Adequação e preconceito linguístico
Leia esta tira do Níquel Náusea, personagem criado pelo quadrinista paulista Fernando Gonsales, e responda às perguntas.
1.Por que o rato acredita que o escorpião vai “sofrer muito na vida”?
2.Que expressão o escorpião usa para abordar seu interlocutor? Que tipo de comportamento é sugerido por essa expressão?
3 A maneira como ele usa as palavras confirma esse tipo de comportamento? Explique sua resposta.
O humor da tirinha resulta de uma inadequação: a fala do escorpião, além de não ser conveniente para seu objetivo, revela um excesso de formalidade, que não se justifica na situação de comunicação apresentada na tira.
No capítulo anterior, você estudou fatores sociais que determinam variedades da língua. Além das questões relativas às particularidades dos falantes, é importante considerar a situação de comunicação em que eles
estão inseridos.
Um falante competente é quem consegue transitar entre esses níveis de linguagem, reconhecendo o que é adequado a cada situação de comunicação.
Para isso, precisa se apropriar das formas socialmente mais valorizadas, as chamadas variedades urbanas de prestígio. Elas estão associadas, em geral, aos moradores dos grandes centros urbanos que têm acesso a mais atividades educacionais, culturais e científicas e atuam em esferas profissionais prestigiadas.
O modo de falar desse grupo urbano varia conforme as situações de comunicação, como vimos nas ilustrações das páginas 70 e 71. Apesar disso, observa-se que, em geral, as variedades urbanas de prestígio estão mais próximas da chamada norma-padrão, o modelo de uso da língua descrito nas gramáticas e nos dicionários. Nenhum falante – mesmo aquele que é muito culto – obedece à norma-padrão todo o tempo, mas essa norma é uma referência.
Preconceito linguístico
A compreensão de que a língua varia leva, necessariamente, ao reconhecimento de que não há uma língua “correta” ou “bonita”. Todas as variações são legítimas porque servem ao propósito da língua: permitir a comunicação entre os indivíduos. Assim, o preconceito contra algumas variedades, como aquelas usadas por pessoas com pouca escolaridade, revela um equívoco no entendimento do funcionamento da língua.
Apesar disso, não é correto concluir que esses falares são bem-vindos em todas as situações de comunicação. Uma das mais importantes funções da escola é justamente a de aproximar os estudantes das variedades urbanas de prestígio para que eles possam adquirir progressivamente novos hábitos linguísticos, que lhes permitirão participar de todas as atividades culturais, científicas e profissionais disponíveis, inclusive aquelas que exigem a produção ou a compreensão de gêneros mais monitorados.
Adequação e preconceito linguístico NA PRÁTICA
1.Leia a transcrição de um depoimento sobre o pernambuquês da professora Nelly Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco. Em seguida, responda às perguntas.
O fato da gente usar oxente! é porque lá é ô gente!, mas o g tem o som de ch. Pra gente foi se modificando e até hoje a gente não diz mais nem oxente!, a gente diz oxe!, oxe!, e a… a prova disso é que Virgem Maria!, no momento, quando a gente diz como exclamação, a gente diz ximaria!. Aliás, as… as nossas influências a gente pode ver muito nas músicas de Luiz Gonzaga. O sertão era uma região diferenciada. Então, daí nós tivemos... teve palavras como pitoco, cotoco, sufoco, que eu acredito que sejam de origem africana pelo... pela diferença que têm do português. E também coisas criadas mais recentes, por exemplo, tem bigu, que todo mundo chama carona e a gente chama bigu, porque na época da Guerra os... as... não tinha quase automóvel aqui e os americanos quando passavam diziam assim be good, be good, quer dizer, seja bonzinho, me leve. Daí veio a palavra bigu. E uma coisa muito engraçada é uma palavra que não tem nada de dialetal, mas que eu só percebi no dia que chegou uma pessoa e disse pra mim “Por que vocês dizem tanto pronto?”. Aí assim: “Vá até a esquina, aí pronto; dobre do lado, aí pronto, chega lá”. Tudo pra gente é pronto. Então é uma maneira, são essas maneiras que a gente vai criando e vai estratificando na nossa linguagem. E a gente tem muito orgulho, pelo menos eu tenho muito orgulho da minha linguagem. Disponível em: <https://vimeo.com/46450960>. Acesso em: 27 jul. 2018. |
Dialetal: aquilo que é próprio da variedade regional de uma língua.
Estratificando: fixando.
a) O uso de oxe! é uma das marcas mais características da fala pernambucana e também de outros estados nordestinos. Como essa forma surgiu?
b) A fala da professora mostra que diferenças no léxico podem surgir em função das experiências particulares do grupo de falantes. Explique essa ideia usando o exemplo dos soldados estadunidenses.
c) A professora citou palavras de provável origem africana. O que as torna semelhantes?
d) Segundo a professora, as marcas de uma variedade linguística regional devem ser evitadas? Justifique sua resposta.
e) Releia o último período do texto.
“E a gente tem muito orgulho, pelo menos eu tenho muito orgulho da minha linguagem.”
Que expressão usada pela professora indica menor confiança em relação àquilo que ela está defendendo? Por quê?
2. Leia este trecho de notícia sobre um fato ocorrido no Rio de Janeiro.
Placa com erro ortográfico no Túnel Marcello Alencar será trocada na noite desta quinta
Na inauguração da segunda galeria do Túnel Prefeito Marcello Alencar, no sentido Parque do Flamengo e Rodoviária, nesta quinta-feira, um detalhe na placa, logo na entrada, chamou a atenção: “Extenção:
3.394 m”. A palavra escrita de forma errada – o correto é extensão – não passou despercebida.
Segundo a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cedurp), a responsabilidade pelo erro ortográfico é da Concessionária Porto Novo. A Cedurp informou também que a placa será trocada na noite desta quinta, já que a via precisa ser fechada para a troca. Assim que o erro foi constatado, a Porto Novo foi notificada.
a) É correto concluir que o erro na placa preocupou os responsáveis pela obra? Justifique sua resposta.
b) Considerando seus estudos sobre o uso da língua, você diria que a troca imediata da placa era realmente necessária? Por quê?
c) Releia o trecho “A palavra escrita de forma errada – o correto é extensão – não passou despercebida”. Qual é o provável motivo para a inclusão do trecho entre travessões?
3. Conheça agora um poema do escritor cearense Patativa do Assaré.
O boi zebu e as formigas
1 Um boi zebu certa vez moiadinho de suó, quer sabê o que ele fez? Temendo o calor do só, 5 entendeu de demorá e uns minutos cochilá na sombra de um juazeiro que havia dentro da mata. E firmou as quatro pata em riba de um formigueiro. Já se sabe que a formiga cumpre a sua obrigação, Uma com outra não briga vive em perfeita união, 15 paciente, trabaiando, suas fôia carregando, um grande exemplo revela naquele seu vai e vem. E não mexe com ninguém 20 se ninguém mexê com elas. 10 Por isto com a chegada daquele grande animá, todas ficaram zangadas, começaram a se assanhá. 25 E foram se reunindo, nas pernas do boi subindo, constantemente a subir. Mas tão devagá andava, que no começo não dava 30 pra ele nada sentir. | Mas porém como a formiga em todo canto se soca, dos casco até na barriga começou a frivioca. 35 E no corpo se espaiando, o zebu foi se zangando, e os casco no chão batia. Mas porém não meiorava, quanto mais coice ele dava 40 mais formiga aparecia. [...] Com o lombo todo ardendo daquele grande aperreio, o zebu saiu correndo fungando e berrando feio. 45 E as formiguinha inocente mostraram pra toda gente esta lição de morá: contra a falta de respeito cada um tem seu direito 50 até nas lei naturá. As formiga a defendê sua casa, o formigueiro, botando o boi pra corrê da sombra do juazeiro, 55 mostraram nessa lição quanto pode a união. Neste meu poema novo o boi zebu qué dizê que é os mandão do pudê, 60 e estas formiga é o povo |
a) O poema de Patativa do Assaré lembra bastante uma fábula. Quais são os elementos comuns entre esses dois gêneros textuais?
b) Esse poema não pretende apenas entreter. Qual é sua mensagem para os leitores?
c) Esse texto é um exemplo de poema matuto, um gênero criado com marcas de duas variedades linguísticas. Uma delas está ligada a um fator histórico, porque o poema procura imitar um uso mais antigo da língua. Qual seria o outro fator determinante das formas usadas pelo poeta?
d) A forma de escrever algumas palavras nesse poema não está de acordo com o que se registra nos dicionários. Anote quatro exemplos e a forma indicada pela convenção ortográfica.
e) Em sua opinião, qual foi o objetivo do poeta com as alterações da ortografia?
f) Releia. “Mas tão devagá andava” (verso 28)
Quem faz a ação citada? Qual seria a forma de fazer a concordância do verbo com esse sujeito segundo a norma-padrão?
g) Quanto à concordância, o que se observa em “E firmou as quatro pata” (verso 9)?
h) Que motivo poderia explicar a maneira como é feita a concordância nas frases analisadas nos itens f e g?