Universidade do Sul de Santa Catarina
Unisul - Campus Virtual
Atividade de Avaliação a Distância |
Disciplina: Estado Constitucional de Direito e Políticas Públicas
Curso: Es. Direitos Difusos e Coletivos VI
Professora: Patrícia de Oliveira França
Nome do aluno: Charles Ferreira dos Santos
Data: 19 de setembro de 2012
Orientações:
1. Atualmente podemos afirmar que existe uma rígida divisão dicotômica entre as esferas públicas e privadas? Explique sua resposta, utilizando na sua argumentação o fenômeno da Constitucionalização do Direito. (2,5 pontos)
2. Tendo por base o texto “Notas para um debate sobre o princípio da eficiência”, de Paulo Modesto, disponível em <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/PModesto2.pdf>, responda a seguinte indagação, em no máximo 20 linhas. Apresente duas argumentações retiradas da leitura do texto acima indicado.
Indagação: o princípio da eficiência é novo ou antigo, ou seja, é uma exigência inerente ao Estado de Direito Social ou foi introduzido no ordenamento constitucional brasileiro apenas pela emenda constitucional n° 19/98? (2,5 pontos)
3. É possível, através de uma Emenda Constitucional (Poder Constituinte Derivado), criar uma restrição a Direitos Fundamentais Sociais?
Responda esta questão em, no máximo 15 linhas, observando a distinção entre a Teoria Interna e a Teoria Externa, bem como indicando qual a teoria foi adotada na decisão proferida na ADI 3128-7, STF – Supremo Tribunal Federal, cujo requerente foi a Associação Nacional dos Procuradores da República em face do Congresso Nacional, a fim de impugnar a constitucionalidade da contribuição previdenciária incidente sobre os proventos dos inativos, instituída pela EC 41/2003 (Reforma Previdenciária), que acarretou na restrição a Direitos Fundamentais. A decisão foi publicada do DJ de 18-02-2005. (2,5 pontos)
Para auxílio em sua resposta, além do conteúdo didático da disciplina, veja o seguinte artigo científico: BRANDÃO, Rodrigo. Emendas Constitucionais e Restrições aos Direitos Fundamentais. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n° 12, outubro/novembro/dezembro, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-12-OUTUBRO-2007-RODRIGO%20BRANDAO.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2012.
4. Na visão do STF (Supremo Tribunal Federal), é possível a restrição a Direitos Fundamentais Sociais da área da saúde?
Responda a questão em, no máximo 10 linhas, tendo por base a teoria da reserva do possível, do mínimo existencial e da proibição do retrocesso, levando-se em conta a posição do STF adotada na transcrição sobre Direito à Saúde, prevista no Informativo de Jurisprudência n° 582 do STF de 12-16 de abril de 2004 (http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo582.htm). (2,5 pontos)
Em termos sucintos, a Constitucionalização do Direito nada mais é do que a passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico1. Dessa nova perspectiva, há uma releitura do direito infraconstitucional , agora sob as lentes da Carta Magna. Isso faz com que a dicotomia entre os ramos público e privado sofra a irradiação da força normativa da Constituição, diluindo, atenuando, e porque não, tornando tênue essa divisão.
O que de fato ocorre é a supremacia do respeito à dignidade da pessoa humana, submetendo o direito privado e o direito público a esse fundamento2. A Constitucionalização do Direito, assim, reforça o ideário de relevância do interesse público sobre o privado, já que a propriedade atenderá sua função social3. No entanto, essa supremacia não é absoluta, pois, quando colidirem direitos fundamentais coletivos e individuais, tem-se o critério da ponderação para apontar o caminho razoável a seguir.
Em face do exposto, pode-se afirmar que a Constitucionalização do Direito, deixando para trás a supremacia do individualismo do Estado Liberal, inaugura uma nova era, o Estado Social, aproximando os conceitos de público e privado, de forma que ambos estejam voltados e submetidos aos interesses do bem-estar social. Se antes dicotômicos, agora complementares.
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1 Luis Roberto Barroso em Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito, página 26.
2 São Fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme artigo primeiro: I - a soberania;II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana;IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político. (Grifo nosso).
3 Nas palavras de Eros Roberto Grau, “a propriedade que não cumprir sua função social não merece proteção jurídica qualquer”. (Discurso publicado em avulso pela IAB).
Referencias
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2012.
FRANÇA, Patrícia. Estado Constitucional de Direito e Políticas Públicas: livro digital. Palhoça: UnisulVirtual, 2012.
O princípio da eficiência alimenta, como uma máxima, a conduta da Administração Pública. A Emenda Constitucional número 19 de 19981 reacendeu o debate a respeito do assunto, mas não introduziu novidades no ordenamento jurídico. Dispersas na Constituição, de forma explícita em alguns momentos, implicitamente em outros, muitas normas já evidenciavam o Princípio da Eficiência muito antes da EC acima referida2.
Assim, tem-se o artigo 74, inciso II, da CRFB3 determinando aos Poderes da República o controle interno com vistas a avaliar a eficiência no tocante à gestão orçamentária. Entre outros tantos comandos constitucionais aludindo especificamente à eficiência como dogma principiológico.
Ademais, a doutrina e a jurisprudência também semeavam ensinamentos e decisões a respeito da gestão eficiente dos recursos públicos pelo Estado. De sorte que a EC 19/98, como já dito, menos como novidade, mais como reafirmação, propiciou a oportunidade de outro olhar nas funções elementares do Estado. Estado mais enxuto, em termos de aparato burocrático, porém mais presente no seio da sociedade4.
Ficando assim demonstrado, em rápidas pinceladas, que o Estado de Direito Social que emergiu com a Constituição de 1988, no Brasil, já destacava o Princípio da Eficiência como elemento essencial na consecução dos fins do Estado: o bem-estar social.
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1 Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1988. Entre outras providências, altera a redação do artigo 37 da CRFB, incluindo o Princípio da Eficiência: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...]”. (Grifo nosso).
2 Paulo Modesto em Notas para um debate sobre o princípio da eficiência, página108.
3 Artigo 74, inciso II, CRFB: “II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado”. (Grifo nosso).
4 Toda a argumentação dessa resposta está espelhada nos ensinamentos de Paulo Modesto, em sua exposição no texto “Notas para um debate sobre o princípio da eficiência”.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 17 set. 2012.
MODESTO. Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Revista do Serviço Público, ano 51, número 2, abr-jun 2000.
De antemão, ao menos no Brasil, o caminho para a efetivação dos Direitos Fundamentais Sociais está só começando.
A Teoria Interna e a Teoria Externa, no tocante à possibilidade de restrição dos Direitos Fundamentais, são antagônicas, em princípio. No entanto, quando submetidas a um caso concreto, seus resultados tendem a se aproximar. A primeira não admite restrição aos Direitos Fundamentais, de sorte que o grau de discricionariedade na valoração de um dado direito fundamental tende a se alargar. Fato que não se verifica na Teoria Externa, visto que esta admite certa restrição aos Direitos Fundamentais, desde que preservado o seu núcleo essencial, e em confronto com outro Direito Fundamental. Neste caso, tem-se a discricionariedade reduzida, haja vista a restrição externa em face de outro Direito Fundamental.
Cabe ressaltar que a doutrina e a jurisprudência vêm se posicionando em favor de restrições a Direitos Fundamentais. Notadamente, as cortes constitucionais de países como Alemanha, Espanha, Itália, Portugal e Estados Unidos, para citar alguns, já produziram decisões no sentido de restringir certos Direitos Fundamentais, quando em conflito, submetidos ao princípio da ponderação, decorrente da Teoria Externa.
No Brasil, a Carta Magna, em seu artigo 601, parágrafo quarto, impede Emendas Constitucionais que venham a abolir Direitos Fundamentais. Daí se conclui, a contrario sensu, que as restrições que preservem o núcleo essencial não são, por conseguinte, vedadas. Além do que, alguns dispositivos constitucionais remetem à legislação a faculdade de restrição a Direito Fundamental. Assim, Já que a norma infraconstitucional pode restringir direito, com maior fundamento poderão as Emendas Constitucionais. Reflexo desse entendimento está na ADI-3128-7, do STF, que restringiu direito, à luz da Teoria Externa, manifestando a relatividade dos Direitos Fundamentais.
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1 “Artigo 60. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”. (Grifo nosso).
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 18 set. 2012.
BRANDÃO, Rodrigo. Emendas Constitucionais e restrições aos Direitos Fundamentais. Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 12, outubro/novembro/dezembro, 2007. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 18 set. 2012.
As teorias constitucionais, não raro, embasam decisões de cortes constitucionais, por isso também a importância de conhecê-las.
A Teoria da Reserva do Possível serve como fundamento para a inoperância do Estado frente as promessas constitucionais sociais. Apega-se à escassez orçamentária para justificar a lesão constitucional por omissão. Essa, por certo, é uma corrente que nasce do neoliberalismo.
Por sua parte, há a Teoria do Mínimo Existencial, segundo a qual os Direitos Fundamentais Sociais devem ser efetivados por ações afirmativas do Estado, visando a salvaguardar a dignidade da pessoa humana. Um patamar mínimo deve ser atingido de maneira que toda pessoa humana possa exercitar sua autonomia.
Nessa mesma linha, emerge a Teoria da Vedação ao Retrocesso (entrincheiramento). Todo Direito Fundamental Social alcançado não poderá ser desconstituído, sob pena de ferir a segurança jurídica, isto é, o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito.
Ressalte-se que a Suprema Corte brasileira, perfeitamente alinhada com as teorias do Mínimo Existencial e da Vedação ao Retrocesso, vem reiteradamente decidindo em favor do direito de todos à saúde, coibindo restrições a esse Direito Fundamental Social.
Referências
BRASIL. Informativo STF. Brasília, 12 a 16 de abril de 2010, número 582.
FRANÇA, Patrícia. Estado Constitucional de Direito e Políticas Públicas: livro digital. Palhoça: UnisulVirtual, 2012.