12 de março de 2023

Nós, da Coletividade Autônoma TRANS RESISTIR , residentes na cidade de Pelotas/RS, viemos através desta nota de repúdio tornar pública nossa crescente preocupação à respeito de uma ideologia que está sendo propagada e defendida tanto entre discentes quanto  docentes dentro dos campus da UFPel, em destaque no ICH e CA mas também nas ruas da cidade de Pelotas.

Segundo o dossiê realizado pela a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)[1] que tem por objetivo o mapeamento dos transfeminicídios e também das graves violações de direitos humanos a que são expostas a população de Travestis e Transgêneros  no Brasil, vivemos no país que mais  mata pessoas trans no mundo. Pelo 14º ano consecutivo o Brasil lidera o ranking de assassinatos de pessoas trans e travestis. Temos vivenciado nos últimos anos de forma brusca a intensificação do neoliberalismo, do conservadorismo e do fascismo mascarado com outros nomes. Em várias partes do mundo, presenciamos um crescente disparo do discurso feminista radical trans excludente (TERF, na sigla em inglês), que tem propagado através de difamação a associação de identidades trans à criminalidade.

O discurso "TERF" ou “RADFEM” não reconhece a existência de todas as pessoas como indivíduos da sociedade, desconsidera a autodeterminação de gênero e flerta com determinismo biológico, defendendo a existência de uma “natureza feminina” universal de conotação biológica. Tal discurso está focado em atacar a identidade de gênero de pessoas trans através da "materialidade de seus corpos", ou seja, só serão mulheres aquelas que possuem uma vagina e útero, só serão homens aqueles que possuem pênis. Essa noção determinista biológica nega e ataca as travestilidades e transmasculinidades. A ideia de que o gênero está intrinsecamente ligado à genitália prega uma "superioridade", ou seja, mulheres trans e travestis não seriam consideradas mulheres dentro do discurso violento das TERF.

A população trans é a mais suscetível a abandono familiar, sendo expulsas/os de casa por sua identidade de gênero, sofrendo violência física e psicológica, sem nenhum apoio/suporte. De acordo com estimativas da Antra[2], apenas 0,02% das pessoas trans no Brasil chegam ao ensino superior e, quando chegam, existe uma evasão muito grande do ambiente acadêmico decorrente de uma série de atravessamentos de classe, raça, gênero e sexualidade que tornam inviável a presença de indivíduos trans nestes espaços.

Acreditamos que a UFPEL é uma universidade pró diversidade e que não compactua com este tipo de ideologia em sua instituição. É importante destacar que existem docentes que pregam essa ideologia e estudantes que estão suscetíveis tanto para cooptação deste discurso que flerta com o extremismo, como para a sua reprodução. Acreditamos que uma instituição de ensino deve ser plural, acolhedora e inclusiva a nossos irmãos e irmãs. As mensagens de ódio escritas nos banheiros e os lambes nas paredes da universidade simbolizam um movimento que propaga ódio à diversidade, buscando invisibilizar nossas presenças e corpos, não nos reconhecendo como seres humanos. Depois de anos de luta do Movimento LGBTQI+, em 2019 foi decidido a nível nacional que a discriminação contra pessoas trans e travestis é crime inafiançável previsto na Lei n 7.716/1989.

Acreditamos que a realização de uma campanha institucional CONTRA A TRANSFOBIA e ações de cunho educativo que promovam respeito, inclusão, acolhimento e informação, voltadas tanto para a comunidade acadêmica quanto em outros espaços são importantes na luta contra esses discursos de ódio e preconceito. Esperamos que as medidas de cunho institucional sejam tomadas para nossa segurança física, psicológica e a nossa permanência no espaço acadêmico.

   Importante frisar que a nossa coletividade é contra qualquer ato de violência ou perseguição , lutamos pelo direito de existência , acolhimento e empoderamento da nossa comunidade tão marginalizada em diversos espaços. Nossas ações são um grito de protesto contra a transfobia estrutural que atravessa nosso país de forma extrema, lutamos contra o discurso de ódio e propagação de mentiras. Acreditamos em formas de lidar contra a transfobia por caminhos judiciais, institucionais, políticos , artísticos e sociais.

 

Resistimos, TRANS RESISTIR.


[1] (ANTRA), é uma rede nacional que articula em todo o Brasil 127 instituições que desenvolvem ações para promoção da cidadania da população de Travestis e Transexuais, fundada no ano de 2000, na Cidade de Porto Alegre. https://antrabrasil.org/sobre/

[2] Ver matéria em: https://dentrodomeio.com.br/colunas/especial/apenas-002-das-pessoas-trans-chegam-as-universidades/