INTERPI - Instituto de Terras do Estado do Piauí

Rodrigo Ribeiro Costa Cavalcante - Diretor

GERCOG - Grupo de Atuação Especial de Regularização Fundiária e de Combate à Grilagem

Juliana Martins Carneiro Nolêto - Coordenadora

Promotoria Agrária

Roberto Carvalho - Promotor de Justiça

NOTIFICAÇÃO / REPRESENTAÇÃO

Prezados/as senhores/as,

Chegou ao conhecimento das organizações e movimentos sociais abaixo assinados:

(1) A existência e trâmite de procedimentos administrativos no INTERPI para “reconhecimento de domínio”[1] e fornecimento de declaração de conformidade[2] dos limites (numeração dos processos no rodapé) dos supostos imóveis rurais "Fazenda Figueira Gaúcha", matrícula nº 765 do Cartório de Registro de Imóveis de Santa Filomena e “Fazenda Pôr do Sol”, matrícula nº 767 do mesmo cartório, por requerimento dos senhores Romeo Michael e Antonio Andrino;

(2) O avanço recente do desmatamento nas áreas da Chapada da Fortaleza onde supostamente estariam localizados os referidos imóveis, que constituem, na realidade, parte de território tradicionalmente ocupado por comunidades tradicionais no entorno - Brejo das Meninas, Chupé e Barra da Lagoa;

Neste sentido, por meio deste, NOTIFICAMOS o INTERPI, por meio de seus representantes legais, assim como REPRESENTAMOS ao MPE/GERCOG e Promotoria Regional Agrária, para adoção das devidas providências, nos seguintes termos e fundamentos:

  1. CONSIDERANDO que no parágrafo único[3] do art. 7º do ADCT da Constituição Estadual do Piauí constam condições expressas para o reconhecimento de domínio, quais sejam:

        I - o proprietário tenha adquirido o imóvel de boa-fé; (...)

II - a matrícula originária tenha sido aberta antes de 01 de outubro de 2014;

III - o georreferenciamento esteja certificado, conforme a Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001 e o cadastro do imóvel esteja atualizado no INCRA;

V - inexistam disputas judiciais sobre a área; (...)

VII - o imóvel não se sobreponha a territórios tradicionais;

VI - o proprietário demonstre a prática de cultura efetiva no imóvel e a observância da legislação ambiental, em especial quanto às áreas de reserva legal e preservação permanente. (grifos nossos)

  1. CONSIDERANDO que no artigo 3º da Lei Complementar Estadual nº 244/2019 constam condições expressas para o reconhecimento de domínio, quais sejam:

I - o proprietário tenha adquirido o imóvel de boa-fé;

II - a matrícula originária tenha sido aberta antes de 01 de outubro de 2014;

III - o georreferenciamento esteja certificado, conforme Lei nº 10.267 , de 28 de agosto de 2001, e o cadastro do imóvel esteja atualizado no INCRA;

IV - a área não seja objeto de disputas judiciais;

V - o imóvel não se sobreponha a territórios tradicionais;

VI - o proprietário demonstre a prática de cultura efetiva no imóvel e a observância da legislação ambiental, em especial quanto às áreas de reserva legal e preservação permanente:

(...)

§ 3º É vedado o reconhecimento em favor de quem, direta ou indiretamente, tenha agido, na obtenção do domínio, com fraude ou dolo.

§ 4º Será desconsiderado pelo INTERPI qualquer ato que vise burlar as condições e vedações previstas nesta Lei. (grifos nossos)

  1. CONSIDERANDO que as matrículas dos supostos imóveis "Fazenda Figueira Gaúcha" e “Fazenda Pôr do Sol” são, conforme investigações promovidas pelo MPE/GERCOG e pelas organizações abaixo assinadas, indubitavelmente resultado de fraudes processuais, cartoriais e documentais promovidas por Euclides de Carli e João Emídio de Souza Marques (“João Orelhinha”), conforme consta na petição inicial da Ação Anulatória nº 0000759-98.2018.8.18.0042;

  1. CONSIDERANDO que ao formular o requerimento do reconhecimento de domínio ambos requerentes informaram no georreferenciamento localização de área absolutamente diversa da que foi constatada pelo próprio INTERPI em parecer de geoanálise com base nos documentos apresentados pelos requerentes, agindo objetivamente com intuito de ludibriar o órgão estadual de terras, inclusive reivindicando terras já demarcadas e tituladas anteriormente pelo INTERPI na Gleba Riozinho, conforme consta nos processos nº 00071.008281/2021-48 e 00071.000167/2022-51;

  1.  CONSIDERANDO a existência de inúmeras ações judiciais[4] na qual se encontram em litígio as matrículas dos referidos e supostos imóveis rurais, fato admitido pelos próprios requerentes, a exemplo da já mencionada Ação Anulatória nº 0000759-98.2018.8.18.0042;

  1. CONSIDERANDO que os próprios requerentes admitem  a existência de “comunidades com posse consolidada”[5] dentro do perímetro original do suposto imóvel, cuja área total reivindicada de fato se sobrepõe às terras tradicionalmente ocupadas por povos tradicionais ribeirinhos e brejeiros, a saber, a comunidade de Brejo das Meninas, além de impactar outras existentes no entorno, a exemplo de Chupé, Barra da Lagoa, todas com procedimento de regularização fundiária em trâmite no INTERPI;[6] 

  1. CONSIDERANDO que tais comunidades são consideradas tradicionais pela legislação brasileira[7] e que portanto estão abarcadas nos termos do art. 6º da Convenção 169 da OIT, que determina aos governos a obrigação de “consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”;

  1. CONSIDERANDO a constatação, inclusive pela SEMARH, de que houve recente desmatamento ilegal promovido pelos requerentes na área dos supostos imóveis reivindicados, cuja transferência de titularidade aos mesmos teria ocorrido 20 anos atrás, demonstrando a evidente ausência de “cultura efetiva” nestas terras que, em realidade, compunham há muitas décadas área de Cerrado nativo utilizada para extrativismo sustentável pelas comunidades tradicionais do entorno, e assim se mantiveram até o início do processo de desmatamento;

REQUEREM as organizações e movimentos sociais subscreventes que:

  1. O INTERPI promova a análise minuciosa da situação fática e jurídica acima relatada e, por consequência, INDEFIRA o requerimento de “reconhecimento de domínio” formulado para os supostos imóveis rurais "Fazenda Figueira Gaúcha", matrícula nº 765 do Cartório de Registro de Imóveis de Santa Filomena e “Fazenda Pôr do Sol”, matrícula nº 767 do mesmo cartório, por requerimento dos senhores Romeo Michael e Antonio Andrino, em razão da incidência de cumulativas vedações legais, conforme objetivamente demonstrado;

  1. O MPE/GERCOG notifique o INTERPI acerca da existência da Ação Anulatória nº nº 0000759-98.2018.8.18.0042 e, caso verifique a necessidade de mais informações acerca dos fatos acima relatados, que seja instaurado o procedimento para apuração das eventuais ilegalidades;

Teresina, 22 de fevereiro de 2024

Certo da atenção e pronto atendimento, desde já agradecemos.

Atenciosamente,

Coletivo dos Povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piauí

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - CPT

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais

Ariomara Alves Pessoa

Representante do Coletivo dos povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piauí

Erminio Ribeiro De Sousa Junior

Representante do Coletivo dos povos e Comunidades Tradicionais do Cerrado do Piauí


[1] nº 00071.008281/2021-48 (Figueira Gaúcha) e 00071.000167/2022-51 (Pôr do Sol)

[2] nº 00071.006495/2023-41 (Figueira Gaúcha) e 00071.006493/2023-52 (Pôr do Sol)

[3] Destacamos aqui que as subscreventes consideram a emenda constitucional e sua lei complementar que inseriu esta possibilidade de “reconhecimento de domínio” inconstitucional em sua integralidade, tanto do ponto de vista formal quanto material, embora sua vigência atual seja incontroversa pelo fato de ainda não ter havido tal declaração pelos tribunais competentes.

[4] (1) 0001301-19.2016.8.18.0042; (2) 0001146-50.2015.8.18.0042; (3) 0000068-42.2023.2.00.0818; (4) 0000070-12.2023.2.00.0818; (5) 0757363-23.2023.8.18.0000; (6) 0756465-10.2023.8.18.0000; (7) 0757363-23.2023.8.18.0000; (8) 0000416-10.2013.8.18.0042; (9) 1012996-07.2022.4.01.4000 (Justiça Federal)

[5] No contrato de compra e venda dos imóveis.

[6] Avaliar necessidade de discriminar aqui no rodapé;

[7] Decreto Federal nº 8.750/2016, que institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.