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20160314 - A vida a dois: uma escolha - Por: Naira Caroline Teixeira
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A vida a dois: uma via possível de crescimento pessoal.

Por: Naira Caroline Teixeira

Muitos parceiros que um dia escolheram viver juntos, com o tempo se viram frente à forte vontade de deixar tudo para trás, optar por seguirem sós, cada um a seu modo e com o seu norte, em alguns casos admitindo a possibilidade de novo relacionamento, se porventura encontrarem alguém com quem “possam ser felizes”.

Esse sentimento se fortalece a cada problema e a cada crise enfrentados pelo casal, culminando em sua separação consensual ou unilateral, por iniciativa daquele que deixou de gostar do parceiro ou que nunca tenha gostado do que via neste.

Outro fato que pode vir a ser fonte da “vontade de separar” é o desejo de um dos parceiros de se encontrar consigo mesmo, de fazer o que gosta, de ter liberdade de decidir o rumo de sua vida, o quê imagina impossível enquanto vinculado a uma relação de casal, a qual, por passar a ser o motivo de uma “insatisfação pessoal”, se desgasta consideravelmente.

Se enganam aqueles que se casam por achar que a relação será uma fonte plena de felicidade, de bem estar e de satisfação. Os que pensam assim não conseguem força suficiente para enfrentar os problemas que vêm junto com a relação. É preciso entender que o casamento pode ter muitos momentos difíceis e não deve ser valorizado apenas nos momentos bons, alegres e de paz.

Morar junto, casar, enfim, escolher compartilhar a vida com outra pessoa significa que também vamos enfrentar tormentas e dores, que também vamos nos sentir distantes do outro e até de nós mesmos e é importante que o casamento também seja valorizado nestes momentos. Quando persistimos nesta escolha nos oportunizamos uma via de crescimento pessoal, pois descobrir a si mesmo dentro de uma relação é um desafio que pode ser alcançado se conseguirmos entender o que é nosso e o que é do outro.

Descobrir-se a si mesmo sozinho parece ser um caminho mais fácil, e talvez seja, porém nunca estamos plenamente conscientes de tudo que somos. Não nos descobrimos totalmente porque além de possuirmos infinitos conteúdos inconscientes, dada a nossa natureza complexa, mudamos o tempo todo, a cada conhecimento e a cada acontecimento que nos transforma.

Quando temos um filho ou pulamos de paraquedas pela primeira vez, quando experimentamos um sabor que desperta nossos sentidos ou perdemos uma pessoa querida, quando temos experiências aleatórias que nos deixam marcas ou quando nos esbarramos com outras pessoas e permitimos que elas façam por um momento parte da nossa história de vida, nos transformamos, não somos mais os mesmos.

O parceiro a quem permitimos que faça parte da nossa vida também permitiu que fizéssemos parte da vida dele e assim construímos a cada dia o real significado da relação, que pode ser entendida aqui como “real-ação”.

A relação é construída todos os dias. Ela é a real ação com alguém feita no corpo a corpo, no desejo a desejo, na dor a dor, na superação a superação, no enfrentamento a enfrentamento e na descoberta a descoberta.

Com o outro podemos descobrir o que é mais íntimo em nós, pois  muitas vezes projetamos no parceiro algo que falta reconhecer em nós, e o parceiro nos fala: “Opa, pera aí, isso não é meu, isso é seu, é do seu desejo”, há muitas formas de dizer isto.

Se esperarmos que toda a satisfação venha do nosso parceiro, transferimos a responsabilidade de fazermos isso por nós mesmos para ele e fatalmente será frustrada, pois ninguém há de corresponder às nossas idealizações. E mesmo tentando não conseguiria fazer a contento, pois esse impulso é individual e enquanto nós não nos apropriarmos e buscarmos a autossatisfação ou entendermos que algumas aspirações não conseguiremos ou poderemos alcançar, ele continuará no plano do desejo, fazendo com que continuemos a receber boletos de cobrança, que vêm do nosso inconsciente em forma de frustrações.

O desejo, ou a insatisfação deste, é a ponte do ego com o inconsciente, quando não o entendemos, não ouvimos ou não nos apropriamos procura se fazer realizado através do parceiro numa projeção - aquilo que é nosso, mas não conseguimos ver em nós mesmos, no entanto, vemos no outros. O desejo é concebido pela falta, ninguém deseja o que já tem, por isso precisamos compreendê-lo para nos tornar mais inteiros.

Nesse ponto o casamento pode ser visto como uma via de realização e crescimento pessoal, pois se formos capazes de nos voltar para nós mesmos e entendermos falhas e faltas, acolhendo-as como nossas, nos permitimos manter uma relação que nos convoca a estar cada dia mais inteiro para compartilhar uma via a dois.

Um casal que pensa que cada parceiro é a metade de uma laranja, ou que se une para ser formarem um ser único, está fadado a frustrações e como nunca seremos um só sendo dois, tenderemos a olhar para fora, na tentativa de existir.

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Autora: Naira Caroline Teixeira

Registro no Conselho Regional de Psicologia do Estado do Espírito Santo (CRP-ES) n. 1648. Psicóloga formada pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES

Pós-Graduada com Especialização em Terapia Familiar e Políticas Sociais de Atenção à Família pela Faculdade Unida

Membro do Anima - Grupo de Estudos e de Vivências em Psicologia Analítica em Vitória/ES

Publicação: 14/03/2016 – site www.psicologiaclinica.aempresa.com.br