CAPACITISMO E ACESSIBILIDADE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (PCD)
Dados do Disque 100 revelam que, em 2023, mais de 394 mil violações de direitos humanos contra pessoas com deficiência foram registradas no Brasil.
Considerada uma das mais recorrentes formas de preconceito contra pessoas com deficiência, o capacitismo é a discriminação ocorrida por meio de determinados tratamentos, formas de comunicação, práticas, barreiras físicas e arquitetônicas que impedem o pleno exercício da cidadania dessas pessoas. Ele é caracterizado, principalmente, quando se pressupõe que alguém é incapaz apenas pelo fato de possuir alguma deficiência.
Segundo dados do Disque 100, canal de denúncias sob gestão da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do MDHC, foram registradas 394.482 violações contra as pessoas com deficiência no país em 2023. Na comparação com 2022, o crescimento foi de 50%. Entre os tipos de denúncias mais recorrentes, destacam-se negligência à integridade física (47 mil denúncias), exposição de riscos à saúde (43 mil), maus tratos (37 mil) e tortura psíquica (34 mil).
Diante desse cenário, a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Anna Paula Feminella, explica o conceito do termo.
"Capacitismo é um sistema de opressão que hierarquiza as vidas humanas pelos tipos de corpos. As práticas capacitistas podem acontecer como ações ou como omissão. Não oferecer atendimento prioritário às pessoas com deficiência ou não prover recursos de acessibilidade, por exemplo, as expõe às desigualdades sociais, podendo comprometer a própria existência das pessoas com deficiência", afirma a secretária.
De acordo com Anna Paula Feminella, subestimar a capacidade de uma pessoa com deficiência não é a única forma de capacitismo. “Às vezes, o capacitismo acontece quando a gente superprotege uma criança e não permite ela se desenvolver pelas próprias estratégias, não a permite conviver com outras crianças”, aponta.
“O capacitismo é baseado num padrão corponormativo. Quanto mais distante desse corpo considerado socialmente normal, mais preconceito a pessoa vai sofrer. E não é só o corpo, também é o comportamento. Tanto que as pessoas com deficiência intelectual e psicossocial, aquelas que não são oralizadas, são as maiores vítimas de violência no Brasil”, acrescenta, lembrando que uma das primeiras formas de enfrentamento a esse preconceito é o conhecimento sobre a temática e compreensão de que todas as pessoas, independentemente de sua condição, têm direito aos mesmos acessos, dignidade e direitos.
(...)
FONTE: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do Governo Federal. Disponivel em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/capacitismo-o-que-e-como-combater-e-por-que-e-tao-importante-falar-sobre-o-tema Acesso em: 21 ago. 2025
Em função do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, que é celebrado em 21 de setembro, conforme estabelecido pela Lei Nº 11.133/2005, o Tema do Mês aborda o “Capacitismo e Acessibilidade das Pessoas com Deficiência (PCD)”, disponibilizando artigos, legislações e jurisprudências do TRT3, do TST e do STF.
ARTIGOS, TESES E DISSERTAÇÕES
TESES E DISSERTAÇÕES
ANDRADE, Eduarda Inácio de. A pessoa com deficiência e o Direito do Trabalho In: Trabalho, justiça e sociedade: Prêmio Desembargador Antônio Álvares da Silva - II Concurso de Monografias da Biblioteca da Escola Judicial do TRT-3. Belo Horizonte: RTM, 2025. Disponível em: https://sistemas.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/92281/A%20pessoa%20com%20defici%c3%aancia%20e%20o%20direito%20ao%20trabalho.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 21 ago. 2025
LIVROS SOBRE O TEMA:
BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. A "reforma trabalhista" e o sistema de cotas de emprego das pessoas com deficiência: análise comparativa dos impactos no Brasil e em Portugal à luz da Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência. Brasília: Venturoli, 2023. 561 p.
BRASILEIRO, Gustavo Tambelini. Dignidade e trabalho: inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Londrina: Thoth, 2019. 87 p.
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. BRASIL. Câmara dos Deputados. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência [texto (tipo ampliado)]. 4. ed. Brasília, DF: Edições Câmara, 2011. 185 p.
CASTRO, Moisés Coelho. Inclusão, deficiência e trabalho: normas e ações afirmativas à luz do direito internacional. Belo Horizonte: Dialética, 2021. 216 p.
EÇA, Vitor Salino de Moura; SOARES, Ivna Maria Mello; SOARES, Saulo Cerqueira de Aguiar (coord.). Direitos das pessoas com deficiência e afirmação jurídica. Curitiba: CRV, 2019. 434 p.
MAEDA, Patrícia (coord.). Diversidade: direitos humanos para todas as pessoas. Campinas: Tribunal Regional do Trabalho da 15. Região, 2022. 373 p.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Benefícios previdenciários das pessoas com deficiência. 3. ed. São Paulo: LTr, 2019. 219 p.
PROTON, Cássio Ribeiro. A inclusão produtiva da pessoa com deficiência no mercado de trabalho: uma visão sobre o aspecto da dignidade humana. São Paulo: Dialética, 2023. 113 p.
RIBEIRO, Valeria. A tutela jurisdicional coletiva como instrumento das pessoas deficientes na consolidação da cidadania. São Paulo: Dialética, 2024. 158 p.
SANTIAGO, Ricardo André Maranhão. Emprego apoiado: inclusão do trabalhador à luz da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. xii, 315 p.
VIANA, Márcio Túlio; CRISTO, Magno Moisés de; JORGE, Camila (org.). Discriminação no trabalho: olhares jovens sobre um velho tema. Belo Horizonte: RTM, 2022. 334 p.
LEGISLAÇÃO:
Princípios e Direitos Fundamentais garantidos às Pessoas com Deficiência pela Constituição Federal/1988:
Legislação diversa sobre o tema:
Brasil. Lei nº 7.853, de 24 de Outubro de 1989 - Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.
Brasil. Decreto nº 3.298, de 20 de Dezembro de 1999 - Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências.
Brasil. Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000 - Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências.
Brasil. Lei nº 10.098, de 19 de Dezembro de 2000 - Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.
Brasil. Decreto nº 6.949, de 25 de Agosto de 2009 - Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
Brasil. Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015. (Lei Brasileira de Inclusão (LBI) da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) - Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)
JURISPRUDÊNCIA:
MINAS GERAIS. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO. DANOS MORAIS. LEI 9.029/95. O artigo 1º da Lei 9.029/95 determina que é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, sendo que o artigo 4º do mesmo diploma legal estabelece que o rompimento da relação de emprego por ato discriminatório, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento ou a percepção, em dobro, da remuneração do lapso de afastamento. In casu, a prova produzida nos autos evidenciou o caráter discriminatório da dispensa da reclamante, portadora de deficiência, pelo que deve ser mantida a sentença que determinou a reintegração da laborista e condenou a ré ao pagamento de indenização por danos morais. INTEIRO TEOR: não evidencia apenas o tratamento discriminatório, mas também o capacitismo institucional expressamente combatido pelo protocolo antidiscriminatório. A imposição ... , evidenciando o capacitismo estrutural que o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória busca combater. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010457-62.2024.5.03.0060 (ROT); Disponibilização: 17/03/2025; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator/Redator Paulo Chaves Correa Filho) Disponível em: Acórdão pode ser consultado na íntegra em: https://juris.trt3.jus.br/juris/consultaBaseCompleta.htm . Acesso em: 25 ago. 2025.
MINAS GERAIS. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO INTEIRO TEOR: .. DE A OBREIRA PORTAR APARELHO AUDITIVO QUE SUA DEFICIÊNCIA POSSA SER IGNORADA, NA PERSPECTIVA DE UM CAPACITISMO POUCO PROBLEMATIZADO. AFINAL, PCD'S (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010299-20.2022.5.03.0143 (ROPS); Disponibilização: 06/07/2023; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator/Redator Convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque) Disponível em: Acórdão pode ser consultado na íntegra em: https://juris.trt3.jus.br/juris/consultaBaseCompleta.htm . Acesso em: 25 ago. 2025.
BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. DIREITO DO TRABALHO - PROCESSO DO TRABALHO - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Para que reste demonstrada a negativa de prestação jurisdicional, na forma do art. 1.022, II, do Código de Processo Civil de 2015, há de se mostrar omissa a decisão, mesmo após a provocação da manifestação por intermédio de embargos de declaração. Na hipótese, o TRT examinou, em profundidade e extensão, todos os pontos indicados como omissos, declinando fundamentação expressa acerca dos temas controvertidos. Não configura negativa de prestação jurisdicional, por exemplo, a ausência de manifestação explícita sobre dispositivos legais e regulamentares tidos por violados, conforme Orientação Jurisprudencial nº 281 da SDI-1 do TST. Ademais, o Tribunal destacou que a dispensa do reclamante - pessoa com deficiência - foi motivada pelo não atingimento da pontuação mínima durante o período de experiência, consoante as regras do edital do concurso. Agravo de instrumento desprovido. DIREITO DO TRABALHO - EMPREGADO PÚBLICO - CONCURSO - CONTRATO DE EXPERIÊNCIA - PESSOA COM DEFICIÊNCIA - RESCISÃO ANTECIPADA - ATIVIDADES INCOMPATÍVEIS COM A DEFICIÊNCIA APRESENTADA - PRINCÍPIO DA ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL - AUSÊNCIA DE ÔNUS DESPROPORCIONAL À RECLAMADA - CAPACITISMO - DISCRIMINAÇÃO ORGANIZACIONAL INDIRETA OU ADVERSA - PROTOCOLO PARA ATUAÇÃO E JULGAMENTO COM PERSPECTIVA ANTIDISCRIMINATÓRIA, INTERSECCIONAL E INCLUSÃO - CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. Trata-se de reclamação trabalhista ajuizada por empregado aprovado em concurso público dentro das vagas reservadas às pessoas com deficiência com o objetivo de declarar nulo o ato de demissão no período de experiência. À luz das normas nacionais e internacionais que disciplinam os direitos das pessoas com deficiência, conclui-se que a reclamada ignorou a necessidade de se promover adaptações razoáveis no meio ambiente e/ou nos métodos de trabalho já no período de prova do contrato de trabalho, aplicando critérios de avaliação incompatíveis com a deficiência apresentada, deixando, por outro lado, de comprovar ônus desproporcional na acomodação do trabalhador na empresa. Assim, diante da provável violação ao art. 3º, IV, da Constituição Federal, recomendável a análise das razões do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. DIREITO DO TRABALHO - EMPREGADO PÚBLICO - CONCURSO - CONTRATO DE EXPERIÊNCIA - PESSOA COM DEFICIÊNCIA - RESCISÃO ANTECIPADA - ATIVIDADES INCOMPATÍVEIS COM A DEFICIÊNCIA APRESENTADA - PRINCÍPIO DA ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL - AUSÊNCIA DE ÔNUS DESPROPORCIONAL À RECLAMADA - CAPACITISMO - DISCRIMINAÇÃO ORGANIZACIONAL INDIRETA OU ADVERSA - PROTOCOLO PARA ATUAÇÃO E JULGAMENTO COM PERSPECTIVA ANTIDISCRIMINATÓRIA, INTERSECCIONAL E INCLUSÃO - CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. I. Trata-se de reclamação trabalhista ajuizada por empregado aprovado em concurso público, dentro das vagas reservadas às pessoas com deficiência, com o objetivo de declarar nulo o ato de demissão no período de experiência. II. A controvérsia reside em saber se padece de irregularidade a demissão do trabalhador - pessoa com deficiência - durante o contrato de experiência, na hipótese em que não alcançada a pontuação mínima à efetivação do vínculo empregatício, conforme previsão no edital do concurso. III. No caso dos autos, ficou delineado, no acórdão regional, que " A primeira avaliação ocorreu no dia 11/11/2019, após 36 dias da admissão, ocasião que a pontuação alcançada pelo autor foi 4,09, abaixo da pontuação mínima desejável para a manutenção do contrato de trabalho de 6,0 " e que " A segunda avaliação é datada de 16/12/2019 (segunda-feira), 71º dia da contratação, e o demandante atingiu a nota 5,94 ". Diante disso, o TRT concluiu que " não existe nenhuma irregularidade na dispensa do reclamante, pois, o Num. 657eta9 - Pág. 5 que se observa, no presente caso, é a adoção de dois regramentos legais (CLT e regulamento interno da CEF), em perfeita sintonia com os princípios norteadores da relação jurídica mantida entre as partes ". Ocorre que o paradigma do Constitucionalismo Humanista e Democrático de Direitos, inaugurado a partir Segunda Guerra Mundial, inseriu a dignidade humana no centro do ordenamento jurídico, assegurou a participação de todos nos destinos políticos da sociedade, ampliou o ideal democrático para as relações privadas e conferiu densidade aos princípios como fonte primária na solução de casos sensíveis em superação ao positivismo jurídico. Nesse contexto, já nos primeiros dispositivos da Constituição Federal de 1988 foram situados, em pé de igualdade, dentre os fundamentos da República " os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa " (art. 1º, IV, CF/88). Tais princípios deixam claro que a Constituição da República buscou harmonizar diversos preceitos fundamentais, dentre eles o direito à igualdade e ao trabalho decente livre de qualquer discriminação em sintonia com a livre iniciativa. Tanto é assim que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é " promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação " (art. 3º, IV, CF/88), havendo, ainda, nas relações de trabalho, a " proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil " e a " proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência " (art. 7º, XXX e XXXI, CF/88). Nessa quadra, tem-se que a decisão regional vai na contramão do arcabouço jurídico-constitucional das políticas de inclusão das pessoas com deficiência inauguradas pela Carta Magna de 1988 e desconformidade com os diversos diplomas internacionais que compõem o Sistema Global de proteção dos direitos humanos. Nesse particular, cabe citar a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, a Convenção de Nova York " Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência " de 2006 (ratificada pelo Decreto nº 6.949/2009 e convertida na Lei nº 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com deficiência), a Agenda 2030, cujos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis nºs 8.5 e 10.2 dispõem que compete aos países integrantes da ONU " Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor " e " Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra ", a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, o Protocolo de San Salvador de 1988, a Convenção da Guatemala de 1999, a Declaração de Filadélfia de 1944, as Convenções nºs 100, 111 e 159 da OIT e a Declaração Sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, também da OIT, a qual elencou a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação como um dos pilares a ser alcançado pelos países membros da organização. No campo do direito nacional, por versar sobre direito fundamental, a teor do art. 5º, §2º, da Constituição Federal, as leis infraconstitucionais envolvendo a matéria podem ser classificadas como integrantes do bloco de constitucionalidade. Nessa esteira de raciocínio, destaca-se a Lei nº 9.029/95, cujo art. 1º estabelece que " É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no ". Ressalte-se, outrossim, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que previu, em seu art. 37, o princípio da adaptação razoável ao dispor que " Constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho ". A partir desse cenário normativo, da moldura fática alinhavada na decisão do TRT, não se vislumbra o efetivo esmero da reclamada em conferir ao autor a adaptação razoável das condições de trabalho de modo a lhe assegurar a real proteção do direito à inclusão no mercado de trabalho em igualdade de condições aos demais trabalhadores. Tampouco foi demonstrado " ônus desproporcional e indevido " (art. 3º, VI, da Lei nº 13.146/2015) à ré de modo a eximi-la do dever de assegurar um local de trabalho acessível ao trabalhador com deficiência. Sem embargo, levando em consideração o porte da reclamada (Empresa Pública de âmbito nacional), afigura-se pouco crível que não haja, nos quadros da Caixa Econômica Federal, função que se adeque à deficiência apresentada pelo autor. Assim, era dever da ré comprovar que a adaptação do obreiro lhe causaria um ônus desproporcional, encargo do qual não se desvencilhou. Além do mais, não é razoável aplicar, como fez a reclamada, o mesmo critério de avaliação dos candidatos da ampla concorrência aos que concorreram às vagas reservadas às pessoas com deficiência. Ressalte-se que o edital, embora seja a lei do concurso, não pode servir de escudo à violação de direitos fundamentais. Ademais, há que se ter em mente que as políticas antidiscriminatórias de inclusão não se encerram na mera concessão de cotas, mas, ao contrário, devem prosseguir por toda a vida profissional do trabalhador. Ora, do que adianta assegurar a reserva de vagas se na fase de experiência são impostas barreiras à manutenção do emprego por intermédio da aplicação de parâmetros avaliativos que desconsideram a particularidade do trabalhador? Não é demasiado lembrar que a política de cotas se insere num conjunto de ações afirmativas que visam promover a igualdade material entre os indivíduos e, por conseguinte, confere efetividade aos postulados fundamentais da dignidade humana e da isonomia. Na hipótese, a postura de discriminação da reclamada ficou ainda mais evidente em face do rigor excessivo e da falta de empatia com o reclamante, uma vez que atestada a "boa vontade" do empregado e que, embora na primeira avaliação tenha obtido a nota 4,09, na segunda avaliação alcançou a nota 5,94, isto é, por apenas 0,03 (três décimos) o banco reclamado não efetivou o contrato de trabalho. Em outras palavras, dos fatos descritos na decisão, conclui-se que o autor vinha num processo evolutivo de capacitação e adaptação ao serviço, o qual, no entanto, foi interrompido pela ré. Nessa esteira de raciocínio, o Tribunal Superior do Trabalho em conjunto com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) lançaram o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusão, no qual ficou consignada a necessidade de se promover o julgamento de casos envolvendo graves violações a direitos humanos sob a perspectiva das normas internacionais e livres de vieses discriminatórios ou preconceituosos, de modo a promover o controle de convencionalidade dos atos do Poder Judiciário perante os sistemas global e nacional de tutela da dignidade humana (Recomendação/CNJ nº 123/22). Ao dispor sobre o princípio da adaptação razoável, o protocolo é enfático ao sentenciar que " A recusa de adaptação é discriminação, o que impõe às empresas, escolas e instituições em geral a demonstração cabal de que se adaptaram ou de que adotaram todas as medidas existentes para tal adaptação, independentemente do aspecto econômico ou de qualquer outro ", pontuando que a prática do capacitismo nas relações de trabalho pode ocorrer pela " Falta de condições ou de adaptações razoáveis para a contratação de PcD ". Conforme último Censo do IBGE de 2022, há no Brasil 17,5 milhões de pessoas com deficiência em idade para trabalhar, correspondendo a 10% da população com 14 anos ou mais, sendo que desse total apenas 5,1 milhões estão no mercado de trabalho e 12,4 milhões estão fora do mercado. Diante desses dados, tem-se que o processo em julgamento requer uma análise sob a perspectiva do novo processo estrutural, que "são processos que têm por objetivo uma situação persistente de desconformidade do funcionamento burocrático que causa ou perpetua a violação a direitos fundamentais, cuja solução geralmente envolve a correção ou reformulação de políticas públicas". Logo, tratando-se a empregabilidade das pessoas com deficiência de uma questão latente na sociedade brasileira, agravada pelo viés discriminatório do capacitismo e potencializada por marcadores de interseccionalidade, não há dúvida que o caso concreto reclama uma solução em harmonia com as diversas normas nacionais e internacionais e com os programas de inclusão no mercado do trabalhador PCD. Oportuno registrar que, em situação similar a destes autos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou a Costa Rica responsável por violações a diversos direitos humanos no caso conhecido como " Luís Fernando Guevara x Costa Rica ". Na hipótese, Luís Fernando, embora aprovado em concurso, foi impedido de ocupar o cargo devido a sua deficiência intelectual. No caso dos autos, a reclamada não demonstrou que conferiu a adaptação razoável ao trabalhador no período do estágio probatório. Ao contrário, o que se depreende dos fatos narrados é que a empresa fez incidir os mesmos critérios de avaliação dos empregados em geral. A mera transferência do reclamante para localidade próxima à sua família, por si só, não é suficiente para atender àquele requisito, isso porque a adaptação almejada se refere às tarefas que o trabalhador terá que realizar na empresa. Sendo assim, a aplicação da regra do edital para desaprovar o empregado, da forma como viabilizada, encerra uma espécie de discriminação organizacional de caráter indireta ou adversa, em que uma regra neutra, aparentemente sem conteúdo discriminatório, independente da intenção de discriminar, acaba por impingir a uma categoria de pessoas historicamente marginalizadas um gravame excessivo para se incluir no mercado de trabalho. Ora, por óbvio, ao oferecer vaga a pessoa com deficiência (no caso do reclamante, de natureza intelectual) era dever da empresa promover critérios de avaliação condizentes com a capacidade do trabalhador. Portanto, ao aplicar de maneira fria e objetiva a regra editalícia, o banco réu findou por se valer de um mecanismo de aparente neutralidade para perpetuar o histórico de exclusão das pessoas com deficiência. Em resumo, em casos tais como o dos autos, não é o trabalhador que precisa se adaptar ao local e/ou aos métodos de trabalho. Ao contrário, desde que não implique um ônus extremamente desproporcional e desarrazoado, são os métodos e o ambiente de trabalho que devem se adaptar as deficiências apresentadas pelo trabalhador. Nesse sentido, a Constituição Federal é categórica ao afirmar que todos, sem exceção, devem compor o Estado Democrático de Direitos, ocupando os espaços públicos e privados, participando da vida democrática do país e interagindo com os demais indivíduos de forma digna, independente e em igualdade de condições. Nessa perspectiva, não devem prevalecer velhos estigmas e preconceitos em torno das pessoas com deficiência, suplantando, por exemplo, a visão arcaica e segregacionista de que tais indivíduos gozam de "benefícios" e "vantagens" injustificadas perante os demais cidadãos ou, pior, de que estaria se favorecendo da sua condição. Deveras, oferecer um meio ambiente de trabalho adaptado e inclusivo, não representa a concessão de benesses ou de algum tipo de caridade, trata-se de um direito fundamental do indivíduo à inclusão social e da sociedade à pluralidade, tal conclusão pode ser facilmente extraída da interpretação sistemática dos artigos 1º, II, III, 3º, I, III e IV, 5º, 7º, XXXI, 24, XXIV e 227, II, da CF/88. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido . (TST RRAg-10115-05.2020.5.03.0153, 2ª Turma, Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 10/03/2025), Disponível em: Acórdão pode ser consultado na íntegra em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/#96eaa3ecd1cd5ee970b5386cde785212 . Acesso em: 25 ago. 2025.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO DEVIDO À DOENÇA MENTAL INCAPACITANTE. LEI COMPLEMENTAR DO DISTRITO FEDERAL QUE DETERMINA O PAGAMENTO DA APOSENTADORIA AO CURADOR. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA. CONVENÇÃO DE NOVA YORK (ART. 5°, § 3° CF/1988). RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS PROVIDO. FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. I – O pagamento dos proventos de aposentadoria por invalidez ao curador, independentemente de qualquer análise acerca da capacidade do curatelado para prática de atos da vida civil, afronta o postulado da dignidade da pessoa humana e o princípio da proporcionalidade. II – Aplicação da Teoria das Incapacidades, inserida em nosso ordenamento pela Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada na cidade de Nova York, em 30 de março de 2007, que foi aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, nos termos do art. 5°, § 3°, da Constituição Federal de 1988. III – Inconstitucionalidade do § 7° do art. 18 da Lei Complementar 769/2008 do Distrito Federal. IV - Recurso extraordinário conhecido e provido. V - Fixação da tese de Repercussão Geral: “A enfermidade ou doença mental, ainda que tenha sido estabelecida a curatela, não configura, por si, elemento suficiente para determinar que a pessoa com deficiência não tenha discernimento para os atos da vida civil”. (STF - RE 918315 – Julgamento: 17/12/2022 - Publicação: 17/03//2023)- Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI)
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PARA DEFINIÇÃO LEGAL DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA E QUESTÕES AFETAS. Procedência. 1. Ação direta de inconstitucionalidade contra o art. 1º, caput e §§ 4º e 5º, e art. 3º da Lei nº 2.151/2017, do Estado do Amapá, que estabelece prioridade em escolas públicas para determinados grupos de pessoas com deficiência. 2. Os conceitos estabelecidos no art. 1º, caput, e § 4º, da Lei estadual nº 2.151/2017 divergem da definição nacional de pessoa com deficiência, constante de tratado internacional de direitos humanos (Decreto nº 6.949/2009) e da Lei federal nº 13.146/2015, e acabam por excluir os alunos com deficiência intelectual do rol de destinatários da política pública. 3. A pretexto de legislar sobre direitos de pessoas com deficiência, a lei estadual não pode se desviar da definição fixada em convenção internacional, incorporada ao direito interno como norma constitucional (CF/1988, art. 5º, § 3º). Também não se afigura legítimo usar da competência legislativa suplementar para reduzir conceito presente em lei federal, de caráter geral, em prejuízo de grupo socialmente vulnerável. 4. O art. 1º, § 5º, da Lei estadual nº 2.151/2017 limita a avaliação da deficiência ao exame médico-hospitalar, desconsiderando a previsão de lei federal que exige avaliação biopsicossocial, a ser realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar (Lei nº 13.146/2015, art. 2º, § 1º). Afastamento de norma geral sem peculiaridade que o justifique. 5. Exclusão da incidência da lei às escolas sem estrutura para receber as pessoas com deficiência (art. 3º, da Lei nº 2.151/2017). Os regimes constitucional (CF/1988, art. 208, III) e legal (Lei federal nº 13.146/2015, art. 28) priorizam a educação inclusiva como fator de promoção à igualdade. Precedentes. Em sentido diverso, a lei estadual promove desincentivo à adaptação e perpetua a inércia estatal na inclusão das pessoas com deficiência. 6. Pedidos julgados procedentes, com a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados. Tese: “É inconstitucional lei estadual que (a) reduza o conceito de pessoas com deficiência previsto na Constituição, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de estatura constitucional, e na lei federal de normas gerais; (b) desconsidere, para a aferição da deficiência, a avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar prevista pela lei federal; ou (c) exclua o dever de adaptação de unidade escolar para o ensino inclusivo”. (STF - ADI 7028 – Julgamento: 19/06/2023 - Publicação: 23/06//2023)- Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Relator Ministro ROBERTO BARROSO)
CAPACITISMO É TEMA DE DEBATE NO TRT-MG
Tribunal Regional do Trabalho da 3a. Região (MG) - 06/12/2024
https://www.youtube.com/watch?v=Z6fFYEzGdkk (youtube)
Tribunal Superior do Trabalho - 07/12/2022
Cartilha “ Combata o Capacitismo”
Parceria Ministério da Saúde e Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania - Governo Federal - Ano 2023
Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/Guia_Capacitismo_03_11_23.pdf Acesso em 21ago. 2025