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A história das ambições nucleares do Irã
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20/06/2010

A história das ambições nucleares do Irã (primeira parte)

Erich Follath e Holger Stark 20-06-2010

Na disputa sobre o programa nuclear de Teerã, o Conselho de Segurança da ONU impôs novas sanções. Será que o Irã está de fato construindo uma bomba como alegam os países ocidentais? Ou os países estão exagerando o perigo para obrigar o Irã a se ajoealhar? A “Spiegel” rastreou a história do programa nuclear de Teerã – com paradas em Washington, Viena e Isfaham.

(Nota do editor: O artigo que segue, sobre a origem do programa nuclear iraniano, foi publicado em duas partes. A primeira parte está logo abaixo, e a segunda parte pode ser lida aqui: "A história das ambições nucleares do Irã" )

Trata-se de mais uma reunião secreta na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O vice-diretor geral da agência, que trabalha em prol das Nações Unidas para evitar que bombas nucleares cheguem às mãos erradas, convidou 35 diplomatas para uma reunião no quinto andar do prédio da ONU em Viena. Alguns fotografam com seus celulares os flocos de gelo flutuando no rio Danúbio abaixo. Todos estão preparados para um encontro de rotina. Mas tudo será diferente desta vez. Com a ajuda da espionagem de alta tecnologia, este dia 28 de fevereiro de 2008 entrou para a história. E talvez mais tarde dirão que foi o dia em que o Irã finalmente perdeu sua inocência, e o dia em que os israelenses ofereceram argumentos para uma guerra.

Olli Heinonen confronta os diplomatas com novas informações sobre o programa nuclear de Teerã. O cientista nuclear finlandês, vice-diretor geral da AIEA e chefe do Departamento de Salvaguardas, já visitou Natanz e Isfahan várias vezes, e seus inspetores, ou “fiscais”, reportam-se a ele com regularidade. Além disso, câmeras monitoram as atividades em muitas instalações iranianas. Por mais que isso seja útil, não substitui as informações secretas suplementares.

Heinonem sabe que há muitas coisas acontecendo no Irã das quais ele não tem conhecimento. Entretanto, ele recebeu informações críticas através de fontes indiretas, incluindo gravações feitas por um importante cientistas nuclear iraniano.

Um tesouro de fatos

Sempre consciente para não ser manipulado, Heinonen passou bastante tempo comparada a informação exclusiva com seus próprios registros e checando com outros relatórios. Sua pesquisa o levou a concluir que ele havia recebido um tesouro de fatos, imagens e nomes – tudo isso “com uma possibilidade de 90% de ser autêntico.”

A sala está escura e o projetor faz ruído ao fundo. Durante as duas horas seguintes, Heinonen projeta imagens, diagramas e cópias de manuscritos na parede. A história que eles contam é diametralmente oposta à versão oficial de Teerã, que sustenta que o Irã está usando material de fissão para fins pacíficos apenas, e que não há um programa nuclear militar. O “Projeto 5” descreve o programa de mineração de urano do Irã e como ele transforma o material em hexafluoreto de urânio, um produto imediato no processo da produção de combustível nuclear. O “Projeto 110” descreve o teste de materiais nucleares altamente explosivos. O “Projeto 111” ilustra tentativas de construir uma ogiva para o míssil Shahab-3 do Irã. Os especialistas da AIEA traduziram um motivo literal na primeira página do documento que diz: “O destino não muda as pessoas desde que as pessoas não mudem o destino.”

Heinonen diz que todas essas informações levantam questões urgentes, particularmente sobre um homem chamado Mohsen Fakhrizadeh, o chefe secreto do programa, cujo nome é mencionado repetidas vezes nos documentos. Embora Heinonen não diga que sua informação constitui provas de um programa para uma bomba nuclear, ninguém nunca chegou tão perto de oferecer uma prova tão concreta sobre um programa nuclear militar do Irã. A apresentação, feita por um escandinavo conhecido por sua tranquilidade, oferece um conjunto convincente de evidências – e deixa uma impressão bastante forte nos especialistas reunidos.

O embaixador iraniano para a AIEA, Ali Asghar Soltanieh, levanta-se nervosamente e declara prontamente que a informação que Heinonen acabara de apresentar não passava de “invenções”, uma afirmação que depois ele foi parcialmente obrigado a retirar. Os norte-americanos, os franceses e outros estão ocupados fazendo anotações e tentando tirar fotos dos slides com seus telefones celulares, conforme se lembra um dos presentes.

“Carruagens de Fogo”

Heinonen deixou o melhor para o final: um filme de três minutos de Teerã que era provavelmente destinado aos líderes políticos sênior do país e foi produzido profissionalmente como um trailer para um filme de Hollywood. Ele mostra uma simulação computadorizada de uma explosão de uma ogiva de míssil. Como o vice-diretor geral da AIEA observa sobriamente, a explosão simulada, a uma altitude de 600 metros, não faria sentido para o uso de armas convencionais, químicas ou biológicas.

O clipe usa o poderoso tema musical do filme “Carruagens de Fogo”, de Vangelis, que ganhou o Oscar em 1982, com o filme de mesmo nome. Mas há outro contexto para a expressão “carruagens de fogo”, e pode-se assumir que os cientistas bem educados do Irã sabiam qual era. O escritor britânico do século 19 William Blake popularizou esta expressão incomum, de origens bíblicas, num curto poema no prefácio de seu épico “Milton: Um Poema”, mais conhecido hoje como o hino “Jerusalém”. Os versos dizem: “Traga-me o meu arco de ouro em chamas!/Traga-me minhas setas do desejo/Traga-me minha lança! Nuvens, ó, se desdobram!/Traga-me minha carruagem de fogo!”. Será que os iranianos estavam usando a expressão “carruagem de fogo” como um eufemismo poético para a bomba atômica?

Irritações com pouco impacto em Berlim

Em 2010, nada foi mais importante na agenda da diplomacia internacional do que a perspectiva de um programa nuclear secreto do Irã e o temor de que os líderes de Teerã pudessem obter armas nucleares para ameaçar seu inimigo Israel e as tropas norte-americanas no Golfo Pérsico. E nada enfatizou tanto o dramático impacto dos eventos tão efetivamente quanto o encontro secreto da AIEA em 2008.

A recusa do regime iraniano em abandonar seu programa de enriquecimento de urânio, ou pelo menos de suspendê-lo mais uma vez, fez com que o Conselho de Segurança da ONU aumentasse as sanções pela terceira vez na última quarta-feira. As novas sanções irão isolar ainda mais as companhias iranianas, impedir a importação de armas, limitar o espaço de manobra da Guarda Revolucionária e facilitar inspeções de navios iranianos. O presidente norte-americano Barack Obama as chamou de “as mais duras sanções que o Irã já enfrentou”, enquanto o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad esbravejou que a resolução da ONU não é nada além de um “documento inútil”. Na verdade, as novas regras são simplesmente irritações com pouco impacto em Teerã, em parte porque a Rússia e principalmente a China se opuseram às restrições no comércio de petróleo.

O público global está dividido. O Brasil e a Turquia votaram contra o esboço da resolução da ONU, já diluída como estava. Ninguém quer uma bomba iraniana. Os relatos deliberadamente falsos, ou pelo menos exagerados, das agências de inteligência ocidentais sobre as “armas de destruição em massa” do Iraque, que foram até mesmo usadas como justificativa para ir para a guerra, ainda são um motivo de indignação hoje. A CIA, o serviço de inteligência da Alemanha, o BND, e o MI6 britânico tiveram um problema de credibilidade desde então, principalmente ao soar o alarme sobre o tema da bomba atômica. E pendurada acima de tudo, como uma espada de Demócles, está a ameaça dos políticos israelenses de lançar um ataque militar para impedir Ahmadinejad, que nega o holocausto e disse recentemente que o ataque de Israel à frota com destino à Gaza soou como “o sino que anunciava a morte do regime sionista”.

Irã e a bomba: uma história de erros e enroscos, completa com manobras ilusórias de todos os lados. É um drama poderoso se apresentar num palco que se estende por todos os cantos do mundo, com um elenco de políticos monarquistas e guerreiros religiosos, pseudo-democratas e generais estrategistas, cientistas russos corruptos e homens de negócios suíços aparentemente corretos. O cenário inclui lugares como Viena e Washington, Teerã e Tel Aviv, Pyongyang e Berlim.

1º Ato: Por que o Xá quer armas – e os aiatolás seguiram o exemplo

Há poucos lugares no mundo em que as pessoas se orgulham da humanidade. Persépolis, no sul do Irã atual, é um deles.

Dário o Grande construiu sua capital aqui no século 6 antes de Cristo, e as ruínas da cidade, que ainda impressionam hoje, testemunham uma civilização superior. E embora os macedônios, os árabes e os mongóis tenham conquistado o país, e depois ele tenha sido dominado pelas companhias de petróleo britânicas e por generais norte-americanos, ninguém nunca tentou retirar o senso de orgulho dos persas, beirando a arrogância, de serem parte de uma cultura superior, e da convição de que eles são uma potência dominante na região dos árabes “atrasados”.

O xá só consegue preservar seu poder através de um golpe apoiado pela CIA contra Mohammed Mossadegh, o primeiro-ministro democraticamente eleito e membro do Partido Frente Nacional. Ele impõe uma mudança radical em direção à modernidade ocidental para seu povo. Com sua “Revolução Branca”, ele quer levar o progresso para o país à força e compra armas de ponta no Ociente para fortalecer seu arsenal militar. Em 1957, o Xá assina um acordo de cooperação nuclear com os Estados Unidos, e uma década mais tarde seu primeiro reator de pesquisas é construído em Teerã. Mas o regente do Irã tinha ambições ainda maiores. Em 1976, o presidente note-americano Gerald Ford assina uma diretiva de acordo com a qual ele não só promete fornecer ao Irã várias fábricas de energia nuclear, mas também uma fábrica de reprocessamento para recuperar o combustível nuclear.

Uma “suspeita invenção ocidental”

Mas o Xá nunca conseguiu realizar seu sonho de adquirir armas nucleares, e nem mesmo a fábrica nuclear em Bushehr, um projeto sob liderança alemã, está finalizada. Em 1979, o Xá é retirado do poder pela Revolução Islâmica, e o aiatolá Ruhollah Khomeini assume triunfalmente o poder no Irã. A pureza da fé xiita está no centro de sua teocracia, enquanto a pureza do urânio é vista como irrelevante. Khomeini trata o programa nuclear como “uma inovação suspeita do Ocidente” que não tem nada a ver com sua República Islâmica. Além disso, as armas de destruição em massa são haram, ou proibidas, de acordo com os ensinamentos de Alá.

A posição de Khomeini é surpreendente. Nesse momento, Israel já é uma potência nuclear, depois de ter construído um reator nuclear secreto no deserto Negev e armas nucleares funcionais. Em 1969, o primeiro-ministro israelense Golda Meir teria confessado ao presidente norte-americano Richard Nixon sobre a existência das bombas. No outono de 1980, o presidente iraquiano Saddam Hussein sentiu-se encorajado pelo governo norte-americano a atacar seus vizinhos iranianos. A guerra dura oito anos, matando meio milhão de pessoas. Bushehr é um dos alvos das bombas, e o reator nuclear do Irã no local, ainda inconcluído, é amplamente destruído.

Numa carta dramática para o líder revolucionário, Mohsen Rezai, comandante da Guarda Revolucionária (e crítico de Ahmadinejad hoje), pede permissão para desenvolver armas nucleares. Ele argumenta que esta é a única maneira de o Irã se defender e deter seus inimigos. O primeiro-ministro Hossein Mousavi (líder do atual movimento de resistência popular) escreve um apelo pessoal para apoiar o argumento de Rezai a favor da bomba.

Em julho de 1988, Khomeini, com o coração apertado, concorda com um cessar fogo com os iraquianos. O movimento, diz ele, é “mais amargo do que veneno”. Nesse ponto, ele aparentemente começa a repensar sua posição sobre as armas nucleares. Quando defrontado com uma ameaça existencial, os xiitas podem se permitir a takiya, ou a mentira sancionada para servir a um bem maior. Se Khomeini reinterpreta esse princípio, ele pode preservar seus próprios princípios, e ao mesmo tempo dizer ao seu povo que eles podem levar adiante os esforços para construir a bomba atômica.

Em 1988, o Irã conduz suas primeiras negociações sérias com o vizinho Paquistão. Nos anos 70, o primeiro-ministro paquistanês Zulfikar Ali Bhutto disse: “Mesmo que tenhamos que comer grama, faremos bombas nucleares”. E de fato, o Paquistão se tornou uma potência nuclear. Mas seu governo sunita é profundamente desconfiado dos xiitas e fala para seus políticos interromperem as negociações com o Irã.

Mas os homens em Teerã têm um plano B: negociações diretas com o “pai da bomba atômica do Paquistão”, Abdul Qadeer Khan. Khan está mais do que disposto a passar seu conhecimento para seus colegas muçulmanos no Irã, desde que um acordo como esse se traduza numa compensação suficiente para ele. Khan não vê contradição entre ser um pretenso jihadista e um aspirante a milionário.

2º Ato: Como Khan aprendeu a amar a bomba

Mesmo quando criança, Abdul Qadder Khan sempre detestou a sensação de ser humilhado por um adversário superior. Depois da sangrenta separação da Índia Britânica em 1947, seu pai, um professor muçulmano, decidiu deixar a cidade indiana de Bhopal e se mudar para o Paquistão (“A Terra dos Puros”). Khan, então com 16 anos, assiste soldados hindus roubarem as mulheres. Um guarda de fronteira rouba uma caneta esferográfica dele, um presente do irmão que significa muito para Khan. O rapaz humilhado jura que vai se vingar um dia e sonha com os detalhes exatos disso, numa posição de força.

epois de frequentar a escola em Karachi, o prodigioso Khan recebe seu doutorado em metalurgia na cidade belga de Leuven. Ele aceita um emprego com um fornecedor de centrífugas, Urenco, onde, graças à incompreensível negligência da companhia, ele ganha acesso ao coração nuclear que é o sonho de qualquer fabricante de bomba. Ninguém reclama quando o paquistanês leva os documentos ultra-confidenciais para casa, onde pode calmamente fazer cópias da tecnologia desenvolvida pelos engenheiros alemães.

O cientista sabe o que tem em mãos: o início de um programa de armas nucleares. O maior obstáculo para fazer uma bomba é adquirir suficiente material de fissão. A mais discreta entre as duas abordagens possíveis é a do enriquecimento de urânio e centrífugas. Isso por sua vez exige minério de urano, que é relativamente acessível no mercado global e também é extraído no Irã. O enriquecimento para o grau de material para armas pode ser feito em instalações que são facilmente escondidas. O enriquecimento de urânio é uma versão high-tech de peneirar o ouro: centenas de centrífugas construídas com exatidão precisam operar em altas velocidades e com grande precisão para obter o material para a bomba.

Um primeiro encontro com os iranianos

O simpático Khan desaparece em janeiro de 1976. Em 1983, um tribunal em Amsterdã condena o paquistanês por espionagem industrial e o sentencia in absentia a quatro anos de prisão. Em 1985, o Paquistão já está enriquecendo urânio com sucesso, e o instituto de pesquisa nuclear em Kahuta, 40 quilômetros ao sul da capital Islamabad, é chamado de Laboratórios de Pesquisa Khan, em homenagem a seu diretor.

Khan se encontra com os iranianos pela primeira vez em Dubai. Planos detalhados de construção são entregues durante uma reunião em 1987 com Masoud Naraghi, chefe da comissão de energia nuclear do Irã.

É o começo de uma grande amizade de irmãos de armas para o Irã e de uma carreira lucrativa como negociante de armas para Khan. Importantes cientistas paquistaneses fazem pelo menos uma dúzia de viagens para a Coreia do Norte, Dubai e norte da África, literalmente vendendo seus componentes para armas nucleares. O especialista em bomba é convidado para ir a Teerã várias vezes e ganha até mesmo uma mansão no Mar Cáspio. De acordo com um desertor, Khan raramente sai do país sem uma mala cheia de dinheiro.

O programa nuclear clandestino do Irã toma ritmo em 1991. É o ano em que as agências de inteligência norte-americanas reunidas dão um sinal claro num relatório sobre Teerã, observando que, embora a liderança iraniana esteja interessada numa arma atômica, o programa é “muito desorganizado para ser levado a sério.”

Um ano depois, o diretor da CIA (e atual secretário de Defesa) Robert Gates qualifica os resultados do relatório. Ele agora tem informações de Naraghi, o chefe nuclear do Irã, que desde então perdeu seu emprego e pediu asilo nos EUA. Ele também revela seu contato: Khan. Mas os norte-americanos não dão nenhuma importância para a conexão paquistanesa, nem alertam os inspetores da AIEA. Anos valiosos são perdidos, anos nos quais o Irã começa o desenvolvimento sério de suas centrífugas.

Camuflagem e engano

Em meados dos anos 90, os iranianos começam a construir instalações secretas para abrigar as centrífugas, marcando o começo de um jogo de camuflagem e engano que continua até hoje, e com o qual o país está perdendo o direito de enriquecer urânio, direito que possui formalmente. A fábrica de relógios Kalaye Electric nos subúrbios de Teerã é transformada numa instalação para abrigar uma centrífuga, e um novo e secreto complexo nuclear é construído próximo de Natanz, 250 quilômetros ao sul da capital.

Depois da devastadora Guerra do Iraque, um peso caiu sobre o país. Ficou cada vez mais evidente que os mulás não têm soluções eficazes, nem para a economia nem para lidar com os problemas sociais. O Ociente, por sua ez, não sabe o que pensar de um regime que está enviando sinais cautelosos de boa vontade, e que ao mesmo tempo envia esquadrões da morte contra membros da oposição que vivem no exterior.

Enquanto isso, no vizinho Paquistão, Khan está celebrando o maior triunfo de sua vida. Em 28 de maio de 1998, o Paquistão conduziu vários testes nucleares com sucesso. Khan se torna um herói nacional, ajudado em grande parte por uma família suíça de engenheiros. Khan ficou sabendo de Friedrich Tinner quando obteve a lista de fornecedores da Urenco na Holanda, e o paquistanês logo fez amizade com o filho de Tinner, Marco. Khan chama os Tinners, que se tornaram parte desta rede, de “uma família maravilhosa e honesta”. O filho mais novo, Urs, que deixou a escola aos 16 anos e logo se endividou, é a ovelha negra da família, o que o torna um alvo ideal para a CIA.

A agência de inteligência norte-americana desde então ficou mais vigilante e identificou o jihadista nucleear paquistanês como uma ameaça à paz mundial. Mas a extensão de seus negócios ainda não está clara. Langley decide se infiltrar na organização com um intermediário. O agente da CIA com o codinome “Mad Dog” descobre que Urs Tinner havia se mudado para Dubi e estava trabalhando para amigos de Khan.

É o ano 2000, e há um espião na rede de Khan, alguém com conexões muito próximas. Urs Tinner desfruta da confiança de seu chefe e, no escritório de Dubai onde trabalha, pode escanear planos secretos de construção nuclear destinados a venda ilegal a terceiros. Em meados de 2000, os esforços norte-americanos são recompensados quando eles descobrem que o Irã e a Líbia ofereceram novos contratos nucleares para Khan. Mas Washington ainda acredita numa política de não interferência nesse momento, e logo o 11 de setembro cria novas prioridades, nas quais é necessária a cooperação do Paquistão. O Conselho de Segurança da ONU dá sua bênção ao ataque de retaliação contra o campo de terroristas do líder da Al-Qaida Osama bin Laden, e Islamabad oficialmente se coloca ao lado de Washington.

A CIA acredita que tem tudo sob controle em relação a Khan, mas ele prova que não é nenhuma marionete facilmente controlada. E há outro ator no programa nuclear iraniano que ainda nem apareceu na tela de radar dos norte-americanos, alguém cujo papel continua misterioso até hoje. As pistas levam até a Rússia.

Tradução: Eloise De Vylder

21/06/2010

A história das ambições nucleares do Irã (segunda parte)

Erich Follath e Holger Stark

Na disputa sobre o programa nuclear de Teerã, o Conselho de Segurança da ONU impôs novas sanções. Será que o Irã está de fato construindo uma bomba como alegam os países ocidentais? Ou os países estão exagerando o perigo para obrigar o Irã a se ajoealhar? A “Spiegel” rastreou a história do programa nuclear de Teerã – com paradas em Washington, Viena e Isfaham.

(Nota do editor: O artigo que segue, sobre a origem do programa nuclear iraniano, foi publicado em duas partes. A primeira parte pode ser lida aqui: "A história das ambições nucleares do Irã" e a segunda parte segue abaixo)

3º ato: Como um agente da BND descobre o "laptop da morte"

Vyacheslav D. é um especialista internacionalmente conhecido no campo da nanotecnologia. Sua reputação se baseia em uma descoberta que ele e seus colegas cientistas soviéticos fizeram em julho de 1963. Quando eles expuseram carbono a ondas de choque de uma explosão, a compressão abrupta transformou o carbono em pedras preciosas chamadas nanodiamantes. Os iranianos não têm necessidade de pedras preciosas, mas estão interessados em tudo o que se relaciona a detonar uma bomba - e é aí que entra o russo. Durante a Guerra Fria, D. passou anos trabalhando no programa de armas nucleares soviético. Chelyabinsk-70, na Sibéria, a 1.500 km a leste de Moscou, é a versão soviética de Los Alamos, no sudoeste dos EUA. Os russos constroem bombas nucleares lá desde 1955, e hoje seus cientistas experimentam maneiras de fazê-las menores. D. trabalha no instituto de pesquisa científica de Chelyabinsk.

Os iranianos tomam conhecimento de D. em 1992, quando ele e seus colegas publicam um ensaio inovador em uma revista profissional. No artigo, eles discutem o desafio de fazer as ondas de choque se expandir o mais uniformemente possível depois de uma explosão, um fator importante na detonação de um certo tipo de ogiva nuclear. Para esse fim, muitos pequenos canais têm de ser cortados na ogiva, "de modo a poder medir os intervalos em que as ondas chegam", escreve D. Segundo fontes da AIEA, um acordo é fechado por volta de 1995. A partir daí, o cientista russo vai trabalhar para Teerã. Se ele tem plena consciência do verdadeiro objetivo do projeto, não está claro.

É um processo de armamento nuclear que permanece por muito tempo oculto do mundo, até um daqueles dias dourados do fim do verão em Washington em meados de agosto de 2002. Os Mujahedin do Povo do Irã, parte de uma coalizão de exilados iranianos chamada Conselho Nacional da Resistência do Irã, realizam uma entrevista coletiva no Hotel Willard Intercontinental em Washington. Não é exatamente o local preferido dos dissidentes iranianos que tentam derrubar o regime com bombas em Teerã e protestos nas capitais europeias.

Uma sensação política global

Os exilados iranianos se reúnem com a imprensa no salão Taft, no terceiro andar. "O que eu estou lhes mostrando hoje são dois locais altamente secretos que o regime iraniano tentou esconder até agora", diz um porta-voz dos Mujahedin do Povo. Suas palavras são uma sensação política global. Um reator de água pesada para produzir plutônio em Arak? Uma usina de enriquecimento em Natanz? É possível que o Irã esteja operando um programa nuclear há anos?

Os críticos do regime afirmam que a apresentação é "o resultado de nossa própria pesquisa intensiva", mas isso não é verdade. Na verdade, o serviço de inteligência de Israel forneceu essa informação ao grupo. Para aumentar a credibilidade, o governo de Jerusalém tentou ofuscar sua autoria. Nos países árabes essa sensação seria tratada apenas como mais uma consequência de uma série interminável de suposta propaganda sionista.

A inesperada exposição do projeto nuclear do Irã muda tudo. Até então os iranianos conseguiram manter o desenvolvimento oculto, mas agora o público global está voltando seus refletores para o país. Isso marca o início de uma grande controvérsia política que terminará em uma alternativa: guerra ou paz?

Na época, o presidente americano George W. Bush já tinha cunhado o termo "Eixo do Mal", referindo-se a Iraque, Irã e Coreia do Norte. Esses três países, diz Bush em janeiro de 2002, estão "se armando para ameaçar a paz no mundo". Ele ameaça abertamente a guerra, dizendo: "Os Estados Unidos da América não permitirão que os regimes mais perigosos do mundo nos ameacem com as armas mais destrutivas do mundo".

A nova doutrina dos neoconservadores do governo americano, que desejam mudar a ordem mundial pela força armada, é que a intervenção armada se justifica se houver uma ameaça a interesses americanos. Em breve o conceito de "mudança de regime" em Teerã começa a circular. O líder revolucionário do Irã, aiatolá Ali Khamenei, teme pela continuação da existência da República Islâmica.

Mohammed El Baradei, o egípcio que dirige a AIEA, sediada em Viena, voa para Teerã em julho de 2003. Seus inspetores têm viajado pelo país desde março, instalando câmeras e lacres e medindo dispositivos com fins de monitoramento, e têm feito muitas perguntas. Agora tornou-se muito mais difícil manter as coisas em segredo, e aos poucos vai ficar claro até onde os cientistas iranianos chegaram do ponto de vista tecnológico.

Teste de detonações

No verão de 2003, os engenheiros de Teerã realizam testes de detonação baseados no método russo. Segundo informação que vazou mais tarde, o equipamento explosivo consiste em um hemisfério com um diâmetro de 27,5 cm, colocado em uma concha de alumínio temperado. Assim como Vyacheslav D. descreveu em seu ensaio de 1992, os iranianos fazem pequenos buracos na concha de alumínio e colocam neles pequenas cargas explosivas. As cargas são destinadas a acionar simultaneamente uma grande carga de explosivos convencionais dentro do hemisfério.

O objetivo do teste é determinar se as ondas de choque que virão de todos os lados agem simultaneamente sobre o potencial centro nuclear. Cerca de mil fios sensores de fibra de vidro são dispostos dentro do hemisfério para transmitir um sinal luminoso para um equipamento de medição digital. Uma câmera de alta velocidade tira fotos com intervalos de uma fração de segundo. Isso permite que os cientistas analisem o rumo do experimento.

Se os serviços de inteligência ocidentais estiverem certos, o resultado representa um avanço tecnológico. A mensagem do verão de 2003 é que o detonador parece ser controlável.

Enquanto os engenheiros anunciam seu sucesso, a pressão internacional parece estar causando efeito. A inteligência americana intercepta instruções internas do governo iraniano que sugerem uma drástica redução no orçamento de pesquisa militar. Vários cientistas se queixam de que não podem mais continuar seus projetos. O governo está tão preocupado com a descoberta de seu projeto nuclear secreto que em fevereiro de 2004 escavadeiras aparecem na frente de um edifício no Centro de Pesquisa Física no nordeste de Teerã, que abriga um segmento militar do programa de pesquisa nuclear. O fato de os órgãos de inteligência ocidentais poderem monitorar as comunicações internas iranianas se deve em parte ao trabalho do serviço de inteligência externa alemão, BND.

Uma importante fonte alemã

Os alemães têm uma fonte importante em Teerã, uma pessoa com o codinome "Golfinho", que é administrado por pessoal do Departamento Um da BND no quartel-general da agência em Pullach, perto de Munique. Um empresário que trabalha para o governo de Teerã, a fonte tem apenas uma conexão casual com o negócio de dividir átomos. Através de seu trabalho, que envolve despejar aço e concreto em Isfahan, Natanz e outros lugares, o Golfinho gradualmente obtém acesso ao círculo interior que executa o programa secreto para o regime iraniano.

Os agentes de Pullach preferem se reunir com o Golfinho durante suas viagens ao exterior, que, pouco depois do fim do milênio, o regime ainda permite. Golfinho é um homem inteligente que sabe que as agências de inteligência adoram traição, mas não o traidor. Para se proteger, ele faz uma espécie de seguro de vida: reúne todos os documentos secretos sobre o programa nuclear que consegue obter, os digitaliza e esconde o laptop como um cofre de segurança. Ele não quer ficar no Irã para sempre, mas preferiria desertar para os EUA.

A CIA também percebeu o empresário iraniano. Ele é uma entidade administrável, alguém que está ativamente envolvido no programa nuclear e, quando Golfinho manifesta pela primeira vez o desejo de deixar o Irã a BND decide envolver a CIA. Mas então ocorre um erro fatal: em 2003 a inteligência iraniana descobre os contatos do Golfinho nos EUA. Como muitas outras figuras de oposição, ele é preso. Sua mulher consegue fugir do país com seus filhos, levando consigo o laptop. Ela entra no consulado americano em Istambul, onde conta sua história e é encaminhada para a CIA. O Golfinho desaparece em uma das famosas prisões de Teerã, mas sua mulher e seus filhos são levados para os EUA. O laptop torna-se seu "Green Card".

"Projeto Sal Verde"

As mais de mil páginas de documentos no computador incluem correspondência iraniana relativa à conversão de óxido de urânio em tetrafluoreto de urânio. Os iranianos se referem a esse passo como "Projeto Sal Verde" e, segundo os documentos do laptop, o programa é administrado por um departamento conhecido como "Projeto 5.13". Seu objetivo é produzir uma tonelada do "sal verde" por ano. O laptop contém ainda um documento datado de maio de 2003, com o cabeçalho da Kimia Maadan, uma empresa sediada em Teerã. O embaixador iraniano na AIEA mais tarde negou a existência do projeto em questão, e alegou que a companhia estava apenas envolvida na produção de urânio em uma mina perto da cidade de Gachin. Mas registros de empresas à disposição da "Spiegel" reforçam a suspeita de que Kimia Maadan é na verdade uma parte do Ministério da Defesa de Teerã.

O governo americano apresenta o material do laptop em uma sala à prova de escutas na Chancelaria alemã, o gabinete do chanceler (primeiro-ministro). Os americanos têm motivos políticos para envolver os alemães. Depois do desastre de inteligência que cercou as supostas armas de destruição em massa no Iraque, os americanos agora buscam parceiros para dividir a responsabilidade. Mas Frank-Walter Steinmeier, o chefe de gabinete do chanceler Gerhard Schroeder, e seu coordenador de inteligência Ernst Uhrlau não querem ser subservientes aos americanos. Eles não confiam em Bush e na CIA.

Finalmente, os EUA decidem deixar os inspetores de armas da ONU em Viena - e a figura mais importante do mundo sobre o tema de segurança nuclear - conhecerem os segredos do "laptop da morte".

4º ato: A verdadeira identidade do maior inimigo do Irã no Ocidente

Se um dia existiu um homem mais diferente de James Bond no mundo da espionagem, deve ser Olli Heinonen. Ele tem um início de pança, usa ternos de confecção e prefere gravatas nos tons nada elegantes de amarelo e cinza. O vice-diretor-geral da AIEA não apenas foi subestimado antes como também possui uma saudável dose de uma virtude que os finlandeses chamam de "sisu": tenacidade, teimosia e resistência. Ele também é um dos mais importantes especialistas nucleares do mundo.

Heinonen cresceu em Helsinque, onde obteve o doutorado em radioquímica e depois trabalhou no Centro de Pesquisa Nuclear da Finlândia. Ele aceitou um emprego na AIEA em 1983 e começou a trabalhar e galgar postos. Fez amizade com Mohamed El Baradei, o dedicado ex-diplomata egípcio, que logo se tornaria diretor-geral da agência nuclear. Os dois passaram vários meses juntos na instalação nuclear de Yongbyon na Coreia do Norte. A AIEA foi mais tarde expulsa da Coreia quando o regime autoritário começou a construir a bomba e a fechar acordos com o Paquistão e o Irã.

Heinonen logo se torna fascinado pelo reino dos persas. Os iranianos suspendem as atividades da AIEA depois das revelações sobre Natanz e Arak, e somente seis meses depois Heinonen recebe autorização para retomar as inspeções. Ele descobre indícios suspeitos na fábrica de Kalaye e percebe que deve haver mais. Desconfia de que Khan esteja por trás dos acordos. El Baradei envia seu vice em uma missão secreta para investigar a suposta rede do negociante no mercado negro e examinar suas conexões com o Irã.

Mas enquanto o estóico finlandês está coletando dados os órgãos de inteligência ocidentais intensificam seu escrutínio da conexão Khan. Quando a CIA invade o cargueiro alemão BBC China no porto italiano de Taranto em outubro de 2003, descobre um carregamento de Khan para o ditador líbio Muammar Khadafi. Isso marca o fim do programa atômico líbio que Khan estava vendendo para Trípoli.

Ocidente aumenta pressão sobre Paquistão

Agora o Ocidente está colocando tanta pressão sobre o Paquistão que o presidente Pervez Musharraf deixa de apoiar Khan, permitindo a queda do herói nacional. Em sua confissão de 11 páginas no início de 2004, que permanece secreta até hoje, Khan diz que os iranianos lhe ofereceram um negócio de bilhões. Hoje mais que nunca Heinonen está convencido de que Khan é a fonte de muitos componentes nucleares do Irã.

Em um dia de maio de 2004, a versão de James Bond da AIEA recebe um telefonema de uma mulher que parece surpreendentemente informada sobre questões nucleares. Ele a encontra em um café no edifício Millennium em Viena, que geralmente está vazio na hora do almoço. Heinonen está convencido de que ela é uma agente da CIA (na verdade, todos os indícios sugerem que foi enviada pelo "Cachorro Louco", o chefe da operação de espionagem de Tinner). Ela arranja uma série de encontros entre o chefe dos detetives nucleares e a família suíça, que ocorrem no hotel Intercontinental em Viena e no lago de Constança. Ela também fornece à AIEA o acesso ao disco rígido que contém informação sensacional sobre o programa nuclear iraniano, o "laptop da morte". É o mesmo material que Heinonen usará mais tarde em sua reunião a portas fechadas com diplomatas.

O Robert Oppenheimer do Irã

Nessa apresentação em Viena, em fevereiro de 2008, Heinonen projeta na parede um organograma que mostra a estrutura do programa nuclear iraniano. O nome no centro do gráfico é o de Mohsen Fakhrizadeh, uma figura chave por trás das ambições nucleares de Teerã. Aparentemente, ele é o Robert Oppenheimer do programa nuclear iraniano.

Como Oppenheimer, que a partir de 1942 trabalhou secretamente como diretor científico do Projeto Manhattan no Laboratório Nacional de Los Alamos, Fakhrizadeh também mantém um perfil extremamente discreto, determinado a evitar vazamentos de informação sobre a parte militar do esforço nuclear iraniano. Seu centro de pesquisa física se situa no nordeste de Teerã, onde os visitantes são recusados e instruídos a escrever para uma caixa postal. O logotipo do centro parece o planeta Saturno.

Durante muito tempo o mundo não tem notícias do cientista, que nasceu em 1961, entrou para a Guarda Revolucionária quando jovem e mais tarde assumiu um cargo no Ministério da Defesa. Fakhrizadeh tem dois filhos e até hoje às vezes dá palestras na Universidade Imame Hossein em Teerã. Ele é um físico brilhante e também um fantasma, e sempre se esforçou para que não existissem fotos suas. Fakhrizadeh rebatiza sua organização várias vezes depois que a instalação de enriquecimento de Natanz é descoberta. Hoje ela se chama FEDAT (Campo de Expansão e Desenvolvimento de Tecnologias Avançadas). Cerca de 600 pessoas estariam trabalhando para ele.

Segundo um dossiê da inteligência que circula entre Washington, Viena e Tel Aviv há alguns meses, 12 departamentos se reportam a Fakhrizadeh. Um relatório do "presidente", que traz a assinatura de Fakhrizadeh e é datado de 29 de dezembro de 2005, é dirigido a esses departamentos. O relatório se intitula "Previsão para atividades relacionadas a nêutrons nos próximos quatro anos".

Um gerador de nêutrons é um elemento chave no caminho para uma explosão nuclear. O equipamento, que dispara deutério contra trítio, é colocado no centro de uma esfera oca de urânio enriquecido, onde seu objetivo é desencadear a reação em cadeia desejada. Esta pode ser a maneira como os paquistaneses detonaram sua bomba, e parece que o Irã está seguindo a mesma abordagem. O memorando de Fakhrizadeh é uma espécie de plano mestre, que descreve a planejada cooperação entre a FEDAT e a Universidade Shahid Beheshti e apresenta a possibilidade de cargos vitalícios adicionais para acadêmicos. "Nossas capacidades são adequadas no momento", escreve Fakhrizadeh, "mas é claro que não são perfeitas."

A AIEA também conhece o documento estratégico. Os inspetores nucleares pediram ao governo iraniano várias vezes autorização para se reunir com Fakhrizadeh, mas sem sucesso. As autoridades iranianas afirmam que o cientista trabalha exclusivamente na indústria de defesa convencional. A ONU colocou seu nome em uma lista negra em 2007, e a União Europeia caracteriza Fakhrizadeh como um "cientista de alta patente no Ministério da Defesa e Logística das Forças Armadas".

Grande erro da inteligência americana

O especialista americano David Albright também acredita que Fakhrizadeh é "um homem muito perigoso". Albright, um ex-inspetor de armas no Iraque, é um especialista respeitado que monitora cuidadosamente todos os desenvolvimentos na pesquisa nuclear. Em seu escritório em Washington, ele diz à "Spiegel": "Se Fakhrizadeh conseguir completar a ogiva, ele também conseguirá convencer a liderança política a construir uma arma nuclear. Ele é o defensor da bomba em Teerã".

Fakhrizadeh também é o tema de uma reunião com o presidente Bush na Sala de Situação da Casa Branca em 2007. No briefing, o diretor de inteligência Mike McConnell apresenta ao presidente e seus assessores a Estimativa Nacional de Inteligência (NIE), um estudo de 140 páginas dos órgãos de inteligência americanos. A frase principal diz: "Julgamos com grande confiança que no outono de 2003 Teerã suspendeu seu programa de armas nucleares".

Puxa!

É uma frase que faz a gente parar, e representa uma das maiores incompreensões na história da inteligência dos EUA. Como diria mais tarde o ex-diretor da CIA Robert Gates, ele nunca viu "um NIE que tivesse tal impacto na diplomacia americana". A frase tem o efeito de desativar o estopim de uma bomba-relógio, deslegitimando a retórica belicosa dos neoconservadores. Quando Bush lê a conclusão do NIE, deve ficar claro para ele que o Irã não pode seguir o Iraque, e que uma invasão iminente do país do Golfo não é uma opção.

Por que essa súbita inversão de política?

Suspeitas crescentes de um programa de armas

Durante uma de suas operações, dois órgãos de inteligência americanos, a NSA e a CIA, obtiveram documentos internos do Irã relacionados à mudança de política ordenada pelo governo depois da descoberta de Natanz. Os documentos sugeriam que havia uma coisa que Teerã desejava acima de tudo: que seu programa de armas clandestino não fosse descoberto pela comunidade internacional. Os documentos incluem queixas iradas de Fakhrizadeh e seus colegas cientistas, que tinham perdido poder, influência e verbas em 2003.

Os rumores que circulam em Washington sugerem que a CIA, muito prejudicada pelo desastre no Iraque, estava tentando evitar outra guerra, mas os autores logo dão uma visão diferente em seu relatório. Em um exame mais minucioso, a conclusão do NIE não é tão clara quanto parece à primeira vista. Por exemplo, ela também declara: "Nós também avaliamos com confiança de moderada a alta que Teerã no mínimo está mantendo aberta a opção de desenvolver armas nucleares". E a avaliação nem sequer reflete as atividades de enriquecimento de urânio em Natanz, que Teerã insiste são para uso civil. A frase chave só se refere à parte militar secreta e invisível.

Irã desenvolve cadeia de produção própria

Em uma ironia da história mundial, o governo iraniano quase simultaneamente anuncia que um marco importante foi alcançado em Natanz: a instalação começou a enriquecer urânio em fevereiro de 2007. O recém-empossado presidente americano Barack Obama logo é confrontado com outra revelação: a usina de Qom.

Em um local subterrâneo perto dessa cidade sagrada, outra instalação de enriquecimento de urânio está sendo construída no interior de uma montanha. O local é o mais recente segredo revelado em um programa nuclear iraniano que tem uma série de surpresas. Enquanto isso, o governo de Teerã admite a existência da instalação e os inspetores da AIEA já visitaram o local. As inspeções são um lembrete da situação anterior de Natanz, indicando o início de uma nova rodada no jogo do Irã com a comunidade internacional.

Cerca de 3 mil centrífugas serão instaladas em Qom, um número que desperta as suspeitas dos especialistas. A usina é pequena demais para o uso civil do enriquecimento de urânio alegado pelo Irã, mas grande o suficiente para fins militares. Sob condições normais de operação, 3 mil centrífugas produziriam material suficiente para fazer uma bomba por ano. Até agora o Irã desenvolveu sua própria cadeia de produção. Ele tem o minério de urânio como matéria-prima, que produz na mina de Gachin. Tem a usina de conversão em Isfahan e as instalações de enriquecimento em Natanz, e em pouco tempo, Qom. O que resta é o complicado modo de ignição, a igualmente complexa integração ao míssil transportador Shahab-3 e a questão de se as usinas estão operando como planejado.

Teoricamente, o Irã pode produzir mais de 15 quilos de urânio com grau de armamento por ano em Natanz. "É suficiente para produzir uma bomba nuclear em dois anos", diz o especialista americano Albright. Segundo a AIEA, o regime já tem 2.427 quilos de urânio de baixo grau hoje. Se os 1.950 kg que foram transferidos para a usina piloto fossem colocados nas centrífugas, os iranianos teriam 200 kg de urânio enriquecido a 20%. A AIEA acredita que se o país atingir esse ponto levará apenas alguns meses para ter urânio altamente enriquecido, suficiente para produzir uma bomba.

Se...

"O Irã cometeu muitos erros", diz Albright. "Eles instalaram as centrífugas rapidamente demais, ao custo da capacidade de operá-las adequadamente." Das 8.610 centrífugas instaladas até o fim de janeiro, só 3.700 estavam em operação naquele ponto. Os equipamentos estão constantemente quebrando. Albright diz que os iranianos estão passando por uma "dolorosa curva de aprendizado". Também é possível que os americanos tenham conseguido através de sabotagem inutilizar algumas centrífugas. Há muitos indícios de que os físicos iranianos enfrentam problemas que poderão levar anos para solucionar. Mas também está claro que será extremamente difícil deter seus esforços. Para qualquer pessoa que montar todo o quebra-cabeça persa, não há dúvida de que o Irã está jogando com a opção de obter a bomba, e que busca adquirir o conhecimento e os recursos necessários - seja qual for o objetivo.

5º ato: O que o mundo deve esperar

Na superfície, pouco mudou no Departamento de Salvaguardas da AIEA em Viena, chefiado por Olli Heinonen. Mas houve uma mudança: foi que o japonês Yukiya Amano, 63, substituiu El Baradei no cargo máximo e prorrogou o contrato de Heinonen sem hesitação.

O escritório do vice-diretor-geral da AIEA no décimo andar do Centro Internacional de Viena ainda é meticulosamente arrumada. Um enorme cofre no fundo da sala contém seus segredos. Um tapete persa de Isfahan cobre o chão na frente da mesa de Heinonen, que afirma que ele mesmo o pagou. Também há um feio relógio na parede, "da fábrica de Kalaye", ele explica, a companhia de fachada onde os iranianos oficialmente fabricavam cronômetros comerciais mas que transformaram em uma instalação nuclear secreta. Heinonen acredita em alguma coisa do que os iranianos dizem hoje? Não está na hora de ele admitir que Teerã está tentando fabricar uma bomba?

Heinonen diz que sua tarefa é fazer perguntas em nome da comunidade internacional, indicar contradições e divulgar violações de acordos internacionais. Ele admite que suas suspeitas cresceram ao longo dos anos. Diz que ainda não tem a prova final, 100% segura, de um programa de armas nucleares de Teerã. E também está incerto quanto a se o Irã ficará satisfeito com a posição de potência nuclear virtual, ou na verdade seguirá na direção de uma bomba real.

Às vezes Heinonen pensa em onde estão seus adversários hoje. O suíço Urs Tinner, 44, que foi mais ou menos abandonado pela CIA e passou quatro anos sob custódia da investigação na Suíça, hoje está livre.

O especialista em nanotecnologia russo Vyacheslav D. trabalhou como professor na Ucrânia durante algum tempo e hoje vive na região de Moscou. Seus tempos como cientista parecem ter terminado, porém.

"Capacidade de neutralizar o poder de Israel"

Khan, que hoje tem 74 anos e supostamente sofre de câncer, tem dito coisas surpreendentes. Mais recentemente, no verão de 2009, ele disse: "O Irã estava interessado em adquirir tecnologia nuclear. Como o Irã era um importante país árabe, desejamos que ele adquirisse essa tecnologia. Os países ocidentais nos pressionaram injustamente. Se o Irã conseguir adquirir a tecnologia nuclear, seremos um bloco forte na região para conter a pressão internacional. A capacidade nuclear do Irã vai neutralizar o poder de Israel".

O primeiro relatório da AIEA sob Amano usa termos bem menos diplomáticos que a maioria dos emitidos na época de El Baradei. Em seu relatório de 18 de fevereiro de 2010 a agência declara que tem informações "amplamente consistentes e verossímeis" sobre armas nucleares iranianas. "Ao todo, isto levanta preocupações sobre a possível existência no Irã de atividades passadas ou atuais não reveladas, relacionadas ao desenvolvimento de uma carga nuclear para um míssil." A AIEA inequivocamente pede que o Irã aborde questões prementes.

Israel prepara-se para o ataque

O primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu, e seu governo de linha-dura secretamente se preparam para um ataque militar. "É 1938 e o Irã é a Alemanha", disse Netanyahu alguns anos atrás, assim comparando indiretamente Ahmadinejad com o ex-ditador alemão Adolf Hitler - e se oferece para negociar com Teerã com a aprovação dos nazistas.

Jatos militares de Israel atacaram instalações nucleares inimigas comprovadas ou supostas duas vezes no passado. Em junho de 1981, na "Operação Babilônia", eles bombardearam o reator de Osirak perto de Bagdá, e em setembro de 2007, na "Operação Pomar", destruíram um complexo de edifícios em al-Kibar, junto ao rio Eufrates na Síria.

Mas especialistas dizem que destruir o programa nuclear de armas nucleares do Irã, ou pelo menos lhe dar um golpe decisivo e fazê-lo recuar vários anos, exigirá uma campanha de bombardeios que duraria várias semanas e envolveria mais de mil ataques aéreos contra cerca de 12 alvos. Mesmo isto não garantiria que todas as principais instalações fossem atingidas e que os componentes nucleares que os iranianos esconderam em túneis fossem eliminados.

Não obstante, especialistas israelenses alegam que uma "solução militar" é possível, mesmo sem a ajuda do extremamente cético grande irmão de Israel, os EUA. Vários dos vizinhos árabes de Israel temem a bomba iraniana e a mudança de poder resultante no Oriente Médio quase tanto quanto temem Israel. Segundo avaliações da inteligência, a Arábia Saudita está disposta até a fornecer aos israelenses direitos de sobrevoo para um ataque partindo do sul.

O preço de um ataque

As consequências dessa campanha poderão ser fatais. As opções do Irã incluem mais que um ataque de retaliação de mísseis convencionais. A liderança iraniana provavelmente organizaria uma campanha terrorista no Iraque, e encorajaria dois grupos financiados por Teerã - o Hizbollah no Líbano e o Hamas na Faixa de Gaza - a lançar ataques contra Israel. Isto poderia levar a uma potencial conflagração no Oriente Médio, que poderia se espalhar pelo resto do mundo, ou pelo menos pela economia global.

Além disso, quase todos os especialistas concordam que um bombardeio de caças israelenses encorajaria a população iraniana a fechar fileiras com a liderança de Teerã, que atualmente é muito impopular, enfraquecendo o movimento de oposição "verde". É possível que os iranianos estejam na verdade provocando esse ataque para atingir precisamente esse resultado? E isto levaria a sua retirada da AIEA e ao avanço a toda velocidade com seus planos de desenvolvimento da bomba, desta vez com o apoio total da população?

Discretamente, políticos e especialistas em defesa já começaram a discutir se e como o mundo se relacionaria com o Irã como potência nuclear. Martin van Creveld, um historiador militar e professor em Jerusalém que é autor de "Living with the Bomb" [Vivendo com a bomba], afirma que um Irã nuclear em última instância não seria uma ameaça maior para a paz mundial do que um Israel nuclear. Mas essa é uma opinião minoritária no Estado judeu, onde pesquisas de opinião indicam que mais da metade da população apoia um ataque preventivo contra Teerã se as negociações forem ineficazes.

Em Washington, a perspectiva de um mundo "depois que o Irã tiver a bomba" - título de uma matéria de capa na influente revista "Foreign Affairs" - está sendo discutida de maneira relativamente aberta. Especialistas propõem a "contenção" política do Irã para limitar os potenciais danos.

Uma coisa é certa: desde que o presidente Obama chegou ao cargo, os americanos são favoráveis a participar de negociações com Teerã, e não mais delegam tudo para os europeus. O jornalista do "New York Times" David Sanger, em seu livro "The Inheritance: The World Obama Confronts and the Challenges to American Power" [A herança: o mundo que Obama enfrenta e os desafios ao poderio americano], cita um diplomata americano dizendo: "Há algumas coisas na vida que não funcionam quando você manda outras pessoas fazê-las por você. Entre elas estão sexo, beber e negociar com o Irã".

Um militar israelense graduado diz que conhece a frase, mas que a modificaria ligeiramente no final: "... elas incluem sexo, beber e bombardear o Irã".

6º ato: O que os persas realmente amam - e quem eles odeiam

Isfahan no "Dia do Átomo". A cidade é o orgulho da nação, a jóia da Pérsia, Nesfe Jahan, a "Metade do Mundo". É uma cidade com tolerância religiosa e tradição intercultural. Mas neste dia em abril de 2009 fachadas da cidade estão marcadas por sinais como o exibido em sua praça central Imame, que diz "Morte aos sionistas". A menos de um quilômetro de distância, na praça Palestina, os fiéis se reúnem em uma sinagoga para as orações. Há cerca de 1.200 judeus vivendo em Isfahan, e cerca de 25 mil em todo o Irã.

"Nós esqueceríamos todas as nossas reservas sobre a teocracia e combateríamos os invasores", diz um velho com o rosto assolado pelo tempo, parecendo que acaba de sair do Antigo Testamento. Ele cuidadosamente endireita seu quepá ao entrar na sinagoga. E acrescenta rapidamente que não quer que o compreendam mal, e que suas palavras não têm nada a ver com afeto por esse tal de Ahmadinejad.

A Pérsia é um quebra-cabeça escondido em um quebra-cabeça feito de pontos de interrogação.

Se a força aérea israelense ou a força aérea americana bombardeassem o Irã, pode-se apostar que a instalação nuclear iraniana perto de Isfahan estaria no topo de sua lista de alvos. O complexo, a menos de 20 km de Isfahan, uma cidade de 1,5 milhão de habitantes, está enterrado em uma paisagem desértica dramática. Uma plataforma de lançamento para mísseis antiaéreos se projeta para o céu em uma das montanhas que cercam o vale. Atrás da plataforma, uma série de cercas, guardas armados e arame farpado protegem o centro da instalação altamente secreta de sua usina de conversão de urânio, que foi inaugurada pelo presidente Ahmadinejad, um evento em que os jornalistas da "Spiegel", algo raro, puderam acompanhar o líder iraniano - no santuário do programa nuclear do Irã.

Aqui também as contradições são surpreendentes. É desnecessário dizer que físicos nucleares de primeira linha trabalham no complexo de Isfahan. Mas imediatamente antes da visita presidencial um técnico é visto dizendo impropérios enquanto procura uma ferramenta para consertar o telhado da usina de alta tecnologia.

A visita do presidente é um ato solene, como se ele participasse de uma cerimônia religiosa. Depois ele volta à cidade em seu comboio. Jovens curiosos lotam a praça onde Ahmadinejad fala, e quando se cansam desaparecem no bazar em busca de seus verdadeiros objetos de desejo: Nikes, em vez de "nukes".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves