Oi oi gente, esse é o tortinha de climão, sinta-se em casa.
Pra quem não me conhece, eu sou a Marina, física, divulgadora científica e curiosa profissional.
Estou gravando esse episódio em um quente dia 19 de novembro, um pouquinho menos de uma semana depois do fim da COP26, assunto que esteve aí nos noticiários nas últimas semanas. Mas ficou claro o que é a COP? Porque é tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que mais do que normal que as coisas fiquem um pouquinho confusas né. Esse episódio tá aqui pra isso, desconfundir, ao menos um pouco.
Bem, eu vou partir do princípio pq aqui é assim, começar sempre do começo:
COP vem de Conference of Parties, em português, conferência entre partes. Essas partes aí são os países que fazem parte da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (a sigla em inglês que você pode ver por aí é o UNFCCC) se reúnem desde 1995 pra discutir ações, de âmbito global, para lidar com as mudanças climáticas.
197 países se juntam por duas semanas com negociadores profissionais, diplomatas e ministros , pra... negociar.
Além disso rolam anúncios de acordos firmados antes das semanas de COP, acontece também o famoso networking, representantes de países vão estar discutindo e conversando com representantes de empresas ou da sociedade civil, é um evento imenso.
Esse ano a COP aconteceu em Glasgow, na Escócia. Pra contar um pouquinho sobre a loucura que é, chamei a Erika Berenguer, ecóloga especialista em fogo na amazonia, pesquisadora em Oxford e divulgadora no Dragões de Garagem;
Erika, conta pra gente aqui, como é a loucura de cop?
“A COP é muito louca né, porque… é um lugar imenso, um grande centro de exposições. E tem vários stands, cada um de um país diferente, detalhe, os países não necessariamente tem um stand garantido eles pagam pra ter esse stand e pra falar o que quiser dentro desse stand. E a sociedade civil também pode comprar stand. E os stands variam de tamanho. O Brasil esse ano tinha, o oficial do Brasil, era imenso e bem localizado. Mas o Brasil tinha também um outro stand que era um da sociedade civil, que era um que estava sempre lotado, acontecendo um monte de eventos. Então essa é a parte dos stands né. Também tem umas partes que dá pra ter reuniões, umas partes mais abertas e tem as salas de negociações. Mas tudo isso ficava dentro da Zona Azul. A Zona Azul, só pode entrar quem é cadastrado. E pra conseguir um passe é muito difícil. Você não simplesmente entra num site e fala que quer um passe.
E tinha a Zona Verde, que ai sim era aberto a toda sociedade. Por causa da covid as pessoas ainda tinham que fazer um cadastro para entrar mas era aberto a sociedade e aconteciam varios eventos da sociedade civil.
Além disso tinha a Conferencia das Pessoas, a People Summit, que tava acontecendo em Glasgow em alguns desses dias, que também é organizada por ativistas. Então rolam vários eventos que não são diretamente relacionados à cop… A Zona azul e a zona verde são oficiais da cop, e nisso tem os vários eventos extras que não são oficiais da cop. Mas a cidade anfitriã que está recebendo a COP acaba recebendo um monte de eventos paralelos. Então tinha esse People Summit, tinha também o New York Times Climate Hub, que eu fiz um evento lá com o Global Canopy e com várias lideranças indígenas que foi super interessante. Pra entrar lá você também precisava ter um cadastro mas, não era aberto a sociedade como um todo, então meio que depende esses eventos paralelos, alguns vc tem que ter convite, outros não tem… É uma grande loucura que vc não sabe meio pra onde ir com tudo aconteendo ao mesmo tempo, são várias coisas interessantes e dos mais variados temas. Então vc vai ter palestras sobre cidades verdes, como diminuir emissões de grandes cidades, e isso partindo tanto de governos quanto da sociedade civil, e até palestras sobre conservação de florestas, que eu participei. Mercado de carbono, enfim… é uma diversidade enorme. É impossível entender toda a programação da COP, é impossível ver tudo. O que é garantido é o cansaço.”
Muito obrigada Erika. Com esse comentário dela dá pra ter noção que a conferencia não é um negócio pequeno né?
A conferência é um evento gigante mesmo. São quase 200 países enviando suas delegações, que somaram aproximadamente 22mil pessoas registradas, mais 14 mil observadores, e uns 4mil jornalistas. E nessa conta aí nem entram o público da área verde, os empresários que aproveitam o momento para negociar e os manifestantes, que foram vários.
COPs tem um histórico aí de anos e anos (como eu disse, começaram em 1995) e algumas coisas muito importantes aconteceram nelas. Acho que no momento podemos dizer que o resultado mais famoso das cops rolou em 2015, em paris e ficou conhecida como... Acordo de Paris.
Esse acordo foi negociado na cop 21 e tem um teor muito mais urgente que qualquer outro acordo proposto anteriormente: ele diz, basicamente "oi, nós países signatários estamos preocupadíssimos com as mudanças climáticas e vamos nos esforçar bastante para garqantir que o aumento da temperatura média global seja limitado a 2ºC, preferencialmente a 1,5ºC se possível." Essa preferência por tentar limitar em 1.5°C é chave porque casa décimo, cada 0.1°C, conta. Hoje, já contratamos um aquecimento de 1.1°C em comparação temperaturas pré-industriais. Limitar em 1.5°C seria um jeito de garantir que o estrago não seria assim, tão grande.
Você pode se perguntar "mas e daí, se não cumprirem, alguma coisa acontece?" e a resposta curta, e errada, é não. não existe nenhuma multa, nenhuma punição pros países que não cumprirem suas partes no acordo de paris. mas essa resposta é errada porque acordos desse teor tem peso nas relações internacionais, afinal, o país assumiu voluntariamente um compromisso, em público, anunciando aí pra geral "ow galera, olha aqui, eu to comprometido em ajudar a diminuir a situação de fim do mundo sim". E suspensão de acordos comerciais, ou a iniciativa privada olhando com olhares menos amigáveis pra produtos produzidos em países não comprometidos, pode ser uma punição bem pesada.
E antes que vc me pergunte, PQ DIABOS vc tá falando de acordo de paris, da cop 21, num episódio sobre cop 26 eu já lhe digo.
Quando assinaram o acordo de paris os países meio que combinaram, "olha a gente vai tentar fazer isso mas não sabemos bem como então dá um tempinho pra gente se organizar". Os países dizem o que vão fazer em documentos chamandos NDCs. National Determnind Contribution. As contribuiões nacional determinadas (pelos próprios países).
O que ficou combinado é: os países iam arrumar metas mais ousadas, ambiciosas e chocantes em cinco anos, e divulgar na cop26 quais são. Isso porque as ndcs originais não garantiriam essa restrição de 2C, e ela é o foco né. Então PRECISAMOS de metas mais ousadas.
Aliás, aqui vai uma informação muito bacana sobre as negociações: elas acontecem por consenso. Isso significa que, quando falamos de um acordo como o acordo de paris, estamos falando que todos os países ali concordaram com os termos propostos. Todos. Não é num esquema "ah mas a maioria votou então tá decidido". Essas decisões por consenso são ótimas mas, ao mesmo tempo, dificílimas. E por isso as negociações costumam ser longuíssimas.
Acontece que cinco anos depois da cop 21 seria 2020, também conhecido como ano passado, o ano que o covid parou o mundo. Sendo assim, os países ganharam esse tempinho extra pra se preparar pra essa cop em 2021.
E daí, os países ficaram ousadões, você me pergunta. E a resposta é... sim, e não.
Hoje, quando gravo esse episódio, 13 países submetram mudanças recentes as ndcs. tá tudo público gente, é só buscar lá na unfccc ou pegar o link no post desse episódio. https://www4.unfccc.int/sites/NDCStaging/Pages/All.aspx - mas vários já postaram atualizações pras ndcs: https://unfccc.int/process-and-meetings/the-paris-agreement/nationally-determined-contributions-ndcs/nationally-determined-contributions-ndcs
Dentre os destaques podemos comentar sobre EUA e China, fazendo anúncio em conjunto falando que sim eles estão preocupados e comprometidos com tentar salvar o mundo do aquecimento. Foi um anúncio pouco claro em COMO eles vão resolver as coisas, mas já é um avanço visto que estamos falando de dois países que são praticamente grandes rivais no tabuleiro do planeta que decidiram fazer um anuncio em conjunto;
Ah, e o Brasil? Bem, pra situar, vamos lembrar que o brasil é o quarto maior emissor histórico de CO2, e que isso se deve, principalmente a mudança do uso da terra. Como assim mudança do uso da Terra marina? Tipo botar fogo na amazonia pra transformar em pasto. Isso é mudança do uso da terra.
Pois bem, Brasil, tinha prometido, na sua primeira NDC que iria atingir a neutralidade de co2, o famoso net zero, em 2060. Esse net zero, o zero líquido, significa que todo montante de co2 que eu tacar na atmosfera eu vou tirar no mesmo período de tempo. Marina netzero, por exemplo, teria que garantir o plantio de 2 árvores pra cada ponte aera Rio-SP que fizesse. Então um país net zero tem que ter políticas claras de como reduzir ao máximo as emissões de carbono e ter boas pçolíticas de compensação.
Além disso na nossa primeira NDC o plano era, em 2030, estar em 43% das emissões de 2005.
Enfim, nessa cOP o brasil mostrou suas metas ambiciosas: netzero em 2050 ao invés de 2060. e em 2030 estar com 50% das emissões de 2005, ao invés daueles 43%. Tambpem se comprometeu a adiantar o fim do desmatamento ilegal de 2030 para 2028.
Parece pouco né? E é. A gente precisa seguir pressionando para que metas mais agressivas sejam colocadas no nosso plano e, principalmente, que elas sejam cumpridas.
Ao longo da cop não tivemos anuncio da estimativa mais recente de desmatamento produzida pelo INPE, algo que costuma acontecer. Esse anúncio veio depois e a coisa não tá boa não. Tivemos um aumento de 22% no desmatamento da amazonia em comparação ao periodo de agosto de 2019-julho de 2020. isso significa que no último ano contabilizado pelo PRODES, o projeto de estimativa de
Então a coisa não tá lá muito boa pro brasil não.
Mas voltemos a COP. Outros anúncios foram bastante importantes nesse contexto:
Alguns anuncios importantes foram feitos ao longo dessa cop: a Beyond Oil and Gas Alliance - a BOGA foi uma aliança puxada pela dinamarca e costa rica, a coalizão tem como objetivo incentivar o abandono na utiização de combustíveis fósseis. Combustiveis fósseis que estiveram, pela primeira vez, nominalmente chamados no relatório final de uma COP. não sem uma certa controvérsia.
Esse relatório final que ficou conhecido como o pacto de glasgow, cita o carvão abertamente quando comenta sobre o compromisso de diminuir gradualmente o uso de carvão, que é um grande vilão de emissões. Esse diminuir gradualmente era, no rascunho anterior, eliminar gradualmente, mas lembra que eu falei que as coisas são feitas sob consenso? então, a índia não gostou muito e no fim das contas diminuiram a ambição. Mas ainda se conta como feito a simples presença do carvão no documento.
Outra coisa importante pra essa cop era a finalização de um LIVRO DE REGRAS para as coisas acordadas em Paris. Uma das grandes expectativas era a finalização do artigo sexto do acrtodo de paris. que fala sobre mercados de carbono. E essa foi uma das grandes vitórias de glasgow. Agora os países tem que fazer suas licões de casa e regulamentar internamente, mas já há uma regulamentaão de ambito global para esses financiamentos.
E eu não poderia terminar esse episódio sem falar um pouquinho só que fosse do papel das lideranças jovens, como a Greta Thumberg e a Txai Suruí, e de toda a delegação indígena que esteve nessa cop; Essa foi a COP com maior número de representantes de povos originários desde 1995, e isso é bom. Bom porque esses são atores principais, e deveriam ser foco em negociações, quando falamos de proteção de florestas, por exemplo. Basta ver, no Brasil, como territórios indígenas costumam ser muito mais preservados. E, quando não são, pode olhar de perto e ver que tá rolando invasão de grileiro ou garimpeiros.
Vale falar sobre movimentos jovens, indígenas e demais preocupados com o clima porque nenhuma negociação em Glasgow aconteceu no silêncio. Ainda que essas negociações sejam feitas sob portas fechadas, do lado de fora sempre tinha alguma manifestação, grande, média, pequena ou gigante acontecendo.
Isso porque a gente precisa aumentar a ambição nos compromissos firmados. Estamos falando do futuro de toda a humanidade e, as próximas gerações estão bastante engajadas em exigir que as promessas feitas nessa cop sejam cumpridas e que promessas melhores sejam feitas em próximas cops.
Se foi um fracasso ou foi um sucesso, eu não vou te dizer. Eu mesma não saberia fazer essa avaliação. Mas eu, no meu humilde espaço aqui, se conseguir fazer com que você preste um pouquinho mais de atenção na próxima cop e nas promessas feitas nessa edição, considero um sucesso. Porque é isso, a gente não pode deixar a meta de limitr o aquecimento a 1.5°C sair do nosso horizonte.
Por hoje é só, espero que a COP 26 esteja um pouquinho mais clara pra você e nos vemos daqui duas semanas.
Esse podcast é uma produção Dragões de Garagem. Pauta e roteiro foram escritos por mim, Marina Monteiro. A edição é do maravilhoso Thiago Miro. Tivemos participação especial de Erika Berenguer.
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