos generalizados; mas estes foram concentrados em subtestes como de similaridades e matrizes; não se verificou em poder bruto cerebral, mas em habilidades requeridas para ranquear-se bem em subtestes de raciocínio abstrato. A saída mais sonsa é atribuir ao Efeito várias causas, com impactos diferenciados em tempos diferenciados no século. Melhorias relativas a matrizes visuais podem ter relação com o mundo digital, que popularizou tais montagens de padrões visuais ricos de símbolos e relações abstratas. Flynn chega a identificar a habilidade recentemente em crescimento como pensamento “pós-científico”, em contraste com o “pré-científico”, o que leva Pinker a propor uma exemplificação. Tome-se questão típica da seção de similaridades do teste de QI: “O que cães e coelhos têm em comum?” A resposta óbvia para nós é que são mamíferos. Um americano de 1900 talvez dissesse outra coisa: “Usamos cães para caçar coelhos”. A diferença, para Flynn, é que hoje espontaneamente classificamos o mundo com categorias da ciência, mas em tempos atrás não muito distantes a resposta “correta” poderia parecia abstrusa ou irrelevante. O que interessa que sejam mamíferos? Mais importante é orientação no espaço/tempo concretos, para que as coisas servem e como as controlamos...
Pinker retoma, então, o experimento de Luria exposto acima, mostrando que camponeses russos tinham suas razões para não classificar as entidades como fazemos hoje, possivelmente porque eram “pré-científicos”. Assim, se Flynn estiver correto em que cada vez mais vemos o mundo via “espetáculos científicos”, suas causas externas precisam ser indigitadas no contexto ambiental do século, começando pela escolarização. Sabemos que escola – quando funciona – empurra adolescentes do estágio piagetiano da operação concreta para operações formais, um feito que nem toda escola consegue realizar... No século o tempo de escolarização aumentou e se tornou compulsório. Em 1900, adulto americano médio tinha sete anos de escolarização, e um quarto menos de quatro anos; só nos 1930 escola virou compulsória. Neste ínterim, a natureza da escolarização mudou. No início do século, ler consistia em ficar de pé e recitar alto de livros. Como Rothstein (1998:19) observou, “muitos recrutas da Primeira Guerra fracassavam em teste básico escrito de inteligência, em parte porque, mesmo com alguns anos de escolarização e tendo aprendido a ler alto, eram solicitados no Exército a entender e interpretar o que estavam lendo, habilidade que muitos deles nunca tinham aprendido” (Pinker, 2011:14012).
Genovese (2002) documentou objetivos da educação que mudaram no século XX, analisando conteúdo de exames de entrada na escola média em 1902-13 e comparando com testes de proficiência aplicados a estudantes de idade similar nos 1990. No que toca conhecimento factual, espera-se menos hoje dos adolescentes; por exemplo, na seção de geografia dos testes atuais de altas apostas, pede-se para indicar os Estados Unidos num mapa-múndi. Mais antigamente, pedia-se “nomear estados por onde se passaria numa viagem de Columbus (Ohio) até o Golfo do México, localizando e escrevendo cada capital” (Pinker, Ib.). Por outra, teste típico hoje exige que estudantes lidem com taxas, montantes, contingências múltiplas e economia básica. Exemplo: Uma comunidade localiza-se em região onde pouca água potável está disponível. Para gerir seus recursos de água, qual das respostas seguintes a comunidade NÃO deveria assumir? A. Aumentar uso da água. B. Comprar água de outra comunidade. C. Instalar equipamento de economia de água nos domicílios. D. Impor impostos maiores para água.
“Flynn sugere que no curso do século XX, raciocínio científico se infiltrou da escola e outras instituições para o pensamento cotidiano. Mais gente trabalhava em escritórios e em profissões, onde manipulavam símbolos, ao invés de plantações, animais e máquinas. As pessoas tinham mais tempo de lazer e gastavam em ler, jogar jogos combinatórios e manter-se atualizado com o mundo. E, sugere Flynn, a mentalidade da ciência se esgueirou para o discurso cotidiano na forma de abstrações à mão. Abstração à mão é ferramenta duramente construída de análise técnica que, uma vez captada, permite que as pessoas sem esforço manipulem relações abstratas. Todos capazes de ler este livro, mesmo sem formação em ciência ou filosofia, provavelmente assimilram centenas dessas abstrações de leitura causal, conversação e exposição à mídia, incluindo análise proporcional, percentual, de correlação, causação, grupo de controle, placebo, amostra representativa, positivo falso, empírica, post hoc, estatística, de média, variabilidade, argumento circular, vantagem e de custo-benefício. Mas, cada um dos itens – mesmo conceito que virou segunda natureza para nós como percentagem – num tempo gotejou da academia e outras fontes intelectualizadas e cresceu em popularidade no uso impresso no curso do século XX” (Pinker, 2011:14035).
A argumentação parece congruente, em especial tomando em conta a escolarização crescente no século XX, mas nota-se que a hipótese é tão interessante e provocativa, quanto transbordante. Não podemos, a rigor, garantir que os ganhos tão expressivos de QI se devem a fatores específicos, ainda que mais que nem todas as habilidades cresceram tanto assim. Mesmo assim, é muito forte a sensação de que entidades ligadas a profissionais do modernismo científico (tecnocracia, professores universitários e escolares, técnicos de toda índole, engenheiros, matemáticos etc.) tiveram influência na capacitação geral da população em termos de análise formal abstrata. Quando somos solicitados a entender a realidade, não só a descrever, apelamos para estratégias analíticas abstratas, que classificam termos e parte, distinguem dimensões mais e menos recorrentes, tocam em leis e regularidades, arranjam explicações formalizadas. É bem diferente dirigir uma empresa grande intuitivamente, no olhômetro, ou gerir cientificamente. Hoje parece óbvio que um empresário moderno usa conhecimento científico para dar conta de tais desafios, ainda que este uso possa também falhar.
VII. RAZÃO PACIFICADORA E EFEITO FLYNN
Pinker tenta, então, acoplar duas grandes ideias: efeitos pacificadores da razão com o Efeito Flynn. “Temos muitos argumentos para supor que poderes aprimorados da razão – especificamente, habilidade de colocar de lado experiência imediata, destacar-se do próprio ponto de vista paroquial e modular nossas ideias em termos abstratos e universais – levariam a compromissos morais melhores, incluindo evitação da violência” (Pinker, 2011:14035). No curso do século XX, tais habilidades abstratas cresceram visivelmente. A pergunta de Pinker é se, ajuntando as duas peças, teríamos explicação ainda mais robusta para o declínio da violência na segunda metade do século, para o que chama de Paz Longa (período pós-Segunda Guerra), Nova Paz (depois da Guerra Fria) e Revoluções dos Direitos? Pinker cava um possível Efeito Flynn moral, no qual uma escada rolante da razão nos afastou de impulsos violentos. A ideia não lhe parece maluca, já que a habilidade cognitiva que mais se aprimorou no Efeito Flynn, abstração de particulares concretos da experiência imediata, é também a mais exercitada para podermos tomar a perspectiva do outro (efeito da empatia) e expandir o círculo da consideração moral.
Sempre mantendo a cautela de que um experimento dessa magnitude é astronômico demais para caber em “provas” e mensurações confiáveis, Pinker tenta mostrar que gente muito ilustre mais ou menos recente (não só os antepassados tribais), embora não retardada claramente, tinha ideias mais antiquadas e extravagantes. Há um século, muitos escritores e artistas renomados aclamavam a beleza e nobreza da guerra, esperando sofregamente a Primeira Guerra. Um presidente “progressista”, Roosevelt (1996:65), escreveu que a dizimação de americanos nativos era necessária para impedir que o continente se tornasse um “jogo de preservação de selvagens esquálidos”, e que em nove de dez casos, “os únicos bons índios eram índios mortos” (Courtwright, 1996:109). Outro, Wilson, era fã da supremacia branca e manteve estudantes negros longe de Princeton quando era presidente da universidade; aclamava Ku Klux Klan, limpou o governo federal de empregados negros e disse de imigrantes étnicos: “Todos que carregam um hífen no nome carregam um punhal prontos para desferir nos órgãos vitais dessa República, sempre que podem” (Loewen, 1995:22-31). Um terceiro, Franklin Roosevelt arrastou centenas de milhares de cidadãos americanos para campos de concentração porque eram da mesma raça do inimigo japonês (Pinker, 2011:14080). No outro lado do Atlântico, o jovem Churchill escreveu sobre ter tomado parte de um “monte de guerras pequenas joviais contra povos bárbaros” no Império Britânico. Numa dessas, escreveu que “procedíamos sistematicamente, aldeia por aldeia, e destruíamos as casas, soterrávamos as fontes, explodíamos as torres, cortávamos as árvores frondosas, queimávamos as plantações e rompíamos os reservatórios em devastação punitiva”. Churchill defendia tais atrocidades sob argumentos de que “a cepa ariana está fadada ao triunfo”, e disse que estava “muito a favor de usar gás venenoso contra tribos incivilizadas”. Culpava o povo indiano pela fome causada por má gestão britânica, porque continuava “reproduzindo-se como coelhos”, acrescentando: “Odeio os indianos. São provo bestial com religião bestial” (Hari, 2010. Toye, 2010. Pinker, 2011:14080). É gritante a compartimentalização mental dessas figuras.
Estupidez moral não era patrimônio de líderes; foi também escrita em lei. Pinker cita testemunho de 1876 de um advogado representando a cidade de San Francisco em audiências sobre direitos de imigrantes chineses: “Em relação à religião chinesa, não é a nossa. É o bastante a se dizer a respeito. Pois, se a nossa é correta, a deles necessariamente é incorreta. Nossa religião é uma crença na existência de uma Providência Divina que guarda em suas mãos os destinos das nações. A Sabedoria Divina disse que Ele dividiria o país e o mundo como herança de cinco grandes famílias: à dos negros, Ele daria a África; à dos brancos daria a Europa; à do homem vermelho daria a América e a Ásia daria para as raças amarelas. Ele nos inspira com a determinação não só de ter preservado nossa própria herança, mas de ter roubado do homem vermelho a América; e agora está acordado que os grupos saxões, americanos e europeus de famílias, a raça branca, é que terá a herança da Europa e da América e que as raças amarelas da China têm que ser confinadas ao que Deus Todo Poderoso originalmente lhes deu; e como não são povo favorito, não se lhes deve permitir roubar de nós o que roubamos do selvagem americano” (Courtwright, 1996:155-156). Estupidez moral existe em toda parte, também entre sábios e cultos. Mas Pinker acredita que razão bem usada a pode reduzir.
Neste contexto, ele propõe sete links, variando em direção, entre “habilidade de raciocínio e valores pacifistas”:
a) inteligência e crime violento – segundo Pinker, gente inteligente comete menos crimes violentos e são menos vítimas de crimes violentos, conservando como constantes o status socioeconômico e outras variáveis; confia aqui em correlação estatística, um argumento apenas provável, se tanto, sem falar que gente inteligente pode ser bem inteligente no crime (basta ver nossos políticos); refere-se a crime violento, mas corrupção nos níveis astronômicos perpetrada aqui pode matar muito mais gente, sobretudo o futuro das gerações...; mas, ainda assim, pode ser que gente com maior discernimento intelectual sabe se proteger melhor;
b) inteligência e cooperação – considera o dilema do prisioneiro, que gira sobre como cooperação é mais útil para os contendentes, para indicar que, raciocinando melhor, a sobrevivência só é viável juntos (Nowak, 2011);
c) inteligência e liberalismo – pessoas inteligentes são mais liberais... Pinker sabe que é provocação, porque a tendenciosidade salta aos olhos, redundando na supremacia da instituição “liberal” (mercado, democracia ocidental, república...); ocorre que o termo “liberal” é dinamite, tornando-se difícil separar de seu berço maior eurocêntrico e capitalista; por isso, Pinker liga inteligência com “liberalismo clássico”, mais próximo da mente aberta; tendo em vista o conservadorismo notório de Pinker (positivista declarado e crítico acerbo de esquerdas intelectuais), esta ligação é mais que suspeita, em especial quando liberalismo toma o rumo da contraposição com posturas socialistas e congêneres; no entanto, possivelmente há ligação entre inteligência e mente aberta;
d) inteligência e literacia econômica – dizer que gente inteligente pensa como economistas é outra provocação; supostamente economistas (liberais, claro) são mais favoráveis à imigração, mercados livres, comércio livre e menos simpáticos ao protecionismo, a políticas assistenciais e intervenção governamental etc.; Pinker aproveita-se da derrocada do socialismo (soviético, sobretudo) para insinuar que fora do mercado capitalista não há salvação; de fato, quando se olha para o crescimento chinês – um país que se diz comunista, mas mantém a economia mais ortodoxa e suja do planeta – somos puxados a ver no mercado liberal uma lei evolucionária incontornável; na prática, hoje, qualquer governo que faz economia à esquerda, não tem chance de êxito, não porque não fosse possível, mas porque o ambiente global é totalmente desfavorável (veja o caso venezuelano ou cubano); mesmo assim, seria no mínimo razoável distinguir as circunstâncias – para crescer economicamente, no contexto global atual, é quase fatal ir pela direita, como faz a China descaradamente; mas isto deixa no ar o desafio de construir uma sociedade relativamente igualitária, que só foi possível, até ao momento, em alguns países centrais; seriam estes inteligentes e outros ignorantes?;
e) educação, proficiência intelectual e democracia – Pinker ressalta a teoria de Boston Public Library sobre prontidão democrática e o esforço de Rindermann (2008) para testá-la. Algumas bases de dados atribuem escores numéricos a seus níveis de democracia e Estado de Direito; também disponível para muitos países é o número de anos de educação atingido pelos estudantes; numa sub-amostra de países, Rindermann obteve ainda seus escores médios em testes de inteligência vastamente usados, junto com desempenho em testes aplicados internacionalmente de desempenho acadêmico. Combinou tudo numa medida de habilidade intelectual, para testar se o nível de educação e habilidade intelectual de um país numa era (1960-72) predizia seu nível de prosperidade, democracia e Estado de Direito em outra posterior (1991-2003). Se a teoria de Boston Public Library for correta, tais correlações deveriam ser fortes, mesmo se outras variáveis, como riqueza da nação no período anterior, se mantivessem constantes. E ainda mais fortes do que a correlação entre democracia e Estado de Direito no período anterior e educação e habilidade intelectual no posterior, pois o passado afeta o presente, não o contrário. Para gáudio de Pinker, a correlação funcionou: educação e habilidades intelectuais no passado de fato prediziam democracia e Estado de Direito (junto com prosperidade) no presente recente, mantendo tudo o mais constante. Riqueza no passado, no entanto, não predizia democracia no presente; habilidade intelectual foi preditor mais robusto de democracia do que número de anos de escolarização, mostrando Rindermann que escolarização era preditiva apenas por conta de sua correlação com habilidade intelectual. Assim, não parece muito forçado concluir que investimento em educação e habilidades intelectuais pode ter impacto positivo no futuro da sociedade;
f) educação e guerra civil – também em países em desenvolvimento houve ganhos de QI, pelo menos naqueles onde o teste se aplicou sistematicamente; a evidência, assim, é apenas sugestiva. Thyne (2006) analisou 160 países e 49 guerras civis do conjunto de dados de James Fearon e David Laitin (1996), descobrindo que 4 indicadores do nível de educação do país – a proporção de seu PIB investido na educação primária, a proporção da população escolarizável matriculada nas escolas primárias, a proporção dos adolescentes matriculados no ensino médio (em especial homens) e (marginalmente) o nível de alfabetização adulta – reduziam a chance do país de meter-se em guerra civil mais tarde. Temos certamente problemas com dados; por exemplo, anos de estudo é indicador facilmente enganoso, quando, como no Brasil, os estudantes facilmente chegam ao 12o ano ainda quase analfabetos...; facilmente a matrícula sobe, mas a aprendizagem pode ser mínima...; mesmo assim, é um conforto deduzir que investimento em educação e habilidades intelectuais pode ser benéfico para o futuro do país, também em termos de evitar guerras civis (Pinker, 2011:14268);
g) sofisticação do discurso político – muitos creem que o discurso político está irremediavelmente ladeira abaixo; Tetlock e outros psicólogos políticos identificaram uma variável chamada complexidade integrativa que capta um sentido de equilíbrio intelectual, nuance e sofisticação (1985; 1994; 1999; 2003. Tetlock et alii, 2000. Suedfeld & Coren, 1992. Suedfeld & Tetlock, 1977. Suedfeld et alii, 1977). São conceitos todos escorregadios, mas vamos aceitar o esforço de categorizar o discurso político. Um discurso que apresenta baixa complexidade integrativa isola uma opinião e obcecadamente bate nela, sem nuance ou qualificação. Sua complexidade mínima pode ser sopesada contando palavras como absolutamente, sempre, certamente, definitivamente, inteiramente, para sempre, indisputável, irrefutável, indubitavelmente e inquestionavelmente. Outro ganha crédito para algum grau de complexidade integrativa se mostrar um toque de sutileza com palavras como usualmente, quase, mas, contudo e talvez. É ranqueado mais alto se reconhece dois pontos de vista, ainda mais alto se discute conexões, vantagens ou compromissos entre eles e a posição mais alta se explica tais relações por referência a um princípio ou sistema maior (Pinker, 2011:14268). Pinker realça o link com violência, naturalmente: pessoas cuja linguagem é menos complexa integrativa, em média, tendem mais a reagir à frustração com violência e vão mais à guerra em jogos de guerra. Pode-se correlacionar mentalidade simplória retórica e confrontos militares em discursos de árabes e israelenses e de americanos e soviéticos durante a Guerra Fria. Reconhece Pinker que não sabemos bem o que as correlações querem dizer, mas é indicação interessante.
Será que a complexidade integrativa do discurso político foi impulsionada pelo Efeito Flynn? Estudo de Rosenau & Fagen (1997) diz que sim. Eles codificaram a complexidade integrativa de testemunho parlamentar americano e cobertura da imprensa em décadas iniciais (1916-32) e finais (1970-93), rebuscando a verborreia em torno das controvérsias nos dois períodos com conteúdos similares (exemplos aludidos: Smoot-Hawley Act, sobre comércio livre; acordo NAFTA; sufrágio feminino e direitos iguais). Em quase todo caso estudado constou-se, ao arrepio de muitos analistas desiludidos com nossos políticos, que a complexidade integrativa teria aumentado no tempo. A exceção foi com direitos femininos, e dá exemplos do arco da velha. Em 1917, senador texano vociferava: “No grande Lone Star State (Texas, tem estrela solitária na bandeira), 50 condados que aqui honradamente represento, um estado que é o maior da união, toda pessoa acima dos 21 anos pode votar, exceto preso, lunático e mulher. Não estou querendo dizer que mulher seja alocada na mesma classe e categoria no Lone Star State com preso e lunático” (Rosenau & Fagen, 1997:676). Outro exemplo de um argumento usado em 1972 para opor-se à Emenda dos Direitos Iguais, do Senador Sam Ervin, nascido em 1896: “A emenda diz que homens e mulheres são seres legais idênticos e iguais. Dá azo a considerar muitas coisas tolas como esta. É absolutamente ridículo falar em retirar uma mãe de seus filhos para ir à guerra combater o inimigo e deixar o pai em casa para cuidar das crianças. O Senador de Indiana pode pensar que é sábio, mas Eu não. Penso que é estúpido” (Rosenau & Fagen, 1997:677). Mas tais lapsos muito lamentáveis não desfazem a constatação de que as coisas avançaram, mesmo assim.
Numa arena, todavia, políticos parecem nadar contra o Efeito Flynn: nos debates presidenciais. Gorton e Diels (2010) quantificaram a tendência, ranqueando sofisticação da linguagem dos candidatos nos debates desde 1960 a 2008; acharam que a sofisticação geral decaiu de 1992 para 2008 e a qualidade de considerações sobre economia sumiu desde 1984. Pinker tenta salvar a situação alegando que o decréscimo de sofisticação pode ser produto de estratégia política: debates televisionados se dirigem, ao final da campanha, aos indecisos que, em geral, são menos informados e compromissados. A aparente simplicidade do discurso pode ser montada de caso pensado. Mas, na prática, a preocupação é bem outra: os candidatos não “debatem” em termos lógicos, analíticos, formais; agridem-se, selecionam pontos fracos, abusam de retórica e verborreia, apelam, moralizam, porque o ponto não é argumentar, mas obter votos, impressionar, fazer boa figura, marcar presença etc.
Concluindo esta caminhada com Pinker, podemos anotar seu esforço por evidenciar a ligação entre aprimoramento de habilidades analíticas abstratas e tantas instituições caras à nossa sociedade, em especial ao liberalismo americano, como democracia, mercado liberal, capitalismo, acumulação de riqueza etc. Deixando de lado o tom ideológico que pulsa nisso tudo, vale acentuar a preocupação em manter o tom científico do debate, buscando sempre evidências empíricas mensuradas. Usa conceitos altamente voláteis, como complexidade integrativa, que, mesmo tendo já um lastro de construção psicológica, lida com relações muito difíceis de quantificar. Facilmente a “fineza” de um discurso é assassinada na rudeza da quantificação. Contar palavras, por exemplo, sempre se pode fazer, mas é exercício tímido, até porque há, antes, uma teorização que seleciona quais contar. Assim, o que se pretende propriamente não é contar palavras (para tê-las a quilo ou a metro), mas sopesar seu significado (intenso, não extenso) (Demo, 2001) e isto, quando quantificado, é captado apenas mui aproximativamente, tal qual inteligência. De certa forma, Pinker canoniza o Iluminismo eurocêntrico (Flynn se afasta disso), na busca por mostrar que o tipo de sociedade e economia que daí surgiu é modelo de desenvolvimento e democracia. Paz seria regalia liberal!
TERCEIRA PARTE
Desafios da alfabetização
VIII. HABILIDADES E COMPETÊNCIAS
Temos, então, um pano de fundo teórico para retomarmos o desafio da alfabetização que aqui focamos apenas em seu vínculo com habilidades analíticas abstratas, por serem estas possivelmente as mais emancipatórias. As noções de “habilidades e competências” estão banalizadas, em parte pelo uso intenso no contexto do mercado neoliberal, em parte porque funcionam como acobertamento para os mesmos instrucionismos retrógrados (Demo, 2010b). Vamos usar aqui preferencialmente o termo habilidade para indicar o lado formativo da aprendizagem, que apanha a capacidade de trabalhar conteúdos desenvolvendo igualmente a de pesquisar, elaborar, problematizar, no contexto do aprender como autor (Demo, 2015). A formação de um profissional adequado aos tempos atuais implica não só o trato com conteúdos (indispensáveis para o domínio/exercício profissional), mas igualmente – alguns diriam até sobretudo (Zhao, 2012. Wagner & Dintersmith, 2015) – o desenvolvimento de habilidades que garantam autorrenovação permanente, reengenharia incessante da própria profissão, manejo de expertises digitais autorais, versatilidade em linguagens estratégicas para análise abstrata da realidade, e assim por diante. Podemos condensar essas pretensões formativas na “aprendizagem autoral”, desde que não se faça disso modismo inconsequente. Esta expectativa aparece claramente na proposta de Linn & Eylon (2011. Slotta & Linn, 2009), quando propõem um tipo de literacia científica no pré-escolar que una, indissoluvelmente, qualidade formal e política. De um lado, o desafio é fazer da criança, desde a primeira hora, protagonista da sociedade/economia do conhecimento, em sentido autoral maiúsculo, preparando-a para lidar com conteúdos de ciência, usando estratégias formativas como pesquisa, elaboração própria (individual e/ou coletiva), autoria, problematização, desenvolvendo em especial o lado analítico abstrato da construção científica, em ambiente naturalmente lúdico. De outro, acopla-se a qualidade política que é a capacidade de usar a expertise científica como alavanca emancipatória autônoma e autoral, promovendo estilos críticos autocríticos de produção própria. Ciência, afinal, só combina com autoria – não há como arrancá-la da cópia, reprodução, aula instrucionista, conteudismo (Irizaga, 2002).
Aprender não se restringe, como no instrucionismo, a lidar com conteúdo, repassando-o via aula reprodutiva. Envolve o desenvolvimento de habilidades de desconstrução e reconstrução dos conteúdos, porque a dinâmica formativa exige autoria, prerrogativa também profundamente evolucionária autopoiética. Seres vivos, embora sempre também tangidos de fora, se desenvolvem, se autoformam, de dentro para fora, na posição de autor. Recordemos que esta percepção, hoje bem confirmada na neurociência (Koch, 2012. Ramachandran, 2012), é multimilenária, pois é patrimônio familiar desde sempre: em família os pais percebem com clareza tocante que seu papel é mediador, embora absolutamente imprescindível para o bom desenvolvimento dos filhos; não podem crescer, desenvolver-se pelos filhos; podem, porém, mediar efetivamente, como consta da proposta de Vygotsky (1989; 1989a). Esta condição não muda na escola. Professor não pode aprender pelo estudante; seu papel é montar ambiente adequado para que o estudante goste de aprender e mediar as oportunidades. Na prática instrucionista, porém, aposta-se na transmissão de conteúdo, reservando ao estudante papel passivo de escutar, tomar nota e replicar na prova, engolindo conteúdos. Reproduz-se um papagaio, não se produz um profissional. Aprendizagem adequada é, em seu âmago, autoaprendizagem, no contexto de fatores também externos, em especial da atuação docente.
Assim, uma das habilidades mais sensíveis é “aprender a aprender”. Trata-se de expressão também banalizada, porque foi aprisionada no discurso neoliberal, não porque seja neoliberal vocacionalmente, mas porque os neoliberais chegaram espertamente antes (Demo, 2011d). Como “liberdade” está implicada no liberalismo, não significa que só possa ser vista como condição neoliberal. A expressão “aprender a aprender” pode ser útil para assinalar o desafio da autoaprendizagem, em especial em sua tessitura evolucionária e biológica. Humanos – como todos os seres vivos – são entidades ditas autopoiéticas, ou seja, que se autoformam. São dotados de movimento intrínseco próprio de autoformação, autodesenvolvimento, embora nunca se possam negligenciar ações externas (de fora para dentro), porque assim é a vida: a sobrevivência também é premida de fora, no ambiente físico, na convivência social, mas realiza-se mais propriamente de dentro, como autoformação. Pais e professores são mediadores neste processo, no sentido vygotskyano, que é bem diverso do conceito de intermediário. Intermediário tem conotação chula porque perfaz figura que se mete no meio, em geral sem ser chamada, aproveitando-se da situação, como são intermediários comerciais (facilmente apenas encarecem os produtos, uma das razões para as feiras populares que colocam o produtor diretamente em contato com o consumidor). Aprender a aprender pode significar, então, que o estudante, sob mediação, orientação, avaliação, apoio, parceria, constrói seu caminho emancipatório, à medida que se torna, crescentemente, autor de sua vida, até onde possível. Esta pretensão não se completa (morremos antes, claro), mas pode ser consideravelmente alargada, dependendo das oportunidades que encontramos e que arquitetamos (Fonseca, 1998. Frender, 2004).
Esta ideia está claramente no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – facilmente também produto neoliberal – que considera educação a referência mais próxima do desenvolvimento (não única), porque o termo detém dupla dinâmica entrelaçada: i) educação é maneira efetiva de produzir oportunidades; ii) é sobretudo modo incisivo de se fazer oportunidade. Oportunidades precisam ser arquitetadas, engenheiradas, mas o gesto mais significativo é fazer-se oportunidade, referência fundamental da emancipação: o oprimido precisa descobrir que, mesmo precisando de todos os apoios, o mais decisivo e ao final mais confiável é a iniciativa do oprimido, que não pode delegar a ninguém (nem mesmo a intelectuais orgânicos). A melhor oportunidade de nossas vidas somos nós mesmos. A escola – para além da família – deveria promover esta conquista. Pode-se ver nisso a habilidade das habilidades, porque é a estratégia de montar habilidade. Escola e universidades destroem esta perspectiva quando reduzem o estudante a manipulador surrado de conteúdos surrados, impedindo que exercite sua autoria. É um acinte concluir a graduação sem saber produzir conhecimento próprio, porque o estudante foi coibido em suas chances emancipatórias.
No seu “Produtividade da escola improdutiva”, Frigotto (1989), sarcasticamente sublinha o quanto é “produtiva” para o sistema capitalista uma escola tão improdutiva, porque arrasa qualquer ímpeto emancipatório dos estudantes, acomodando-os na reprodução. Na prática, trata-se de escola imbecilizante, abusivamente doutrinadora à direita, coisa pobre para o pobre e que perdura, ainda que, entrementes, outras argumentações se anunciaram. Entre elas, o próprio mercado quer trabalhadores críticos (Zhao, 2012), porque educação se tornou, mais explicitamente, fator de produtividade globalizada competitiva – esta não pode advir de condições imbecilizantes. O “novo espírito do capitalismo” (Boltanski & Chiapello, 2005) precisa de gente crítica, porque mais produtiva, competitiva, embora seja apelo hipócrita, porque se coíbe a autocrítica – o trabalhador crítico não deve criticar o sistema. Isto aparece ostensivamente na noção de “empregabilidade”: o trabalhador deve continuar aprendendo, estudando, se autorrenovando, enquanto o mercado não tem qualquer compromisso com ele. Por conta dessa truculência, a noção de “aprender a aprender” ficou estigmatizada, ainda que possa ser devidamente usada em outros contextos (Novak, 2009. Novak et alii, 1984)[6].
No ambiente americano, a noção de “fazer por si mesmo” (do it yourself) é incisivamente usada como pedagogia da autonomia, muitas vezes com formulação adequada (autoformação), mas facilmente impregnada de laivos neoliberais (Kamenetz, 2010. Knobel & Lankshear, 2010), quando se sugere ser algo próprio do american way of life ou do “sonho americano”. Entre nós, usaríamos a expressão “saber virar-se”, para assinalar a capacidade de empreendimento próprio, iniciativa, ousadia. Em família, como regra, os pais capricham nisso, porque sabem que os filhos precisam desenvolver-se a ponto de montarem sua própria família e isto não pode ser feito por ninguém mais que não sejam eles mesmos. “Pedagogia da autonomia” é uma das peças mais iluminadas de Paulo Freire (1997), onde trabalha “saberes necessários à prática educativa”, acentuando a importância de pesquisar e elaborar como fundamentos da autoria.
Muitos educadores percebem esta necessidade formativa autoral, entre eles Mezirow (1990. Mezirow & Associates, 2000. Taylor & Cranton, 2012): estudando adultos que voltavam à faculdade (em especial mulheres divorciadas), percebeu que ocorria uma epifania, ou mudança de vida, ou salto emancipatório, à medida que tomavam o destino em suas próprias mãos, com ajuda ostensiva do desenvolvimento da capacidade de análise abstrata de sua condição de vida. Aprendiam também conteúdos, de acordo com a profissão escolhida, mas principalmente aprendiam a pensar, analisar, categorizar, classificar, elaborar, questionar, com devida instrumentação científica (metódica). Não por acaso, Mezirow sempre se inspirou em Paulo Freire e seus termos mais típicos como “ler a realidade” e “conscientização”, para apreender esta passagem radical na leitura da realidade. Essas mulheres passavam a ler a realidade de maneira desconstrutiva e reconstrutiva radical, condição imprescindível para assenhorar-se de suas vidas (que, quando casadas, eram tutoradas pelos maridos). Aprendiam a romper com a opressão pela via analítica abstrata profunda e frontalmente confrontadora, decompondo em suas partes e estruturas, arapucas e trambiques, desvelando dinâmicas soterradas e reprimidas, divisando alternativas argumentadas, o que lhes facultava desenvolver autonomia/autoria que todo processo emancipatório implica.
Em outra dimensão, retomava-se a “alfabetização”, não mais a escolar, mas da vida, como ingrediente incessante da formação continuada. A epifania significava desconstrução da vida passada, feita com instrumentação analítica questionadora e desconstrutiva, para reconstruir outras oportunidades de vida, sempre monitoradas pela instrumentação científica. Analisar formalmente as condições de vida é requisito fatal para mudar de vida, com conhecimento de causa, evitando chutes e expectativas impróprias, dimensionando realistamente as oportunidades, para pisar o chão concreto das mudanças factíveis com autoria e autonomia. Magolda desenvolveu teorização imensa em torno do conceito de “autoria própria” (self-authorship), um pleonasmo gritante (autoria só pode ser própria) (2009; 1999. Magolda et alii, 2010), buscando entender, em especial entre estudantes universitários, modos de construir vidas autorais, autônomas, à medida que se constroem capacidades analíticas abstratas que se afastam de pontos de vista imediatistas e paroquiais. Acentua com particular ênfase a descoberta emancipatória, quando estudantes sacam, por vezes, com enorme surpresa e também algum temor/dor, que emancipação é conquista temerária, não concessão. Precisa ser construída, arquitetada, engenheirada, de dentro, autoralmente. Este insight só comparece no contexto analítico abstrato, quando, deixando de lado referências imediatistas e particularistas, a pessoa apreende traços generalizáveis do fenômeno, comuns na variedade de experiências próprias, metodicamente explicitados e sopesados (mensurados, se possível), distingue partes e etapas do desenvolvimento, perscruta riscos e desafios bem categorizados e definidos, teoriza hipóteses de trabalho, planeja oportunidades.
Laurillard (2007), questionando o ensino universitário, se insurge contra propostas de ensino “situado” (como sugere, entre outros, Gee, 2004), porque implicaria recuo ao pensamento imediatista restrito, não generalizável abstratamente. Não nega a importância de problematizar conteúdos aculturados, usando exemplos concretos, de preferência encrustados na vida do estudante, desde que não se sacrifique aí a condição analítica formal generalizante. Epistemologicamente falando, o exemplo concreto não interessa para a análise científica, a não ser seus traços recorrentes que correspondem a leis estruturantes da realidade. Isto não significa que o concreto da vida não interessa, porquanto a vida não é ensaio abstrato. Muito ao contrário. A vida é concreta, mas para “entender” o concreto da vida é preciso abstrair do concreto, perscrutando sua concretude como abstração analítica. Quem fica apenas no concreto, não vê um palmo à frente do nariz. A abstração não substitui a realidade, nem é maior ou melhor que ela. É apenas estratégia de leitura do concreto, que é mais arguta, penetrante, quando formalizada analiticamente. Ao invés de tomar o concreto como ponto final, toma-se como ponto de partida para a decomposição (desconstrução) analítica, tentando espiar por dentro para apanhar como se estrutura, mantém, funciona, problematizando. O que Laurillard propõe é destacar, na problematização “situada”, não o situado propriamente, porque se esgota e morre em si, mas o problemático do situado, que perdura em suas formalizações, são generalizáveis, teorizáveis.
Aí podemos encontrar uma inspiração importante: o problema não é o foco; o foco é a “problematização” ou a habilidade de “problematizar” (que logo se alinha à desconstrução analítica). Problematizar implica trabalhar o problema em seus contornos formais, estruturas dinâmicas, recorrências empíricas, possibilidades mensuráveis, ordenamentos conceituais, hipóteses de abordagem, para sacar dele o que é propriamente generalizável cientificamente. Do problema queremos a “problematicidade”, assim como da maçã que cai queremos a gravidade. O problema precisa ser lido, ou seja, destrinchado, questionado, confrontado. O analista do jogo não se esgota num jogo concreto que logo acaba, mas perscruta as formas do jogo, estruturas, ordenamentos, táticas e estratégias, para que, lendo o jogo, se possa dar conta dele, em especial quando se está perdendo. Quem não sabe “ler o jogo” continua o mesmo jogo e não atina para sua reinvenção. Poderíamos imaginar um “concreto” pré-científico contraposto ao científico (ou pós-científico). No pré-científico, o concreto é imediatista, localizado debaixo dos pés, utilitarista (avalia as coisas por suas funções de uso), ensimesmado (não toma pontos de vista de outrem), possuído, enquanto o científico é distanciado, objetivado, formalizado, analisado, tomando-se dele o que cabe em outros concretos, permitindo, assim, processos incessantes de desconstrução/reconstrução (Ilyenkov, 1982).
IX. ALFABETIZAÇÃO NA DOSE CERTA
Ao invés da alfabetização na idade certa (todas ou nenhuma são certas), vamos usar na dose certa, apropriada para cada momento da vida. Quando Linn & Eylon propõem educação científica no pré-escolar, a dose certa é fatal, até porque, para os conservadores, é temerário começar tão cedo; a criança não estaria “preparada”, sem falar que muitos ainda afastam do pré-escolar a alfabetização (teria finalidade em si) (Irizaga, 2002. Grossi, 2004). Aprendizagem, porém, não começa ou termina em certa idade. Começa no ventre materno e só termina com a morte. No percurso, aprender é condição evolucionária e social. O que se termina ao fim do 1o ano é uma etapa, a inicial para muitos, enquanto para outros (os estudantes mais ricos) é continuação. A partir daí, a discussão se instala sobre expectativas de cada etapa. Quando se diz que alfabetização dura até três anos, espera-se que, terminados esses três anos, algo teria sido concluído, por exemplo, produzir texto que mereça o nome de texto, resolver problemas matemáticos/aritméticos iniciais, etc. Isto está definido em ANA nas próprias questões apresentadas aos estudantes. Como vimos, as expectativas são fraudadas abusivamente porque a escola é, literalmente, analfabeta.
Educação científica não é a única alfabetização que interessa, porque a propedêutica da vida é composta de inúmeras perícias outras, também fundamentais, entre elas, ler, escrever, contar; literacia digital (programação digital, em especial); linguagens de toda ordem (matemática, gramatical, musical, códigos) etc. O destaque dado à educação científica prende-se, primeiro, à sociedade/economia do conhecimento, onde nos situamos, sobrevivemos, vivemos e queremos prosperar; e, segundo, ao atraso em que estamos metidos, em particular em matemática. Observemos logo que é preciso distinguir aritmética de matemática. A primeira refere-se a contas, em geral resolvidas pela tabuada. A segunda indica o edifício abstrato monumental do pensamento matemático, formal, analítico e que virou a linguagem básica da ciência. Como vimos, o Efeito Flynn não se destaca em aritmética; destaca-se em matrizes, similaridades, formas. Esta distinção é similar à aplicada a videogames sérios, em contraposição aos de mero entretenimento. Enquanto estes não fazem demandas intelectuais e formais mais elevadas, os outros puxam fortemente pela capacidade do jogador de montar estratégias formalizadas de jogo, pesquisar itens assiduamente, formular hipóteses de trabalho, eventualmente montar software para avançar no jogo, analisar condições, situações, desafios “objetivamente”, etc. Tais formalizações analíticas podem colocar grandes desafios às crianças e principalmente ao profissional da alfabetização.
Tendo às costas a teorização acima, podemos tentar discernir mais concretamente tais desafios. Em especial crianças mais pobres, que vivem em casa ainda ambientes pré-científicos ou similares, possuem vocabulário muito restrito, são pouco informadas, não têm oportunidades digitais, aparecem na escola em situação ainda muito preliminar. Veem o mundo de modo imediatista, paroquial, utilitarista, colado ao concreto, sem qualquer distanciamento analítico formal. O abstrato e hipotético lhes é estranho, porque não emergem nas situações comuns de vida, onde o que vale é a relação imediata útil. Em muitos países leitura séria é fundamento importante da aprendizagem, precisamente por isso: estatui a diferença forte entre fala cotidiana e discurso ordenado, formal, analítico, abstrato. A fala cotidiana é fluida, direta, sequer pressupõe esforço para aprender (aprende-se em família sem querer), enquanto escrita implica manipular códigos gramaticais, vocabulários sofisticados, lógica, forma, ordem, linearidade (Foucault, 2000). Aí temos, pois, o primeiro desafio do alfabetizador: trabalhar esta passagem possivelmente agônica do concreto ao abstrato, introduzindo a criança na linguagem científica.
Muitos alfabetizadores, por deficiência de formação na faculdade, não sabem colocar a questão e alfabetizam, na prática, na mesma linguagem comum de casa. Ora, esta está dominada, de nascença. O que é novo na escola é a linguagem formalizada, abstrata, que não aparece em casa, embora possa aparecer em ambientes de maior sofisticação cultural, quando pais, por exemplo, falam com os filhos linguagem escorreita de cariz acadêmico. De novo, a valorização que se faz da fala cotidiana precisa ser posta adequadamente, para não incidirmos na oferta pobre para o pobre. A fala cotidiana é patrimônio da criança; não pode ser relegado, muito menos destruído. Mas é preciso ir além. É o que a escola deveria oferecer. Certamente, o alfabetizador bem formado não faz isso abrupta, agressiva, intempestivamente, mas partindo do que a criança fala, faz, manifesta. Isto, porém, é começo. A seguir, é preciso “desconstruir” o cotidiano no sentido analítico e abstrato, mediando a passagem passo a passo. Esta mediação precisa ser formativa, no sentido de fomentar, sempre, a autoria da criança: é conquista dela, produção dela, realização dela. Papel docente não é fazer cair sobre a cabeça dela esquemas abstratos intempestivos (que facilmente redundam em resistências que podem ser difíceis de superar), mas, combinando desconstrução e reconstrução, mostrar que é viável ver o mundo de outras formas. É sempre o caso manter o senso lúdico e curioso, porque é o estilo de motivação intrínseca da criança. Mas, ao contrário de certa expectativa fútil, a criança não aprende só o que lhe dá prazer.
Abstração dificilmente dá prazer... Se, porém, não dá prazer imediatista, fútil, pode dar prazer intelectual, não da alegria do bobo alegre, mas do bom combate. Montar um texto com começo, meio e fim, dá trabalho, pode cansar, enjoar, mas pode também ser conquista importante. Usando a “zona do desenvolvimento proximal”, é papel docente aumentar os desafios para a criança gradativamente, para que ela tente, sob orientação, algo além do que já faz sozinha. Na linguagem piagetiana, é preciso passar de operações concretas para abstratas, precisamente (Piaget, 1990). O fenômeno que deveria acontecer é a transição de um tipo de “leitura da realidade” (concretista, imediatista, utilitarista, restrito ou pré-científico) para outro de tom analítico abstrato desconstrutivo, científico. É o que chamamos de educação científica. A preocupação com a cronometragem da aprendizagem não é importante, embora sempre caiba, porque a infância acaba. Em escolas mais adequadas às crianças, não há ano/série (veja Projeto Âncora – Demo, 2014); há começo, meio e fim, preservando-se o ritmo individualizado, que, aliás, consta no Ideb: cuidar de aluno por aluno. Existe entre nós uma obsessão por “ciclos”, também inoportuna. Embora se diga que escolas cicladas apresentem desempenho superior, é preciso ver se este desempenho advém da ciclagem ou de outras manobras mais condizentes, como, por exemplo, reinventar os professores. Papel docente é cuidar que o estudante aprenda, em seu ritmo, individualizadamente, como é próprio de sistemas avançados e reconhecidos, como o finlandês (Ripley, 2013. Sahlberg, 2010). Para se chegar a este patamar, onde praticamente todos os estudantes aprendem bem (mais de 90%), é preciso tocar os pontos cruciais, a começar pela mudança docente (não por acaso, a Finlândia exige no mínimo mestrado).
Educação científica, contudo, não tem apenas compromisso científico; tem educativo, flagrantemente. Alfabetizar é educar, antes de mais nada. Linguagens formais abstratas são instrumentação, por mais estratégicas que sejam. O aspecto formativo da alfabetização se expressa mormente nas condições autorais, quando a desconstrução/reconstrução se dá autopoieticamente, não de modo instrucionista. Em termos práticos, a criança aprende a produzir conhecimento próprio, não a memorizar pedaços daqui e dali, implicando desenvolvimento da autoria formalizada, passo a passo. Faz isso em ambiente lúdico, curioso infantil, que é seu chão de motivação intrínseca e faculta enfrentar desafios árduos com galhardia. Se quisermos, alfabetização deve eclodir na formação de autores, cientistas, pesquisadores, na primeira hora. O que mais lhes propicia oportunidade de vida e trabalho é educação científica, em especial a chance de serem, eles mesmos, sua maior oportunidade. Esta também vem de fora, por vezes imposta, mas a real oportunidade é a construída de dentro, autoralmente. Queremos uma criança capaz de discernir seu destino e tomá-lo em suas mãos.
Parte da alfabetização implica “descontruir” o linguajar cotidiano, pré-científico, para avançar na rota científica. Pedagogicamente falando, não faz sentido propor uma desconstrução desabrida, pedante, para indicar que senso comum não vale nada. Ao contrário, é fundamental mostrar que ambas as linguagens são fundamentais para a vida, cumprindo funções diferentes e, frequentemente, rivais. Esta rivalidade vai aparecer principalmente nas pretensões emancipatórias. Enquanto o senso comum não é opção, a linguagem científica formal, abstrata, analítica é opção preferencial, apesar das ambiguidades, também éticas. Por isso, faz parte da alfabetização “desconstruir” a empáfia científica, trabalhando não só o senso crítico, mas mormente autocrítico da criança. Isto emerge na capacidade de escutar um contra-argumento com paciência e respeito, na boa vontade de mudar de ideia em face de outra mais bem posta, na leitura atenta dos textos, antes de derrubar tudo, na preferência pela autoridade do argumento, etc. Vai-se instalando, então, outro modo de “ler a realidade”, de tom desconstrutivo analítico, mais objetivo e contundente, capaz de abrir chances emancipatórias via instrumentação científica. Enquanto em casa todos falam a língua comum, gramaticalmente capenga quase sempre, de vocabulário restrito e imediatista, na escola vale gramática, cientificidade, rigor analítico, procedimentos formalizados. Em termos emancipatórios, o “inimigo” não está em quem fala precariamente a língua, mas em que a fala bem. Urge, pois, falar bem, para lidar com as mesmas armas.
X. APRENDER É EXCEPCIONAL NA ESCOLA
Analiso sucintamente alguns dados sobre descalabros da aprendizagem no Brasil, usando (quase sempre) a versão estatística de Todos pela Educação voltada para o conceito de “aprendizado/desempenho adequado”, ou seja na contraposição entre quem na escola aprendeu e não aprendeu (http://www.todospelaeducacao.org.br/indicadores/). Conforme a Tabela 2, na série histórica de 1995 a 2015 (20 anos), nos anos iniciais (4a/5o do Ensino Fundamental) em língua portuguesa, tivemos em 1995 um desempenho adequado de 39.3% que subiu para 54.7% em 2015, mostrando alguma subida, embora muito deficiente para 20 anos de estrada; em matemática, partimos de 19.0% e chegamos a 42.9%, uma subida bem mais incisiva, de mais de 100% no período, ainda que a cifra seja em si miserável.
Tabela 2. Brasil – Aprendizado adequado (%) – 1995-2015
Anos | 1995 | 1997 | 1999 | 2001 | 2003 | 2005 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 |
4a/5a – EF – Matemática | 19.0 | 21.4 | 14.4 | 14.9 | 15.1 | 18.7 | 23.7 | 32.6 | 36.2 | 39.5 | 42.9 |
4a/5a – EF – L. Portuguesa | 39.3 | 35.5 | 24.8 | 23.7 | 25.6 | 26.6 | 27.9 | 34.2 | 40.0 | 45.1 | 54.7 |
8a/9a – EF – Matemática | 16.8 | 16.7 | 13.2 | 13.4 | 14.7 | 13.0 | 14.3 | 14.8 | 16.9 | 16.4 | 18.2 |
8a/9a – EF – L. Portuguesa | 37.5 | 31.8 | 18.6 | 21.8 | 20.1 | 19.5 | 20.5 | 26.3 | 27.0 | 28.7 | 33.9 |
3a EM – Matemática | 11.6 | 17.9 | 11.9 | 11.6 | 12.8 | 10.9 | 9.8 | 11.0 | 10.3 | 09.3 | 07.3 |
3a EM – L. Portuguesa | 45.4 | 39.7 | 27.6 | 25.8 | 26.9 | 22.6 | 24.5 | 28.9 | 29.2 | 27.2 | 27.5 |
Nos anos finais (8a/9o do Ensino Fundamental), em língua portuguesa partimos, em 1995, de um desempenho adequado de 37.5%, que murchou para 33.9% em 2015; em matemática, em 1995 a cifra era de 16.8%, permanecendo praticamente a mesma em 2015: 18.2%. Certamente foram 20 anos perdidos. No ensino médio, em 1995 o desempenho adequado foi de 45.4% em língua portuguesa, mas em 2015 foi de só 27.5% (perdemos 17.9 pontos de percentagem no período); em matemática, começamos em 1995 com míseros 11.6% que viraram 7.3% em 2015 – 20 anos mais que perdidos. Esta situação torna incompreensível a noção de “Pátria Educadora”, por ser cínica frontalmente. Embora apareça um tom de subida nos anos iniciais, em especial em matemática – o que chama a atenção, porquanto estamos habituados a considerar o pedagogo fugitivo de matemática – nos anos finais a queda é patética e nos ensino médio trágica. Considerando que anos finais e ensino médio são atribuição do licenciado, fica a questão: qual licenciado a universidade (de)forma! Não se pode traçar correlação linear entre desempenho estudantil e docente, porque aprendizagem é fenômeno tipicamente não linear, afetado por muitos outros fatores, em especial em crianças mais pobres (Ravitch, 2013). Leve-se ainda em conta que aprendizagem, por ser dinâmica autopoiética, depende mais do estudante do que do professor; este não pode aprender por aquele. Mas, mesmo assim, o péssimo desempenho estudantil “associa-se” ao desempenho docente, insinuando que é, a bem da verdade, um amador, não um profissional que sabe enfrentar e resolver os desafios na escola. Certamente, não se pode culpar, porque é vítima da universidade e do sistema (salários impróprios, formação caduca, condições indizíveis de trabalho etc.), mas é preciso questionar a contribuição da universidade, extremamente inaceitável.
Na Tabela acentuamos o ano de 1999, porque ocorreu nele uma das quedas mais frontais do desempenho, logo após o ano letivo passar para 200 dias, insinuando ter sido contraproducente a medida. Ao mesmo tempo, a Tabela indica que o aumento do ensino fundamental de 8 para 9 anos não trouxe qualquer benefício aos estudantes. Se levarmos em conta a blague do MEC de alfabetizar em até 3 anos, acabamos perdendo um ano: agora só temos 7. Ultimamente o MEC sugeriu mais 20 dias, também completamente contraproducentes. O tom da Tabela indica um efeito clamoroso de “desaprendizagem” enquanto se sobe no sistema – cai-se para cima. Chegando ao ensino médio, apenas 7.3% dos estudantes aprenderam matemática (no Maranhão, foram 1.5%). Os estudantes tiveram as aulas, fizeram as provas, viram os conteúdos – só não aprenderam!
A Tabela 3 (montada pelo Ipea a partir da Pnad – Ipea, 2015) mostra que dentre as pessoas de 15 a 18 anos em 2013, apenas 67.7% haviam concluído o ensino fundamental para o total (deveriam ter concluído com 14). Com 15 anos, sequer metade havia concluído. No norte e nordeste, apenas 35.8% e 38.1%, respectivamente. Com 18 anos, ainda faltavam 20% para o total, e perto de 30% no norte e nordeste, desvelando um sistema de ensino completamente caduco.
TABELA 3 – Proporção de pessoas com 15 a 18 anos que concluíram o ensino fundamental (2013)
Idade | Total | 15 anos | 16 anos | 17 anos | 18 anos |
Brasil | 67.7 | 48.3 | 66.7 | 76.0 | 79.9 |
- Norte | 56.5 | 35.8 | 53.4 | 65.7 | 72.1 |
- Nordeste | 57.3 | 38.1 | 55.0 | 65.5 | 70.7 |
- Sudeste | 75.4 | 55.1 | 76.3 | 84.2 | 86.4 |
- Sul | 74.9 | 58.2 | 74.4 | 80.9 | 85.1 |
- Centro-Oeste | 71.7 | 51.6 | 72.3 | 79.4 | 82.5 |
Fonte: Pnad 2013 (Disoc/Ipea).
Nas regiões mais desenvolvidas, Sudeste e Sul, pessoas com 18 que ainda não haviam terminado o ensino fundamental eram por volta de 15% ainda. Isto sugere um sistema que não consegue avançar, porque está amarrado a um instrucionismo tacanho, que apenas expele conteúdos, sem qualquer aprendizagem.
A Tabela 4 mostra o desempenho no Ideb em 2015, para o país como um todo, discriminando escola pública e privada. Nos anos iniciais, a escola pública subiu, de 2005 a 2015, 1.7 ponto (de 3.6 para 5.3), extremamente pouco, mas ficou acima da meta para 2015, que era de 5.0. A escola privada subiu ainda menos, 0.9 ponto, ficando abaixo da meta, que era de 7.0. Passando para anos finais, a escola pública passou de 3.2 pontos (uma mixaria clamorosa) em 2005 para 4.2 em 2015, subindo apenas 1.0 ponto e já ficando abaixo da meta de 2015: 4.5. A escola privada subiu apenas 0.3 ponto, ou seja, não saiu do lugar, e não atingiu a meta de 2015, que era de 6.8. No ensino médio, a escola pública passou de 3.1 em 2005 para 3.4 em 2015, uma subida torpe de 0.3 pontos, ficando, naturalmente, abaixo da meta para 2015, que era de 4.0. A escola privada partiu de 5.6 em 2005, para cair a 5.3 em 2015 (andando para trás, pois), não atingindo a meta para 2015, que era de 6.3.
Tabela 4 – Brasil - Ideb 2005-2015
Anos Iniciais | |||||||
Anos | 2005 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | Meta 2015 |
Pública | 3.6 | 4.0 | 4.4 | 4.7 | 4.9 | 5.3 | 5.0 |
Privada | 5.9 | 6.0 | 6.4 | 6.5 | 6.7 | 6.8 | 7.0 |
Anos Finais | |||||||
Anos | 2005 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | Meta 2015 |
Pública | 3.2 | 3.5 | 3.7 | 3.9 | 4.0 | 4.2 | 4.5 |
Privada | 5.8 | 5.8 | 5.9 | 6.0 | 5.9 | 6.1 | 6.8 |
Ensino Médio | |||||||
Anos | 2005 | 2007 | 2009 | 2011 | 2013 | 2015 | Meta 2015 |
Pública | 3.1 | 3.2 | 3.4 | 3.4 | 3.4 | 3.5 | 4.0 |
Privada | 5.6 | 5.6 | 5.6 | 5.7 | 5.4 | 5.3 | 6.3 |
Fonte: MEC/Inep.
Neste miséria toda, chama a atenção a crise pedagógica da escola privada. Não atingiu a meta em nenhum dos casos, caindo ostensivamente no ensino médio e igualmente nos anos finais. Sendo a escola adepta agressiva do conteudismo, a escola privada precisa se reinventar. Em nosso contexto, porém, não se toca, porque continua a Meca dos melhores vestibulares e concursos em seus “cursinhos”. O atual sistema de ensino está esgotado, porque não consegue garantir aprendizagem, embora seja pródigo ao extremo em aula, prova e conteúdo. Na prática, a escola brasileira é uma fraude oficializada. Enquanto a escola pública continua como pecha de coisa pobre para o pobre, a privada oferece um conteudismo em decadência. Visivelmente não sabemos alfabetizar e oferecer educação equalizadora (Au, 2009). Levando em conta a hipótese desse texto sobre habilidades analíticas abstratas e seu maior efeito emancipatório, a escola brasileira é uma arapuca.
XI. ALFABETIZAR O ALFABTIZADOR
Não só a escola é arapuca. A universidade também. Dados acima apontam, embora indiretamente, formação inaceitável do pedagogo e do licenciado, saindo-se o pedagogo bem melhor. Chama a atenção seu desempenho em matemática, por conta do estereótipo comum de que foge de matemática, colocando uma questão de difícil resposta. Diriam alguns que matemática vai bem quando é trabalhada pelo não especialista; este assassina a matemática. Não vou insistir nesta crueldade, mas os dados assim insinuam. O que importa, ao final, é encontrar soluções promissoras, porquanto há, sim, luz no fim do túnel: é professor. Se este pode ser problema, também é a melhor solução. Igualmente é a mais rápida e efetiva, ainda que tudo seja de longo prazo. A valorização socioeconômica é imprescindível, porque o profissional dos profissionais não pode ter um dos salários mais ridículos do país (Demo, 2015c), mas aqui vamos acentuar desafios de sua formação original e continuada.
O curso de pedagogia pode ser visto como o mais importante da universidade, porque define o que é aprender. Neste sentido, é o curso mãe. Na prática, está sempre entre os mais decaídos, a começar por ser facilitado, sumário, sem pesquisa e produção própria, perdido em filosofadas e verborreias. Precisamos, na escola, de um alfabetizador que resolva o problema. Ou seja, capaz de diagnosticar o problema, montar solução, aplicar a solução com devida avaliação. Está na cara que este desafio é tipicamente de habilidade analítica abstrata, junto com os compromissos éticos e políticos. Implica, então, que em sua formação deve estudar detida e sistematicamente a escola, em especial a alfabetização, que não funciona para nada. Estágio deve começar no segundo semestre e introduzir a teorização das práticas como fulcro crucial da formação. As práticas precisam ser “desconstruídas” cientificamente, “objetiva” e rigorosamente, diagnosticando cruamente a situação. A escola deve ser desconstruída como farsa que é, virada pelo avesso, confrontada de alto a baixo, para, sabendo do que se trata, compor soluções à altura.
O desafio pode ser desesperador. Tomar à mão um estudante xucro, tipicamente pré-científico como diriam Lynn e Pinker, e transformá-lo em cientista, pesquisador, autor é obra de arte, muita arte. Mais propriamente, um milagre! Mas é disso que precisamos, sem tirar nem por. Adocicar a pílula, por exemplo, ampliar os anos para até 3 de alfabetização, é farsa, é oficializar a progressão automática, confundindo “idade certa” com “dose certa”. Os dados apontam que, não se concluindo a alfabetização prometida mui levianamente, não se conclui mais – assim mais de 90% dos estudantes chegam ao fim do ensino médio sem saber matemática; foram promovidos fraudulentamente. Não se defende reprovar, porque não é objetivo da escola, nem ideia pedagógica. Mas o estudante tem o direito de aprender e avançar aprendendo. O alfabetizador precisa ser capaz de garantir isso, profissionalmente. Assim como o bom médico cirurgião entra na profissão já tendo praticado, à exaustão, inúmeras cirurgias sob supervisão (residência, principalmente), assim o alfabetizador precisa ter alfabetizado muitas crianças antes de se formar e com devido êxito e comprovação.
Cursos noturnos são mais problemáticos, porque o estágio pode ser dificultado (em geral não há oferta noturna para alfabetização de crianças), mas como são inevitáveis (a maioria só pode estudar à noite), precisamos nos compor, sem nivelar por baixo. O alfabetizador precisa de teorização, mas não menos de prática teorizada. Se esta faltar, não há profissional. O que nos está incomodando é que o alfabetizador dá mostras de estar mal alfabetizado – é como o cirurgião que não sabe fazer cirurgia. Uma inutilidade. Por isso, a pedagogia precisa sacudir-se, profissionalizando-se. Precisa aceitar que, se o alfabetizador não dá conta do recado, a pedagogia faliu. Podemos respeitar algumas desculpas, como condições péssimas de trabalho, salários ofensivos, carreira decadente, faculdade pretérita etc., mas isto não refresca o direito do estudante de se alfabetizar devidamente. Não pode haver nisso concessão.
Ao mesmo tempo, é preciso transformar o alfabetizador em cientista pesquisador, perito em educação científica, programador digital, matemático deslumbrante. Autor. Os cursos não vão nesta direção, nem nas melhores universidades do país, porque giram em torno de aula. Pedagogia precisa, então, afastar-se do sistema de ensino vigente, mesmo apadrinhado pelo MEC e sobretudo pelas escolas privadas, buscando um sistema de aprendizagem que se coadune com chances emancipatórias dos estudantes, ou seja, saiba lidar com o desafio analítico abstrato, científico, com qualidade formal e política. Se não sabe produzir conhecimento próprio cientificamente adequado, está fora da jogada; não serve para nossas crianças, porque as vai engambelar. Mutatis mutandis, essas considerações se aplicam ao licenciado, que, como os dados sugerem, tem desempenho bem mais pífio, indicando que, não sabendo aprender, não consegue que seus estudantes aprendam, sobretudo em matemática. Enquanto no bacharelado é comum falar-se de pesquisa e método, na licenciatura não aparece, porque se fantasia que o profissional vai apenas dar aula, reproduzindo conteúdos. O licenciado que não consegue lidar com pensamento analítico abstrato, produzir conhecimento próprio, ser autor de texto próprio, ou seja, não é capaz de aprender, não pode fazer um estudante aprender. Não sabe aprender, mas acha que pode ensinar! As licenciaturas precisam ser radicalmente mudadas, praticamente não deixando pedra sobre pedra.
Estando já na escola, temos o desafio da formação permanente, que quase sempre é caricatural nas benditas “semanas pedagógicas” ou coisa parecida. Replicando o mesmo sistema de ensino, oferecem-se palestras, por vezes insinuantes e aproveitáveis, mas não são aprendizagem, mesmo no formato de “oficinas”, porque o ambiente não muda: tudo gira em torno de repassar conteúdo. O professor precisa incisivamente estudar, pesquisar, elaborar, exercitar autoria, crescer cientificamente, produzir ensaios parrudos metodicamente adequados, para poder se autorrenovar incessantemente, para que sua autoria se torne autoria discente também. Precisa de tempo e oportunidade, deve poder estudar na escola, porque é trabalho, não sendo admissível que se consuma dando aula. São importantes cursos longos, não porém os da pós-graduação lato sensu, porque são vala comum do instrucionismo. Os cursos serão de preferência híbridos, misturando presença física e virtual, desde que autorais. Sem produção própria, oferece-se aula copiada para ser copiada e não há semana pedagógica que conserte isso. Vamos aceitar que alfabetizador é a figura chave da formação escolar – começa na educação infantil, entendida como propedêutica imensa para a vida da criança, e com educação científica no pré-escolar, para que amanheça como protagonista de sua sociedade/economia do conhecimento.
Mais que outros profissionais educadores, o alfabetizador precisa apreciar habilidades abstratas analíticas, porque estão mais próximas da emancipação. Deve saber valorizar o senso comum comunitário como patrimônio cultural e identitário, mas deve igualmente, talvez sobretudo, valorizar a passagem para o mundo científico (crítico autocrítico), porque é dessa arma que o oprimido precisa para sacudir a opressão.
QUARTA PARTE
Social emancipatório
XII. SOCIAL COMO ASSISTENCIAL E SIMILARES
Entre outras artimanhas neoliberais está o encapsulamento do social no “assistencial”. Denominei esta proposta de “cidadania assistida”, melhor que a tutelada (Demo, 1995), mas insuficiente para enfrentar a exclusão social. Primeiro, cumpre reconhecer o lugar próprio da assistência social, como direito de cidadania, que podemos apreciar, no Brasil, no Bolsa-Família (Campello & Neri, 2013) – trata-se de programa de dimensões gigantescas, amplamente reconhecido como parte da postura republicana que prevê cobertura assistencial para quem tem problemas graves de sobrevivência. O Bolsa-Família, no entanto, incorpora igualmente os limites da assistência: alivia a pobreza, mas não a supera. Não é defeito, é característica de políticas assistenciais, que não precisam ser “assistencialistas”. Assistencialismo é tratar problemas estruturais com abordagens conjunturais/eventuais, que apenas maquiam a questão, sem encará-la em sua profundidade devida. Assistências esticadas podem facilmente virar assistencialismo, porque obstaculizam iniciativas de autossustentação. O Bolsa-Família inclui condicionalidades que pretendem ser “emancipatórias”, como exigir frequência à escola de filhos em idade escolar, mas, além de ser exigência redundante, talvez imprópria (condicionar assistência empana o direito de cidadania), a escola que temos é de tal modo inoperante, que é ridículo esperar dela decorrências emancipatórias. Com isso, o programa acaba reduzindo-se ao assistencial que, esticado, vira assistencialista.
Esta artimanha foi assumida pelo neoliberalismo explicitamente, ao adotar políticas assistenciais de grande porte para acomodar a pobreza (O’Connor, 2001), porque são “boas e baratas”, sobretudo não questionam o sistema. Nada é confrontado estruturalmente, apenas se espargem reformas localizadas e superficiais que têm, porém, impacto suficiente para, deixando tudo como estava, dar a impressão de que estamos “combatendo” a pobreza, até mesmo fazendo do pobre “classe média”, em nome de ideiais republicanos como justiça social, cidadania, Estado de Direito etc. Os gastos podem ser vultosos, como no Bolsa-Família, mas, em termos de orçamento geral, são pouco significativos, sobretudo “compensam”, não só para apaziguar a consciência hipócrita do mercado liberal, mas principalmente para termos “paz social”. Nesta categoria também cabe a proposta de Suplicy sobre “renda básica de cidadania” (2004), que adota a perspectiva de oferecer a todos os cidadãos, indiscriminadamente, uma renda básica. Não é, naturalmente, uma proposta de combate à pobreza, mas de pós-pobreza, até porque oferecer renda básica aos ricos também é um esnobismo exibicionista. O interessante é que a ideia teve aprovação no Congresso, mas nunca foi posta em prática, também porque o Bolsa-Família (exclusivo para baixíssima renda) o substitui. Serve de enfeite neoliberal. Assistência pode ser extremamente importante e adequada, mas, quando mal feita, vira inconsequente e desemboca em clientelismos clássicos, também eleitoreiros (Renda Básica de Cidadania, 2017). Acaba tornando-se brincadeira de mau gosto em contextos de desigualdade extrema como no Brasil.
Primeiro, uma questão teórica. Desigualdades extremas desvelam desacertos estruturais na sociedade e na economia, que não se corrigem com maquiagens, muito menos por uma renda básica que tenderá a ser “mínima”, retomando o velho sarcasmo do “salário mínimo”. O DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) (2017), teimosamente, recalcula o valor que o salário mínimo deveria ter para dar conta das necessidades básicas de uma família, chegando ao valor de R$3.811.29, enquanto o aprovado para 2017 foi de R$937,00. Uma diferença de 4 vezes! Quando desiguais são tratados de modo igual, as desigualdades se preservam. A impressão de igualdade é obscena. Segundo, uma questão pragmática. Para os mais ricos, a renda básica é ridícula; para os mais pobres, insuficiente, como é, objetivamente falando, insuficiente a renda do Bolsa-Família. Não se pode, porém, elevar demais, porque, encostando no salário mínimo, se perderia o interesse em voltar ao mercado de trabalho ou se passaria a impressão de que é mais cômodo não trabalhar. O correto seria “renda necessária”, que está fora de cogitação no capitalismo liberal que se diz republicano por conveniência, não por vocação (Bakan, 2004. Boltanski & Chiapello, 2005). Superar pobreza (pelo menos a extrema) não é brincadeira que se faça com “rendas mínimas”.
Existem assistências contínuas, para necessitados contínuos, como deficientes, idosos etc. Não precisam ser necessariamente provisórias, embora sempre caiba alegar que a assistência ideal é aquela que se suprime com o tempo: ajuda de tal modo que o ajudado não precisa mais de ajuda, ou seja, ajuda a não precisar mais de ajuda. É o que fazemos com nossos filhos em casa. Ajudamos para que possam tornar-se independentes, já que um dia precisam tocar sua casa, sua vida, seu trabalho, seus filhos sozinhos. É uma expectativa, ao mesmo tempo, social e evolucionária. No âmbito evolucionário, seres vivos se desenvolvem para a autonomia, levando cada qual vida própria; aqueles que não conseguem isso, desaparecem. Nos humanos isto se torna tanto mais evidente, já que todo processo de formação, desde o berço, passando pela infância, adolescência e juventude teria como razão de ser a construção da autonomia. No âmbito social, seres humanos são conclamados à autoria de suas vidas, à media que se fazem protagonistas de seu destino, repelindo ser massa de manobra. Assim, ajuda bem posta é “autoajuda”, embora este termo tenha sido adulterado na literatura que leva este nome (Demo, 2005). À medida que se escuda em fórmulas prontas, sobretudo quando amplamente comercializadas, escondem arapucas que produzem dependências maléficas, impedindo a autossuficiência. Assistência mal conduzida pode acomodar o assistido que perde o interesse por enfrentar a vida como autor. Ao invés de erigir-se como protagonista insubstituível de seu destino, prefere deixá-lo a cargo de outrem, esperando ser conduzido, decidido, determinado.
Na escola há lugar para assistência, até mesmo vale pensar na ideia de ter um assistente social em cada escola (talvez de maior porte), embora tenha de cuidar incisivamente de não enredar-se em assistencialismos. Quando se fala de escola inclusiva, para receber deficientes de vários níveis e condições, seria importante oferecer os apoios devidos, também para não redundar em farsa. Em escolas voltadas para a população mais pobre, assistência também pode caber para estudantes com extrema dificuldade de sobrevivência, que teriam direito republicanamente. O social na escola tem tido outras colorações, também importantes, como esporte, lazer, artes, comunicação etc., muitas delas contempladas com profissionais específicos (educador físico, arte-educador, comunicador etc.), cujo tratamento, muitas vezes, é malbaratado. Por exemplo, embora seja comum apreciar impactos emancipatórios no esporte – retirar adolescentes das ruas, inserir em carreiras esportivas libertadoras, formar disciplina e disposição, trabalhar em equipe, sem falar no cuidado crucial com o desenvolvimento corporal – facilmente esporte acaba apenas enchendo o tempo, ou é feito de modo amador e intermitente, sem agregar nada de relevante para a aprendizagem e cidadania estudantil. Propende para lazer no sentido ligeiro de passar o tempo ou divertir-se, algo que cabe, certamente, mas não é razão da escola. Quanto a atividades artísticas, podem ganhar dimensões elevadas, como formação musical (manter uma banda com pretensões profissionais, por exemplo), formação cênica (teatro, dança), formação literária (clube de leitura, de poesia), práticas de comunicação modernas (tocar uma rádio, fazer vídeos). Seu potencial é inegável, só enaltecendo a escola que sabe lidar com isso.
A escola, contudo, não pode ser transformada em agência social esparramada, não só porque não daria conta de tantas mazelas sociais, mas sobretudo porque sua razão de ser é a aprendizagem dos estudantes. O que nos incomoda sobremaneira é que aprendizagem parece em extinção (junto com matemática), na contramão de ofertas massivas de aula, prova e repasse – isto nunca falta, sobra por todos os lados, enquanto o estudante não consegue elaborar sua autoria, perdendo chance inestimável de preparar-se para a vida como autor. Nada vale a pena na escola, se, ao final, o estudante não aprender adequadamente. Precisamos colocar isso no devido lugar. É bom aprender xadrez, capoeira, manter uma banda de alto padrão, mas tudo isso só faz sentido se aprimorar a oportunidade de aprendizagem tanto mais autoral. Não faz qualquer sentido saber xadrez e não matemática. Podemos encarar a vida sem xadrez, mas dificilmente sem matemática. O programa Mais Educação (agora também o “novo”) (Demo, 2016) pode ser considerado protótipo desta farsa social – nunca teve como foco garantir ao estudante o direito de aprender; foi tática inepta de esticar uma escola ruim de 4 noras para outra ainda pior de mais 4 horas (duas vezes pior!). Na versão atual, centra-se em língua portuguesa e matemática, por conta de os resultados do Ideb estarem em bancarrota no país (Demo, 2016a) e aponta para iniciativas que se repetem sem efeito nenhum, como qualificação/valorização docente – o professor formado na universidade não se mostra capaz de resolver a aprendizagem na escola, certamente porque, não tendo aprendido na faculdade, não é profissional da aprendizagem.
O “social” pode ser facilmente diversionista na escola. Podemos empulhar a escola com mil atividades que apenas distraem a atenção, mantêm as pessoas ocupadas, dão a impressão de que a escola pensa em tudo, só não pensa em aprendizagem. Este social é fútil.
XIII. SOCIAL EMANCIPATÓRIO
Um dos discursos pedagógicos mais comuns, em geral à sombra de Paulo Freire (1997; 2006), é que educação seria “transformadora”. O primeiro susto que levamos ao escutar isso é que não sabemos onde colocar “transformação” na escola atual, inclusive na formação acadêmica vigente na faculdade dos professores. Se anos iniciais indicam que o pedagogo consegue elevar o Ideb (surpreende que a elevação se dê mormente em matemática), anos finais e ensino médio desvelam fracasso generalizado, sugerindo que o licenciado (em matemática e língua portuguesa) não dá conta. É tamanha a dissintonia que parecem antípodas, embora venham da mesma forja acadêmica. Não se pode “culpar” o docente linearmente (mecanicamente), porque, ocorrendo a aprendizagem na mente do estudante, não na aula, a peça chave é o estudante. Toda correlação estatística apenas garante “associação” de variáveis, não “causação” – o estudante pode não aprender por muitas outras razões, por exemplo, por pobreza (Ravitch, 2013). Retendo apenas a noção de “associação”, os dados indicam que o licenciado tem atuação absolutamente inaceitável, tornando ridícula qualquer pretensão de “transformação” na escola atual. No entanto, sempre acreditamos que educação pode ser emancipatória (Mezirow, 1990. Mezirow & Associates, 2000. Taylor & Cranton, 2012) – “pode”: questão de potencialidade que precisa ser efetivada na escola. Atribui-se a Freire a melhor defesa desta ideia, num dos ícones mais conhecidos dele que é “ler a realidade” para poder transformá-la.
Aparece, então, visão alternativa do “social”, bem mais alargada e aprofundada, que inclui o assistencial e similares, mas implica enfaticamente a construção do sujeito capaz de história própria, individual e coletiva, exigindo mudanças estruturais. Trata-se de “emancipação”, uma conquista cidadã tipicamente transformadora de protagonismo. Aprender como autor (Demo, 2015) encaixa-se nisso enfaticamente, entendendo-se autoria como conquista autoconstruída da cidadania. Aprender pode ser dinâmica que se promove de fora também, como os pais fazem com seus filhos, mas é, no fundo, autoaprendizagem, de dentro para fora, autoral. O estudante precisa gerar e gerir sua aprendizagem, com apoio da escola (mediação). Voltando ao tema do oprimido de Paulo Freire, “ler a realidade” precisa ser conquista do oprimido substancialmente, descobrindo que pode tornar-se a peça chave de sua libertação. Esta não pode provir de outrem (seria “presente grego”), embora possa ser mediada por outrem (professor, por exemplo), facultando a posição de autor do próprio destino (ainda que esta pretensão seja sempre apenas relativa). Assim como os pais não podem viver a vida dos filhos, o professor não pode “ler a realidade” pelo estudante – como a aula parece pretender; este precisa realizar esta desconstrução ativa, em especial para não esperar do opressor sua libertação. Emancipar-se, para Paulo Freire, é sair da condição de oprimido, passando para a de liberto (embora, sendo o processo ambíguo, o liberto possa tornar-se o próximo opressor). É obra do oprimido que se emancipa, mesmo podendo ser auxiliado por outrem.
Aprendizagem pode ter esta potencialidade. Não é algo automático, ligeiro, eventual, mas elaborado autoralmente, implicando motivação intrínseca incisiva (Pink, 2009), dedicação sistemática, autoria constante, autoconstrução. Sabendo “ler a realidade”, pode com ela confrontar-se na condição de possível autor. Emancipação requer, então, primeiro, mais que oportunidades iguais, já que dar a todos a mesma coisa não refaz os atrasos históricos; segundo, requer oportunidades superiores (resultados), para retirar os atrasos, apertar o passo e chegar junto lá na frente, disputando, então, as mesmas oportunidades. O discurso da igualdade de oportunidades é vazio porque ignora as distâncias sociais vigentes (Au, 2009). É como colocar para fazer a maratona um velho e um jovem – ambos teriam a mesma oportunidade, já que partem do mesmo lugar e fazem o mesmo percurso. Mas é injusto, completamente. Precisamos de resultados superiores para quem deles precisa. E isto leva ao conceito de escola da qual os mais pobres precisam. Não precisam da “mesma” escola, que os encalacra mais ainda. Ela não é “inclusiva”, precisamente porque inclui na mesma arapuca. Para podermos garantir aos mais necessitados a escola de que precisam, cumpre:
a) construir “outra” escola – comprometida com a aprendizagem autoral dos estudantes, que vale por aquilo que os estudantes produzem, não pela aula docente, dispensável; escola precisa ser espaço de aprendizagem autoral, produção própria, pesquisa, educação científica etc., de sorte que o estudante aí encontre oportunidades de resultados superiores, marcantemente; precisa, em termos bem concretos, aprender “melhor” que os outros que estão à sua frente;
b) formar “outro” professor – que, sabendo aprender como autor, consiga trabalhar este desafio com seus estudantes, tornando-os autores, cientistas, pesquisadores; a faculdade não faz isso; ao contrário, não consegue fabricar um alfabetizador profissional, muito menos um profissional da aprendizagem nos licenciados; não se trata, então, de ter mais professores de física, para dar este exemplo de carência extrema no sistema, mas “outros” professores de física, capazes de garantir que seus estudantes aprendam física comprovadamente (Forque et alii, 2013);
c) arquitetar “outra” pedagogia – deixando para trás este “sistema de ensino”, que apenas garante aula, prova e repasse ineptamente, chegar a um sistema de aprendizagem, focado no estudante como protagonista autor; pedagogias da problematização, projeto, pesquisa são horizontes preferenciais, porque se baseiam na produção do estudante, sob mediação docente; o estudante é avaliado por aquilo que produz, não pelo que memoriza; se o estudante não aprende, nada na escola faz sentido; por isso a escola atual, literalmente, não faz sentido;
d) oferecer oportunidades de protagonismo atualizado na sociedade – contam-se aí alfabetizações mais avançadas, como inclusão digital (em especial programação digital), proficiência em matemática (considerada matéria estratégica para ler a realidade atual); educação científica e pesquisa para viabilizar a inclusão nas dinâmicas mais efetivas das oportunidades atuais, também profissionalizantes; capacidade de autorrenovação permanente, consentânea com a aprendizagem continuada, que vai além dos conteúdos (embora os pressuponha sempre), realçando habilidades de estudar, pesquisar, elaborar, ler etc.;
A razão disso é que os mais necessitados não podem contentar-se com a mesma escola. Precisam de “outra”, porque carecem de resultados superiores, nunca os mesmos. Precisam aprender mais e melhor. Emancipação exige mudanças estruturais, porque se trata de virar a mesa. Sociedade igualitária é totalmente diferente da que temos. Não será produzida via mudanças incrementais, assistenciais, cosméticas, mas por aprofundamentos radicais que demandam transformações sociais efetivas. Espera-se isso de educação, embora em geral afoitamente. Educação tem potencialidade emancipatória, caso seja efetivada adequadamente. A escola que temos é o túmulo da emancipação.
Sob o olhar deste “social”, precisamos reinventar tudo. Primeiro, não faz sentido “reformar” o sistema de ensino, porque é o caso superá-lo. A atual reforma do ensino médio é inócua porque ignora que, dentro do atual sistema de ensino, não se obtém mudança importante nenhuma, porquanto continuam a mesma escola, a mesma pedagogia, o mesmo professor, a mesma aula... Voltando ao oprimido, não cabe apenas mudar de opressor, maquiar a opressão, enfeitar; cumpre superar. Segundo, respeitando o direito do estudante de aprender como autor, o que oferecemos é sua detração, porque ele é “vítima de aula”, literalmente. Aprender exige autoria, como alega a neurociência enfaticamente (Demo, 2015). Esta não existe na escola, nem mesmo no professor. É o mundo da Lua. Quando 1.5% dos estudantes do ensino médio aprendeu matemática no Maranhão em 2015, temos a situação típica da escola como fraude oficializada. Se quisermos mudar isso, precisamos começar do zero. Radicalmente.
Particular atenção merece o professor. É fator externo da aprendizagem do estudante (mediador), mas é peça chave, a mais chave possivelmente, como são os pais para os filhos, mutatis mutandis. Seu desempenho escolar está em xeque, porque é estrambótico nos anos finais e ensino médio, dando a impressão de impasse. No entanto, por mais que se tenha de criticar, é o parceiro crucial desta jornada emancipatória. Teve formação insuficiente na faculdade; em geral não tem valorização socioeconômica condigna; vive condições de trabalho muitas vezes dantescas. Se estudante é vítima de aula, ele também é. Não tendo aprendido como autor, resta “ensinar”... É especialmente vexatória a situação da matemática – bastaria lembrar que no PISA 2015, quase 44% dos brasileiros ficaram abaixo do nível 1 – matemática não existe. No entanto, na saga científica conhecida, matemática tem sido peça central, por conta de seus formalismos analíticos e que apareceram bem no “efeito Flynn”. Matemática pode ser vista como atrapalho na escola – se fizéssemos uma assembleia geral dos estudantes sobre se matemática continua no currículo ou é eliminada, facilmente seria eliminada – como pode ser vista como oportunidade emancipatória destacada, em particular olhando sob o prisma (certamente discutível) da economia do conhecimento: quando falamos de conhecimento científico, o destaque é de sua linguagem própria matemática – formal, analítica, abstrata. O pedagogo tem tido algum êxito na matemática dos anos iniciais (à revelia de sua má fama em matemática), mas, como ANA mostra (Tabela 1), a alfabetização em matemática continua desastrosa também.
Esta situação recomenda não apelar para discursos “alternativos” que acabam oferecendo ao pobre educação pobre (Popkewitz, 2001), rebaixando, por exemplo, matemática para ser mais acessível, reduzindo as expectativas de desempenho dos mais necessitados etc. Quando entra em cena “o coitadinho”, estamos liquidando suas parcas chances. Mais que ninguém, o oprimido precisa da melhor matemática possível, precisamente porque carece de resultados superiores, não os mesmos, muito menos inferiores. É bom divertir a moçada na escola, mas isto não pode obscurecer os desafios agônicos em pauta que passam pela aprendizagem quase nenhuma. Chegar ao fim do ensino médio destituído de matemática é uma tragédia sem volta. Naturalmente, mudanças desta magnitude, ao demandarem radicalidade, exigem tempo e sistematicidade sem tréguas. Passam principalmente pela mudança docente. Precisamos fazer dos professores pesquisadores, cientistas, autores, para que, assim, possam fazer isso com seus estudantes. A emancipação do estudante supõe a do professor. Na visão de Paulo Freire, combinada com a de Gramsci (1972; 1978), professor é o “intelectual orgânico” em pessoa!
“Social” na escola é de brincadeira. Não é jogar xadrez, divertir, pintar o sete, apenas. É garantir ao estudante oportunidade efetiva de emancipação, implicando chance real de mudar de vida. Para tanto, habilidades formais são estratégicas, desde que críticas autocríticas.
XIV. CIÊNCIA AUTOCRÍTICA ABERTA
Apostar em ciência é uma tentação, movida sobretudo pelo fascínio tecnológico eurocêntrico (Noble, 2013. Mosco, 2005). Vamos colocar aqui um desafio para a ciência que se quer emancipatória: precisa, para ser coerente, emancipar-se também. É golpe sujo insinuar ou mesmo apregoar que emancipação é monopólio eurocêntrico, tal qual desenvolvimento, progresso etc. (Amsden, 2009). Confundir ciência modernista e emancipação não cabe. Emancipação precisa da energia formal, abstrata, analítica da ciência, não da ideologia eurocêntrica. Convém repisarmos este tema, para evitar açodamentos e encurtamentos. A ciência eurocêntrica, tão exitosa tecnologicamente falando, tem-se mostrado insustentável, colonialista, destrutiva de outros saberes e culturas, machista etc. (Harding, 1998; 2011). Não precisamos imitar isso. A ciência modernista é exemplo consumado de emancipação torta, incoerente, farisaica, prevista por Freire quando alegava que o liberto pode virar opressor. A ciência emancipou-se, por exemplo, da religião, ao preferir a autoridade do argumento (desprezando o argumento de autoridade). Mas, tornando-se conhecimento exclusivo, dono da verdade, fez-se religião, posando de argumento de autoridade. Conhecimento que se quer exclusivamente verdadeiro, deixa o âmbito científico e volta para a sacristia.
Ciência precisa emancipar-se da arrogância, aprendendo a conviver com outros saberes também fundamentais para a existência (Latour, 2013), mesmo que sejam, aparentemente pelo menos, antípodas. O feito mais incisivo da ciência foi a invenção de seu “método” – mesmo positivista, detém a capacidade de penetração “objetiva” (pretensamente) nos fenômenos, por conta da formalização do objeto, além das aparências e artimanhas sociais, do que se oculta etc. Opressão, para ser devidamente confrontada, precisa ser duramente desconstruída. Para o que o oprimido se torne protagonista de sua libertação, precisa desvendar as artimanhas da opressão, sobretudo o que aí se camufla e perverte. Esta desconstrução é mais bem possível com método científico, por conta de sua argúcia analítica. Não faz isso em nome da verdade que, em ciência, ninguém sabe o que é (sabemos quem são os “donos”), mas em nome da análise mais isenta possível, profunda possível, plena possível, mesmo sendo sempre incompleta.
Emancipação se conjuga bem com autocrítica, a capacidade de flagrar-se manipulado e, a partir daí, partir para a luta, fazendo-se protagonista. Crítica só não basta, porque pode ser unilateral – em geral é. Autocrítica é essencial, porque permite, ainda, evitar que o liberto vire opressor. Quando buscamos nossa autonomia, não podemos perder de vista que gente autônoma convive com gente autônoma, em rivalidade e reciprocidade, uma engenharia finória muito desafiadora. Conhecimento científico não tem sabido conviver com outros conhecimentos. Considera-os ineptos, incorretos, impróprios, como se ele fosse o único verdadeiro. Enquanto vale combater a ignorância, em especial a socialmente produzida (pobreza política), não podemos esquecer que conhecimento científico tem em sua matriz a ignorância (Harari, 2015; 2017. Firestein, 2012): pesquisa-se porque ignoramos; quando avançamos o conhecimento, a fronteira se afasta ainda mais, não havendo como exarar a última explicação. Conhecimento perfaz assim, tanto o que temos de mais “completo”, quanto o que continua sempre “incompleto”. Este reconhecimento exige profunda autocrítica, como já apontava a maiêutica socrática.
Em educação esta discussão é crucial, porque precisa manter-se autocrítica com respeito a seus efeitos na sociedade, sobretudo em face de pretensões inclusivas. Sendo conhecimento científico profundamente homogeneizante e globalizante, “converte”, “evangeliza” a ferro e fogo os “ignorantes”, subalternizando-os. Tomemos o caso paradigmático dos indígenas. Imaginamos que, oferecendo-lhes escola, estaríamos “incluindo”. Estamos incluindo, mas não como os indígenas esperariam, já que esta inclusão os aprisiona em esquemas interpretativos alienígenas. Educação, concretamente, “ocidentaliza”, porque oferece currículo ocidentalizado, flagrantemente. Como se trata de minoria (em extinção, lenta e implacável), a chance de reagir à altura é quase nula. Mas podemos imaginar uma montagem científica à altura dos indígenas que, aproveitando a energia emancipatória do método, a traduza para sua cultura e sentido de vida. Mesmo sendo “realistas”, ou seja, que educação acaba ocidentalizando, é possível cuidar da cultura própria, sobretudo “aculturar” a ciência, para que tenha impacto menos detergente. Não esqueçamos que a interpretação dominante científica da educação a vê como “reprodutora” (Bourdieu & Passeron, 1975. Althusser, 1980), não como transformadora. Assim, deixada a seu ritmo social, cuida bem melhor dos poderosos.
Para que os indígenas não sejam “engolidos”, carecem, não das “mesmas” oportunidades, mas de oportunidades próprias e com resultados superiores. Isto não se faz sem seu protagonismo, para que, mesmo tendo de inserir-se no “ocidente”, não façam disso seu inferno de vida. Falta, pois, em ciência autocrítica, embora possa estar encharcada de crítica. Saber pensar é questionar, sobretudo autoquestionar-se (Demo, 2010a). Quando propomos educação científica desde o pré-escolar, precisamos calibrar a autocrítica científica, para que as crianças logo aprendam que argumentar implica conviver com argumentos contrários. Aprendemos da divergência, não de homogeneizações forçadas. Porquanto, só sabemos superar limites, quando sabemos acuradamente dos limites.
CONCLUSÃO
Educação é um negócio ambíguo. Como ocorre em casa, pais podem ajudar e atrapalhar. Na escola os professores também podem atrapalhar, “se bobearem”. Mas podem ser um trunfo contundente, quando, na condição de autores comprovados e produtivos, trazem para os estudantes as chances da autoria científica. Mesmo na condição de motivação externa, o professor é a melhor referência de aprendizagem para a criança: ela aprende bem com professor que aprende bem (Demo, 2015c). Conhecimento científico, porém, é espada de dois gumes. Suas faces alvissareiras são facilmente empanadas por outras grosseiras, sombrias. Como troféu eurocêntrico, apesar de suas formalizações universalizantes, emplaca sorrateiramente ideologias ocidentais, que incluem democracia liberal, mercado liberal, capitalismo, meritocracia da riqueza concentrada etc. Em Pinker isto aparece, por vezes, com alguma crueza. De fato, o método científico é a tecnologia mais potente do espírito para os ocidentais, o que facultou progresso material enorme, ainda que não sustentável e abusivamente concentrado. A liderança eurocêntrica é incontestável, tendo à frente os Estados Unidos. Esta pecha, porém, não desfaz o argumento: conhecimento científico é o mais próximo da emancipação, porque mais que outros pode desconstruir a opressão, possibilitando uma leitura da realidade de rara politicidade.
Esta ideia é lamentada por vezes por educadores que se querem de esquerda, mas não se advertem que fazem o papel da direita. Apelam para senso comum e saberes comunitários como se fossem amuletos emancipatórios. São importantes para outros fins, não para fins emancipatórios. O oprimido precisa de armas condizentes contra o opressor; precisa desconstruir ostensivamente a opressão, em termos analíticos abstratos, para poder montar projeto alternativo, cientificamente adequado, e virar a mesa. Não pode ir para a guerra atômica com estilingue. Ridículo. Para mudar o problema, cumpre saber do problema, “objetivamente”. Para curar o câncer, cumpre saber qual é. Muita coisa pode ajudar, como espiritualidade, amizade, apoios, crenças religiosas, autoajuda, mas, não sabendo qual é, o tiroteio pode ser em vão. O que a medicina faz, é precisamente por em marcha sua habilidade analítica abstrata, desconstruindo o câncer em termos de pesquisa, estudo, comprovação empírica, mensuração de intervenções e resultados, para poder dar conta do problema. As pessoas se emancipam mais facilmente quando conseguem desconstruir os empecilhos, erigir-se como autoras e empreender a virada histórica. Água benta não basta!
Precisamos aprender uma lição histórica, bem visível entre nós. Mudar a escola é, sobretudo (nunca só) mudar o professor. O que mais pode contribuir para a aprendizagem discente, não é ciclo, currículo, computador, mas qualificação docente. É rota equivocada, por exemplo, investir em periodizações (alfabetizar em até três anos), quando mantemos o mesmo professor. Isto se tornou tanto mais visível na Escola Integral: passar uma escola ruim de 4 horas para 8 horas, teremos a mesma escola ruim, mais cara, mais perdulária, mas impertinente, com o mesmo Ideb. A mudança mais sensível e promissora é docente. Para alfabetizar bem precisamos de alfabetizador visivelmente bem alfabetizado.
A universidade sabe, quase sempre, o que é aprender bem. Mas reserva isso para seus mestres e doutores. Para estes chegarem ao título, fazem exercício típico de autoria e pesquisa: concebem um tema, definem o objeto de pesquisa, qualificam em banca, realizam a pesquisa sob orientação, escrevem um livro e defendem em público. Sabe-se que produzir conhecimento exige autoria. No entanto, não serve para a graduação. Nesta, copiar é a regra. Quando doutores entram em sala de aula, quase sempre só “dão aula”. Não foi assim que viraram doutores. Mas é reserva intelectual hipócrita. Embora haja muita crítica também à pós-graduação stricto sensu, esta ainda é um norte pertinente. É este o espírito que precisa reinar desde o pré-escolar (Arum & Roksa, 2011; 2014).
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[1] A Tabela abriga uma incógnita: escrita apresenta dados bem menos dramáticos, embora conservando o mesmo ranking dos estados. Por quê? Leitura e matemática mostram perfis bem aproximados. Não tenho explicação elaborada para a situação da escrita.
[2] A propósito, um grupo de professores de ciência americanos e israelenses sugere começar educação científica (como alfabetização) no pré-escolar (Linn & Eylon, 2011. Slotta & Linn, 2009). Enquanto postergamos para até os oito anos de idade a alfabetização no Brasil, por lá começa-se com quatro nos, com o intuito de preparar a criança como protagonista da sociedade/economia do conhecimento. Estamos completamente fora dos tempos.
[3] Poderia ser sugestão para o MEC: ao invés de alfabetização na idade certa, seria mais criativo “na dose certa” ou coisa parecida. É disso que se trata: qual a dose certa de alfabetização que cabe no 1o ano, seja para que não se percam três anos (como é hoje a tendência avassaladora), seja para não fantasiar feitos impossíveis ou ínfimos.
[4] Veja série de remixes sobre Linn e Eylon no blog: www.pedrodemo.blogspot.com.br (alter 100 a alter 111).
[6] No eco de Frigotto, poderíamos falar de produtividade de programas assistencialistas, do tipo Bolsa-Família, porque, encerrando-se em assistências e mantendo o bolsista como mero beneficiário, não se promovem dinâmicas emancipatórias, introduzindo um elemento perverso de pobreza política. Do ponto de vista do sistema, emancipação não interessa; apenas o voto e a docilidade.